Queimadas, água e barragens: Itabira pede socorro
Maria Alice de Oliveira Lage*
A Vila de Utopia tem abordado temas ligados ao Meio Ambiente focalizando os principais problemas que afligem Itabira, quando o Codema completa 36 anos. Assim três assuntos serão comentados: Queimadas, Água e Barragens.
O jornal O Cometa Itabirano, janeiro de 1986, no artigo “Em defesa do Meio Ambiente” destaca:
“Itabira assistiu passivamente a saída de sua riqueza rolando pelas encostas do Cauê, Esmeril e Conceição. Itabira viu silenciosamente o fino cobrir suas várzeas e ilhou-se nas represas. Itabira assistiu pacificamente, a desfiguração de suas serras, a eliminação de sua vegetação natural e a intromissão de um reflorestamento industrial. Itabira viu a agonia de seus mananciais. O ar de Itabira misturou-se ao pó de sua riqueza. Itabira cresceu e também cresceram os problemas sociais¨.
Queimadas
As queimadas ocorrem em diversos pontos do país, comprometendo os ecossistemas. Em Itabira tais ações acontecem e muitas vezes de forma criminosa. O clima seco e a baixa umidade relativa do ar contribuem para agravar os episódios.
As queimadas têm causado sérios prejuízos à vegetação e à fauna, empobrece o solo, retira nutrientes e sua proteção, em consequência prejudica a saúde da população.
A Professora Carolina Vasques Freitas, da UNIFEI, graduada em Física e pós doutora em Ciência da Atmosfera, assim se expressou sobre queimadas:
“É uma técnica arcaica ainda comum na agricultura. As queimadas empobrecem o solo, acabam com a fertilidade ao matar micro-organismos que fazem a decomposição da matéria orgânica, a reciclagem de nutrientes. Elimina potássio, fósforo, nitrogênio. Os incêndios florestais e queimadas causam irritação nos olhos, no nariz, na garganta, nos pulmões. Impactam o sistema respiratório e também cardiovascular, além de agravar a saúde. São vários gases que resultam de uma queima incompleta como monóxido de carbono, óxido nitroso, dióxido de nitrogênio”.
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As áreas verdes têm funções importantes como melhoria da qualidade de vida, modificar o microclima local, embelezar o ambiente, melhorar a qualidade do ar, controlar a erosão, proteger os mananciais, abrigar a fauna e ainda proporcionar espaços que podem ser utilizados para lazer. Considerando o baixo índice de arborização citado pelo IBGE, necessário se torna ampliar o plantio de árvores na cidade.
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Água
Água é vida. É possível a vida sem a utilização da água? A água é um líquido precioso disponível para todos. Vivemos em um Planeta Água sendo tratada como recurso ilimitado, mas na realidade podemos perceber a crescente utilização da água pela sociedade, de forma descontrolada.
Nas nações em desenvolvimento, o acesso a água potável, de qualidade é pequeno. As águas superficiais e subterrâneas recebem uma carga substancial de poluição: esgoto doméstico e industrial, pesticidas e substâncias tóxicas usados na agricultura são carreados até os cursos d’água.
É importante lembrar que a água é responsável pela manutenção da umidade do ar, exerce influência no clima da Terra, no paisagismo, no abastecimento doméstico, industrial e agrícola, na geração de energia, proporciona pesca e lazer, dessedentação de animais, preservação da fauna e da flora.
A demanda crescente desse precioso líquido defronta com sérios problemas: poluição e desperdício. Em Itabira essa é a situação de nossas águas: escassez e poluição que comprometem nossos recursos hídricos.
Em 1985, logo após a instalação do Codema foi solicitado à Vale um estudo hidrogeológico para conhecimento dos aquíferos. Durante a reunião ocorreram discussões e citações de desequilíbrio nos recursos hídricos em alguns países. Posteriormente, a Vale encaminhou um geólogo para estudar o problema no norte da Espanha. Muito tempo se passou e nenhuma providência foi realizada.
