Proteger os oceanos ou a tragédia de Ulisses
Veladimir Romano*
Na simpática região onde se colocou um dos oásis fiscais mais completos e melhor organizados do planeta, o Mônaco, organizou-se por meio do Painel Intergovernamental da Mudança Climática [o IPCC, parceira da ONU], tendo sido reservado uma semana entre os dias 20 a 28 de setembro, para o debate das questões pertinentes sobre a grande massa líquida cobrindo a crosta planetária: os oceanos.
Participaram 86 nações, uma centena de autores cientistas [mais de sete mil publicações científicas editadas], várias organizações ambientalistas de quase toda a Europa, além de organismos internacionais e até representante das Nações Unidas.
Nos primeiros dias o painel mostrou que na orla marítima habitam mais de 600 milhões de pessoas. Mas o que mais assustou foi que toda a cúpula, por meio dos especialistas, apresentou explicações bem detalhadas sobre futuro sombrio, incógnito para os oceanos.
Isso caso a Humanidade não mude seus modos consumistas, além de uma ampla reforma do sistema financeiro que banca toda a degradação.
As exigências são muitas e necessárias. São científicas e englobam todos os pareceres explicativos, oferecendo em teorias o que tarde ou cedo veremos acontecer nas ações naturais do clima.
Nos glaciares, calculado ficou a perda de 80% da sua massa até 2100. Com isso, serão afetadas 500 milhões de pessoas com o nível dos mares subindo até um metro, o que se agrava ainda mais diante do cenário das altas emissões de carbono.
Muito se discutiu sobre ecossistemas e oceanos, compromissos pela proteção dos oceanos e todo o espaço marinho, classificando áreas protegidas, quadruplicando essa responsabilidade até 2030.
Tudo isso fez com os países participantes da cúpula reconhecessem as responsabilidades efetivas sem que cada participante deixasse de assinar princípios de neutralidade carbônica até pelo menos 2050.
Atenções foram aplicadas nas infraestruturas dos países participantes, quando a direção da mesa pediu aumento das metas na produção energética sustentável, assim como o advento de uma estratégia portuária que forneça combustível alternativo de baixo carbono aos navios já a partir de 2020. As algas foram classificadas como organismo marinho protegido de alto valor para combater o carbono.
Ou se ama o oceano reconhecendo seus valores extras ou ficaremos a ponto de reviver o esquecimento de Ulisses perante situações míticas, fazendo de conta da importância dos temas, mas depois cada um, na volta, esquecendo-se dos acordos assinados e dos compromissos que devem ser colocados em prática.
Os milhares de alertas diários sobre desmatamento, também se dão na relação aos cuidados dos mares e oceanos, aumentando ainda mais as preocupações com o que virá pela frente.
Enquanto esgotamos os recursos marinhos, inundamos os oceanos com lixo, na maioria das situações tóxicos, destrutivos – e que apresentam enormes dificuldades quando se trata da recuperação dos valores então provocado pelos estragos.
O palácio dos Grimaldi foi pequeno para caber vários grupos científicos, políticos, dirigentes sociais, escolas, sindicatos, ambientalistas e a imprensa.
De lá saíram os compromissos para ação climática baseada nos oceanos, com as respectivas assinaturas estipulando responsabilidades de cada país quanto ao sequestro do carbono, por meio da proteção de organismos marinhos como as algas.
Foi assim que 30% das reservas marinhas foram classificadas como áreas protegidas até 2030, ultrapassando os atuais 7%, além de ultrapassar em 10% o volume da energia sustentável consumida em energia eólica.
E, ainda, o aproveitamento das correntes marítimas em até 30% até 2030 [a Dinamarca já vai com 37%]. Outra proposta aprovada foi a criação de sistemas em infraestruturas nos portos marítimos, com o fornecimento de combustíveis alternativos de baixo carbono, recriando novas estratégias sustentáveis, melhorando todo o sistema portuários.
Outro ponto importante foi a restrição do uso do carvão, gás, petróleo e da energia nuclear com seus inconvenientes ambientais, chuvas ácidas. Foram fortes as críticas sobre a OPEP [cartel produtor de petróleo], dos derrames de óleo cru nos oceanos sem que alguma vez essa organização manifestasse suas preocupações e agitasse esse cuidado ecológico.
Foram também incisivas as apresentações de curtas metragens sobre efeitos do lixo doméstico, industrial, ácidos corrosivos, metálicos e matérias plásticas. É assustador que o grito que apenas alguns escutam, vindo da Natureza que sofre com tanta negligência e fanatismo consumista.
Na Europa e costa norte-africana, consumidores de peixe já andam comendo dois milímetros de microplástico na cadeia alimentar. Todos os dias se descobrem detritos sem qualquer tratamento prévio caindo nos oceanos. No mar alto da Inglaterra é flagrante essa prática.
Enquanto decorria a sessão, foi anunciado na Islândia o funeral do primeiro glaciar [útför ad jöklinum]: perda total histórica e frustrante para a Humanidade.
No Mediterrâneo, a presença do plástico tem aumentado 9% a cada ano. E, em 30 anos, aumentou para 95% o volume de resíduos tóxicos nos oceanos do planeta.
Assim, pelos ecossistemas aquáticos, o mundo tem saído às ruas, seja nos pequenos como nos grandes centros urbanos, manifestando a sua revolta quando 15% da vida marinha já esvaneceu. Em consequência, desapareceram também 20% dos peixes que são habitualmente consumidos em escala alta. Desde 1990, o aquecimento dos oceanos aumentou ao dobro, anunciando evidente colapso.
Das nações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a única presença foi da delegação portuguesa, que assinou acordos importantes. De longe chegou a palavra, desde Nova York, do secretário das Nações Unidas António Guterres: «O maior custo é o de não se fazer nada».
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano
Daqui mais um pouco, água pura em algum curso natural será uma mera lembrança…