Recursos e terríveis efeitos do jornalismo: o assassinato do mensageiro

 Veladimir Romano*

Lembro de outras épocas quando na redação do New York Herald Tribune [nasceu em 1924 com tendência pelos republicanos], trabalhava um destemido jornalista da velha guarda, criativo e determinado: Mark Sullivan (1912-2002).

Ele deixou histórias que, nos anos 80, ainda faziam delícias só de ler. Isso, a propósito do conflito sobre o Vietnam (1955-1975), ele ocupava diariamente páginas e páginas da imprensa do mundo e norte-americana.

Escreveu Mark… «Não basta ter armas para manter a paz». Se a frase fosse apenas uma opinião, ela teria sido esquecida. Entretanto, se mantém atualizada. Nos últimos tempos testemunhamos de como o jornalismo está sendo tratado nas democracias.

Sim, o Jornalismo é arma poderosa. Há quem deseje exterminá-lo [nada sendo novidade], por meio de novas formas com atos extremos do passado. Isso é muito ruim para quem, na utopia, viu no atual e moderno processo democrático viu o jornalismo revelar fatos e acontecimentos no desempenho de suas tarefas.

Trata-se de uma desafiante profissão ainda que facilitada pela tecnologia. No entanto, a profissão tem sido vítima daqueles que não apreciam empenhos, trabalho pedagógico.

E não toleram o lado crítico dos jornalistas, quando esses não labutam pela contemplação, mas se mantêm no bom combate, mantendo organismos vivos pela informação, clareza mensageira e até sanidade social – e que respondem como instituição desenvolvendo valores.

A escrita não sai do nada nem chega com sopro divino, caso esse não tenha valores confirmados ou totalmente garantidos pelo sistema político e judicial.

Embora obedeçam a diversos padrões, a dimensão informativa desde o espontâneo dos comentaristas, no geral, praticam elucidação, comportamento responsável, agindo por princípios com acordo das práticas éticas que devem prevalecer no conjunto e na formação essencialmente mantida nos termos tolerantes em crescimento, como autonomia.

Assim, vergonhosos assistimos a cada ano, mais abusos, agressões e assassinatos de jornalistas, quando são perseguidos, presos e torturados.

Como diria o sociólogo alemão, Herbert Marcuse (1898-1979): «Os jornalistas parecem ser aqueles que ainda mantém algum rosto humano; são realistas, porém, exigem o impossível».

São o pavor de certas elites, grupos e organizações econômicas, e muitas criminosas, que rechaçam a nobreza da profissão. Criam venenos e tempestades contra o jornalismo quando esse, no desempenho de suas funções, apontam falhas, defeitos perniciosos do sistema. E são acusados de prejudicarem o desenvolvimento.

Na última reunião de Genebra, nas instalações da ONU, Agnès Callamard, investigadora independente requisitada pela organização, em plena sala acompanhada de colegas, foi ameaçada de morte pelo embaixador saudita que não se identificou.

A relatora, especialista em analisar assassinatos extrajudiciais, apontou ao ainda príncipe Mohammed bin Salman [de 35 anos, com fortuna avaliada em 365 bilhões de reais], como mandante direto do assassinato [confirmação desenvolvida em relatórios da CIA] do jornalista e primo em segundo grau: Jamal Ahmad Khashoggi (1958-2018).

Antes disso, o diretor do canal “Al Arab News” e o “Al Watan” [Riade = “Jardins”, com mais de 4 milhões de pessoas], quando exilado, colunista do “Washington Post”, entrou numa solução jurídica perversa, quando o jornalismo perdeu mais uma vez as suas razões e direitos.

A vítima, descendente de avô turco, com frequência visitava Istambul [cosmopolita metrópole com 15 milhões de habitantes], preparava casamento, precisando dos serviços consulares do seu país, a Arábia Saudita.

E pagou com a vida a sua coragem perante a prepotência, covardia e medo de Mohammed bin Salman. Desse modo, o futuro rei ao encomendar tropa de 15 agentes dos serviços secretos sauditas, a sua ordem desumana foi executada de maneira selvagem, irracional, mas determinada pelo comando brutal de quem tem princípios assassinos.

Esquartejaram o corpo do malogrado jornalista. Hoje, considerado pela ONU como criminoso de ordem internacional, o príncipe, procura escapar ao pesadelo.

Em junho de 2020, no Estado Uttar Pradesh, na Índia, o radialista Jagendra Singh, foi queimado vivo por cinco policiais. É assim qu ao longo da história, matar jornalistas virou notícia recorrente ao longo da história.

O primeiro assassinato ocorreu nos EUA, no ano de 1866: Ridgeway Glover, que trabalhava para o Frank Leslie´s Illustrad Newspaper,  de Nova York.

Desde então, já morreram mais de meia-centena com últimos quatro mortos nos Estados Unidos: Gerald Fischeman, John McCnamara, Rob Hiaasen, Wendi Winters, em 2018, e a tenebrosa lista da prestigiada Associated Press (1846, N.Y.), mau grado, continua.

No ano 2020, foram declarados 53 jornalistas assassinados. A maior lista apareceu no México, com 10 jornalistas assassinados pelos cartéis do crime organizado.

Pagam para matar jornalistas. É assim que o jornalismo tem-se tornado, em alguns lugares, como profissão suicida. Por todo o mundo, histórias de assassinatos se repetem pelo pior exemplo.

Além disso, promovem censuras diretas ou camufladas procurando eliminar informação, matando igualmente o mensageiro.

Assim, é lamentável que o presidente Joe Biden, depois de tanta promessa contra o príncipe saudita, fique nas suas boas intenções de propaganda vã, se tenha arrepiado no caminho mesmo com todas as informações privilegiadas dos serviços secretos.

E se veja agora reduzido quando petrodólares vão valendo mais do que a vida de um simples jornalista no cumprimento da sua missão.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano

No destaque, o jornalista Jamal Ahmad Khashoggi (1958–2018), vítima de um assassinato mais notório dos tempos modernos, no segundo dia de outubro de 2018, no consulado saudita, em Istambul (Foto: Reprodução).

 

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