O ex superintendente da Vale dizia: “Itabira não precisa buscar outras fontes de abastecimento, pois as cavas exauridas são grandes reservatórios”.
Recentemente a Vale assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de Minas Gerais com a transposição de água do Rio Tanque. Parte do recurso irá abastecer Itabira e o excedente será utilizado pela mineradora. A transposição de água do rio Tanque é um meio de a Vale compensar por não entregar o “legado” do aquífero para o abastecimento público.
A Vale possui prioridade sobre os aquíferos de superfície: Cauê, Serra do Esmeril e Conceição. No entanto a escassez de água é uma realidade pela seca prolongada.
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Segundo Carlos Cruz: “Itabira há quase 80 anos sofre com o crescimento urbano desordenado e com uma crônica falta de água desde que a mineração em larga escala se apossou dos recursos superficiais (Borrachudo, Camarinha, Três fontes), “trocados” pelos minguados córregos da Pureza que abastece a Estação de Tratamento de Água (ETA) e Pai João, que supre a ETA Gatos. Como consequência a população itabirana convive desde então com a escassez de água”.
O engenheiro do Saae Jorge Borges fez a seguinte explanação: “O período elástico de tempo é atribuído à necessidade de se obter, preliminarmente, a outorga pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), como também as respectivas licenças ambientais prévias, de instalação e de implantação, para só depois o SAAE dispor de Licença de Operação”. O grande desafio hoje é encurtar o tempo previsto de 6 anos, para concluir o Projeto do Rio Tanque.
Há um atraso muito grande para solucionar o problema por meio de medidas paliativas, de “puxadinho em puxadinho” contornando medidas para distribuição de água, durante a estiagem.
Confirmando o problema, o Diário de Itabira de 18 de setembro 2021 realça: “ETA Pureza “agoniza” e Itabira depende da TAC da Vale para não ficar sem água”.
Barragens
O professor James Jackson Griffith expressa: “A mineração a céu aberto funciona como um acelerador de tempo, alterando as informações genéticas naturais, apagando as antigas relações entre o mineral, o vegetal e o animal. Os impactos topográficos, edáficos, vegetativo e hídricos oriundos da mineração a céu aberto alteram o aspecto estético e agridem a sensibilidade do observador, sobretudo com sérias consequências para a população”.
Em Itabira, a expansão urbana e mineração formam “zona de imbricação” – interface cidade/mineração, afetando o espaço físico e social. A mineradora construiu barragens com o objetivo de contenção de rejeitos para operacionalizar os trabalhos da Empresa. Itabira, hoje, está ilhada por barragens. Embora, segundo a empresa, exista todo cuidado técnico e acompanhamento de seu comportamento, o perigo existe.
As medições podem acompanhar o comportamento das barragens, mas a pressão sobre a crista e o volume de rejeito é grande. Pode ocorrer uma “dinâmica microscópica”, invisível, por capilaridade, somado ao enorme gradiente de pressão, com o comprometimento da estabilidade.
A responsabilidade da empresa com a população é permanente, ou pelo menos deveria ser, visto que as áreas urbanas e rurais, as famílias, os idosos e os acamados não podem ficar à mercê de “sirene” e das “rotas de fuga”.
Minas Gerais e Itabira precisam discutir o passivo ambiental da mineração. O estudo da reabilitação da área a ser minerada deve iniciar antes das atividades minerárias e terminar muito tempo após o encerramento das mesmas. Grandes investimentos devem ser direcionados para as marcas da mineração não só na paisagem, como também na estrutura social.
Os moradores de Santa Maria e de Itabira convivem com a insegurança, visto os acidentes em Mariana e Brumadinho, onde as pessoas e histórias de vida desapareceram na “lama”. Na “rota da morte” os imóveis perdem seu valor e seus proprietários suas marcas identitárias, ou seja, o que distingue e o aproxima da coletividade em que se insere. Quem irá ressarcir?
