Produção de minério de ferro em Itabira está abaixo de 30 Mta e perde para Conceição do Mato Dentro em arrecadação da Cfem

Carlos Cruz

Desde 2019, após a tragédia de Brumadinho, quando rompeu a barragem B1, na mina Córrego do Feijão, matando 272 pessoas, sendo duas ainda em gestação, e depois que a justiça local proibiu a Vale, em 30 de setembro do mesmo ano, de dispor rejeitos das usinas Conceição na barragem Itabiruçu, a produção de minério de ferro no Complexo Minerador de Itabira despencou.

Com capacidade produtiva somada das três usinas (Conceição I e II, e Cauê) de 50 milhões de toneladas anuais (Mta) de pellet-feed, produto obtido a partir do itabirito compacto moído e concentrado, a produção da Vale em Itabira caiu de 41,7 Mta em 2018 para 35,9 Mta em 2019. A queda maior ocorreu em 2020, quando Itabira produziu apenas 23,9 Mta.

Já a partir da solução encontrada de dispor rejeitos em cavas exauridas das Minas do Meio, sobre o aquífero Cauê, cuja água de classe especial foi prometida como grande legado da mineração para Itabira, o que pode ser mais uma perda incomparável para o município, em 2021, Itabira produziu 28,7 Mta, tendo, entretanto, registrado outra queda em 2022, ficando com 27,3 Mta.

Porém, com “a mudança do modelo de produção de rejeito hidráulico para rejeito filtrado, por meio das usinas de filtragem”, e mais o empilhamento a seco, a produção local parece retornar o viés de alta, mas ainda distante de sua capacidade produtiva, cujo patamar neste século só chegou próximo em 2006, quanto Itabira produziu 47 Mta, entre sinter-feed e pellet-feed.

Embora tenha sido solicitado pela reportagem, a Vale não informou o volume da produção de Itabira no ano passado. Prefere aguardar o mês de abril para informar ao mercado internacional, via relatório Form-20, como faz desde 2002, encaminhado à Securities and Exchange Comission, da Bolsa de Nova Iorque.

Entende-se, pois “é a economia, estúpido”, que prevalece sobre todas os outros interesses, inclusive da sociedade itabirana. Mas não se justifica.

Afinal, a mineradora deve explicações a Itabira, como meio de acabar com a tensão e apreensão quanto à exaustão das minas locais, horizonte que muda ano a ano, deixando assim de dar início à implementação do Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), o que deveria ter iniciado desde a exaustão da mina Cauê, em 2004.

André Viana diz que queda de produção foi decorrente das restrições para disposição de rejeito de minério, mas geração de emprego permanece estável em Itabira (Foto: Ascom/Metabase)

Produção em baixa não afeta empregos

Segundo adianta André Viana, presidente do sindicato Metabase de Itabira e Região, e conselheiro da Vale como representante dos trabalhadores de todo o país, a produção de minério da Vale no complexo local, em 2023, ficou acima de 39 Mta.

Ou seja, teve um crescimento de 1,7 Mta em relação ao ano anterior, já refletindo as mudanças no modo de produção de pellet-feed e disposição de rejeitos e material estéril.

O sindicalista, porém, relativiza a queda de produção em Itabira, por não ter resultado em demissões em massa.

“Não tivemos decréscimo da mão de obra na ativa. Pelo contrário, com o as obras de descaracterização de barragens, tivemos aumento significativo na contratação de mão-de-obra terceirizada, mantendo-se estável o quadro de empregados diretos da Vale em Itabira”, assegura.

Ou seja, segundo André Viana, mesmo com a queda da produção local, foi pequena a taxa de “turnover”, que mede a rotatividade de empregados em uma empresa.

Essa taxa é obtida pela relação entre o número de empregados que saem de uma organização e a entrada de novos contratados durante um período de tempo específico, geralmente de um ano.

No caso de Itabira, assegura o sindicalista, essa taxa está positiva. Foi o que se observou também no ano passado.

Confira:

Produção de minério de ferro em Itabira tem quedas sucessivas, mas geração de empregos permanece em alta

Itabira perde posições no ranking da Cfem 

Se a queda de produçao em Itabira não interfere no nível de emprego, o mesmo não se pode dizer em relação à arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).

Essa compensação, também conhecida como royalties do minério, é calculada pela alíquota de 3,5% sobre o faturamento líquido das mineradoras no momento da venda, com deduções de impostos, despesas com transporte e seguro.

