Princípio fundamental, a Justiça Social é desrespeitada em quase todo o mundo

Rafael Jasovich*

Pouca gente sabe, mas o esforço por justiça social em todo o mundo tem o seu dia, definido por uma Assembleia Geral das Nações Unidas em 26 de novembro de 2007. Desde então, 20 de fevereiro é declarado pela ONU como o Dia Mundial da Justiça Social. A data não tem sido lembrada como deveria, assim como a própria justiça social tem sido relegada em quase todo o mundo.

A iniciativa da ONU coincide com a promoção dos esforços por parte desse organismo mundial para enfrentar problemas tais como a pobreza, a exclusão e o desemprego.

A justiça social é um princípio fundamental para a convivência pacífica e próspera entre e nas nações. Defendemos os princípios de justiça social quando promovemos a igualdade de gênero ou os direitos dos povos indígenas e dos migrantes. Promovemos a justiça social quando eliminamos as barreiras enfrentadas pelas pessoas por motivos de gênero, idade, raça, etnia, religião, cultura ou por portar alguma deficiência.

Justiça social corresponde a que, membros da sociedade deem a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade fundamentalmente proporcional. É equivocado pensar que se trata de universalizar as oportunidades. Corresponde a procurar dar oportunidades iguais a todos, observadas suas singularidades.

Podem-se abordar dois diferentes conceitos para a igualdade: igualdade material e formal. A igualdade formal corresponde à uniformidade de todos os cidadãos perante a lei. Presente no art. 5º da Constituição Federal de 1988, o seguinte artigo diz: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, […]”. Essa é a garantia de tratamento e submissão igualitária e universalizada que os cidadãos brasileiros têm diante das leis do ordenamento jurídico.

Na igualdade material é possível abordar duas vertentes: igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva, e ainda, uma segunda vertente da mesma, correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de identidade. A igualdade material, correspondente à justiça social e distributiva, equivale à equidade orientada pelo critério socioeconômico.

Neste caso, a forma de realizar uma justiça de igualdade seria a redistribuição de renda que pareasse as pessoas em um mesmo nível de alcance de oportunidades. Um exemplo aplicável a essa situação são as bolsas-auxílio, como o Bolsa Família, Prouni (Programa Universidade para Todos), Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) etc. Esses programas sociais visam o auxílio de pessoas desprivilegiadas economicamente, que por essas condições não têm as mesmas oportunidades daqueles que obtiveram garantias sem dificuldades.

Uma segunda vertente da igualdade material é respectiva ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de identidades, orientadas pelo critério de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e outros. Essas diferentes identidades sofrem constantemente preconceitos e discriminação por motivos históricos culturais.

Um modo de alcançar proporcionalidade entre as diferentes identidades, a fim de encontrar reconhecimento e respeito, seria através de campanhas e políticas públicas educacionais e culturais, além de legislações, que ofereçam uma proteção às diferentes identidades, para que as mesmas sejam reconhecidas e respeitadas.

Alguns exemplos básicos de legislações de proteção às desigualdades são: em relação ao gênero, Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) e do Feminicídio (Lei n. 13.104/15), que protegem as mulheres; as cotas em universidades, que garantem a diversidade do acesso ao ambiente acadêmico, composto por diferentes etnias e culturas; e mecanismos de proteção em relação à idade como o Estatuto do Idoso e da Criança e Adolescente.

Frisa-se, em relação ao reconhecimento de identidades, a fundamental importância de uma educação cultural e humanística. As legislações, sozinhas, não são suficientes, para que as mesmas alcancem efetividade. E, para que haja o reconhecimento dessas diversas identidades, é necessário mais do que a imposição da lei. É preciso conhecer e ser ensinado a respeitar, é carecido uma transformação cultural.

Alguns argumentam que a igualdade material não é forma de justiça social. Para alguns a igualdade material, por critérios socioeconômicos, são “esmolas” do Estado. E a igualdade material, orientada por identidades, são nada mais do que tratamento diferenciados a essas pessoas, é trata-las de maneira especial.

Entende-se que essas premissas são equivocadas. As políticas de redistribuição não são esmolas, muito ao contrário, elas são maneiras que o Estado assegura aos seus cidadãos de ter acesso à socialização, uma vez que por dificuldades econômicas essas pessoas não teriam lugar em todos os espaços.

Quanto às políticas de reconhecimento de identidade, entende-se que não se trata de aplicar tratamentos diferenciados, e sim de tentativas de parear as diferentes identidades, como a mulher, o homossexual, o negro, o índio e outros, que por motivos históricos e culturais são diminuídas, discriminadas, impedidas de desenvolverem-se pelo simples fato de serem diferentes.

Pela igualdade formal há a garantia do tratamento igualitário de todos, no que concerne à obediência da lei e acesso à justiça. Na igualdade material existe uma garantia de isonomia de todos os setores, especialmente as minorias. Essa é a garantia da construção de uma sociedade justa, solidária, pluralista e sem preconceito (art. 3ºda CF/88).

É a garantia de assegurar a dignidade humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III da CF/88).

 

*Rafael Jasovich é jornalista, advogado, secretário e fundador da Associação Gremial de Advogados da Capital Federal, membro da Anistia Internacional

 

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