A questão ambiental é complexa. O meio ambiente é uma totalidade, é uma realidade global, é uma realidade histórica, é resultante de relações econômicas, políticas e sócio-culturais.
Rio 92
Para ilustrar, citamos a Rio/92 (Eco 92), em um plenário internacional, onde um homem simples, o índio Marcos Terena, o único a discursar de improviso e pela primeira vez na história da ONU, na sua coragem e sinceridade, expressando o que sentia, assim como o seu povo, conseguiu comunicar mais que muitos Chefes de Estado. Seguem fragmentos de seu discurso:
“- Eu sou índio do Brasil e vim conversar com vocês. Nós sabemos que alguma coisa está errada com o desenvolvimento de vocês. A história da humanidade está mostrando isso. É por isso que vocês vieram ao Rio de Janeiro, dos mais diversos lugares, para discutir o que fazer com o Planeta Terra.”
“Nós não somos selvagens, como uma revista de vocês afirmou, nós não matamos crianças e nem temos favelas. Não há hospitais psiquiátricos nas nossas aldeias.”
“A natureza está sendo destruída a cada momento. Nós não viemos aqui para agradar os dirigentes, mas para lutar pela vida, pela nossa sobrevivência, mas também para salvar o Planeta.”
“O mundo é uma grande canoa, onde tem índio, negro, branco. Quando o pulmão de vocês não aguentar mais respirar esse ar, o corpo de vocês e o nosso também vai ficar doente.”
“E quando não tiver mais água para beber? E quando vocês não puderem mais matar a sede com água dos nossos rios, não tiverem mais florestas, o que vocês vão fazer? Talvez vocês inventem uma pílula para a matar a sede. Mas, nunca vai ser saborosa como as águas que nós costumamos beber na floresta.”
“Quantas vezes ficamos encabulados quando vimos os países pequenos, do chamado Terceiro Mundo correndo atrás dos ricos, do Primeiro Mundo, para pedir dinheiro. Isto não é soberania. Isto não é dignidade. Queremos tratamento sério.”
“É preciso que vocês deixem o coração aberto. É preciso estabelecer uma nova relação entre os povos. Mas, é preciso repensar também o que foi a economia para vocês. É preciso estabelecer uma nova ordem econômica. O que pedimos é tão óbvio com a vida de vocês, a vida das crianças e as cores do arco íris. O futuro dos índios é o futuro de vocês também. É o futuro do Planeta”.
*Maria Alice de Oliveira Lage é professora aposentada, ex-presidente do Codema e ex-secretária municipal de Educação.
Muito bem dito, prima, é necessário mantermos esse tema sempre na ordem do dia, pois para a mineradora Itabira é simplesmente mais um ponto operacional.
Cai no esquecimento e sobra no lucro dessa exploradora dos aquíferos de Itabira e, no meu entender, toda essa água já deveria ser taxada, pois, como bem sabemos, água também é um mineral, embora líquido.
Alvíssaras! a professora Maria Alice Lage, vem mais uma vez nos acudir das desgraçarias, das arruaças promovidas pela mineradora assassina (Mariana e Brumadinho) na cidade decaída. Quem poderá contestar a professora e veterinária prática, das coisas de meio ambiente e da natureza. Maria Alice é uma das grandezas de Itabira, e nesse caso é preciso colocar ela na roda dos debates populares; é preciso colocar ela nas reuniões, sobre o tema, da Prefeitura. Uma cidade que tem uma Maria Alice, tem ouro puro, que não suja rios, não corta árvores e nos adverte com conhecimento.
Para você, querida Maria Alice, uma frase do Mandela: “Não é a violência de poucos que me assusta, mas omissão de muitos”.
Cara Maria Alice seja bem-vinda à Sociedade Inimiga do Progresso, criada e presidida pela escritora Raquel de Queiroz e secretariada pelo poeta Drummond.