De um total de R$ 4,2 bilhões arrecadados nacionalmente com a Cfem incidente sobre o minério de ferro, Itabira ficou em quinto lugar, tendo arrecadado R$ 255,6 milhões com a compensação financeira. Em primeiro lugar ficou Parauapebas (PA), com R$ 959,8 milhões, seguido do município de Cannã dos Carajás (PA), com R$ 866 milhões.

Conceição do Mato Dentro ficou com a terceira colocação no ranking nacional, com faturamento de R$ 341,5 milhões. O município de Itabirito figurou na quarta posição, com R$ 260,6 milhões. Congonhas ficou em quinto lugar, com R$ 241,8 milhões, seguido de São Gonçalo do Rio Abaixo, que arrecadou R$ 224,7 milhões com a Cfem no ano passado.

Esse faturamento maior de Conceição do Mato Dentro em relação a Itabira chama a atenção pelo fato de a produção máxima prevista naquele complexo minerador está limitada pela capacidade de transporte pelo mineroduto, que é de 26 Mta, pelo sistema Minas-Rio.

Uma explicação pode ser pelo fato de parte da produção de Itabira, no ano passado, ter sido advinda do reaproveitamento de rejeitos extraídos de diques descaracterizados, nas barragens do Rio de Peise e Pontal.

É que, nesse caso, a lei permite o recolhimento da compensação financeira pela metade, como forma de incentivar o reaproveitamento desse material.

Entretanto, esse reaproveitamento em Itabira não é confirmado pela Vale, conforme reportagem anterior publicada por este portal de notícias.

Leia aqui:

Moradora vizinha do Pontal diz que Vale já explora rejeitos em Itabira, mas mineradora nega. Matéria aguarda portaria da ANM 

Descaracterização de dique no Minervino, na barragem do Pontal: Vale nega que tenha reaproveitado rejeito (Foto: Carlos Cruz)

Situações diferentes

André Viana tem outra explicação por Conceição do Mato Dentro ter superado Itabira na arrecadação da Cfem. Segundo ele, a produção de minério de ferro pela Anglo American, nesse município, encontra-se em expansão, já implementando outras fases produtivas.

Isso enquanto Itabira ainda sofre com as restrições para a disposição de rejeitos das usinas e material estéril das minas, que vêm empobrecendo ano a ano, hoje com predominância de sílica (areia).

“Com a solução do impasse com o empilhamento a seco, a tendência é de a produção em Itabira voltar a crescer, refletindo positivamente na arrecadação da Cfem”, acredita o sindicalista, cuja base sindical abrange também o município de Conceição do Mato Dentro.

Limites constitucionais

Por seu lado, a mineradora Vale diz efetuar regularmente o recolhimento da Cfem, observando as normas aplicáveis quanto aos limites constitucionais existentes.

“Nos últimos 10 anos, (a Vale) recolheu R$ 26,82 bilhões em Cfem, distribuídos aos municípios pela ANM. O recolhimento de suas obrigações é parte fundamental da relação com a sociedade e divulgada de forma transparente em seu TTR – Relatório de Transparência Fiscal”, foi a resposta que a mineradora apresentou ao questionamento deste site, por meio de sua assessoria de imprensa.

Diz ainda que em Itabira tem investido em novas tecnologias, buscando uma mineração ainda mais segura, sustentável e fundamental para a continuidade operacional no município, acenando ou confirmando o viés de alta para a produção local. Há quem considere isso é até ruim, pois um aumento de produção estreita o horizonte de exaustão das minas locais, para quando ainda ninguém sabe quando será, talvez nem a própria Vale.

“Um desses processos, implantado após a paralisação de algumas de suas estruturas, é a mudança do modelo de produção de rejeito hidráulico para rejeito filtrado, por meio das usinas de filtragem”, confirma a mineradora.

“A Vale continua empenhada em gerar valor compartilhado e sustentável para todos os municípios onde atua, bem como contribuir para o crescimento das economias locais, nacionais e global, por meio de suas operações, investimentos, tributos e royalties”, encerra a nota encaminhada à redação da Vila de Utopia.

Sucateamento da ANM

Marco Antônio vê como consequência do sucateamento da ANM a falta de fiscalização do setor mineral no país, sobretudo quanto a arrecadação da compensação pela exploração mineral (Foto: Carlos Cruz)

A questão que envolve a arrecadação da Cfem é polêmica desde que foi regulamentada em 1991, dois anos depois de ser recepcionada pela Constituição Federal de 1988 – e envolve recorrentes denúncias de sonegação e ou mesmo de divergências na forma em que se dá a contabilidade para o seu recolhimento e repasse aos entes federativos que têm direito à essa compensação financeira.

Levantamentos da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), citados em nota técnica da ANM, para cada R$ 1 arrecadado com a Cfem, outro tanto é sonegado. Com isso, o rombo causado pela sonegação é de cerca de R$ 35 bilhões nos últimos cinco anos, informa reportagem do site Observatório da Mineração.

Para o prefeito de Itabira e diretor da Associação dos Municípios Minerados de Minas Gerais (Amig), Marco Antônio Lage (PSB), essa situação é muito grave – e está a exigir uma profunda reformulação da ANM, com a ampliação urgente de seu quadro de funcionários, sobretudo de fiscais financeiros, como também da vigilância sobre as condições gerais de funcionamento das mineradoras, já que é a agência nacional reguladora do setor mineral no país.

Sem isso, persistem dúvidas subsequentes sobre os montantes pagos mensalmente pelas mineradoras como compensação pela exploração mineral. ““Esse cálculo do que vai ser pago é feito por autodeclaração”, diz o prefeito. Marco Antônio critica o sucateamento da ANM, que dispõe de apenas quatro agentes e um chefe de fiscalização para atuar em todo o território nacional, segundo a Febrafite.

Sem fiscalização, perdas são incomparáveis

Agentes da ANM fizeram greve no ano passado por melhores salários e condições de trabalho, como também pelo repasse de 7% da arrecadação da Cfem à agência reguladora da mineração (Foto: Sinagências)

Ou seja, não há fiscalização. “Itabira até firmou convênios com o órgão (ANM), se colocou à disposição para auxiliar nessa atividade, teve auditores treinados, mas a atuação do município é muito específica e restrita, apenas para algumas resoluções técnicas”, lamenta o prefeito.

Marco Antônio Lage está na linha de frente entre os chefes-executivos dos municípios minerados que cobram o repasse integral pela União dos 7% de toda a arrecadação nacional com a Cfem, conforme está na lei que regulamentou a compensaçãop financeira pela exaustão mineral em sua versão atualizada.

“Esse repasse, tal qual está na lei, nunca foi cumprido. E isso, logicamente, tem acarretado uma deficiência na atuação da agência perante à atividade da mineração, que, ao contrário, somente cresceu. Os questionamentos a valores discrepantes (do repasse da Cfem) partem de Itabira e de outras cidades”, diz o prefeito de Itabira e diretor da Amig.

Judicialização sem fim

Essa discussão, inclusive, há tempo já chegou à justiça e muitos processos de cobrança podem prescrever por falta de uma decisão judicial. “Atualmente, existem mais de 12 mil processos de cobrança de Cfem, com um potencial de prescrição que atinge os R$ 20 bilhões”, contabiliza o superintendente de Arrecadação e Fiscalização de Receitas da ANM, Daniel Pollack, em entrevista à revista eletrônica Observatório da Mineração.

“Possuímos hoje aproximadamente R$ 1 trilhão de base de cálculo não fiscalizado nos últimos 10 anos, que é o prazo decadencial”, afirma Pollack na mesma reportagem. Segundo ele, em 2022, somente 13 mil processos minerários existentes no Brasil recolheram Cfem, dos 35 mil existentes.

“No mesmo ano, apenas 17 mineradoras foram fiscalizadas”, ele lamenta pelo sucateamento da ANM, o que tem causado enormes prejuízos ao país e, sobretudo, aos municípios minerados à beira da exaustão sem que se tenham alternativas viáveis para o seu desenvolvimento sustentável.

É o caso de Itabira, cujo horizonte de exaustão mineral agora está previsto para 2041, devendo ser ampliado mais uma vez, ou mantido o atual prognóstico pelo relatório Form-20 deste ano, a ser divulgado pela Vale em abril.

Essa ausência de fiscalização acaba por colocar em suspeição a própria autodeclração das mineradoras, como levanta dúvidas sobre o total devidos aos municípios minerados.

Sem recursos repassados pela União, na forma da lei, a “ANM hoje é incapaz de cumprir as suas funções de fiscalizacao”, cobra o prefeito de Itabira e diretor da Amig.

“Enquanto não tivermos uma agência forte, robusta, correspondente à importância da mineração para o Brasil, vamos conviver com essas desconfianças e com a imprevisibilidade da arrecadação. Isso é péssimo para atividade. É péssimo para a União, é péssimo para os Estados e é terrível para os municípios.”

 

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