Rafael Jasovich
Em sua última entrevista como alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet criticou os ataques do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ao Judiciário e às urnas eletrônicas. E destacou que um chefe de Estado deve respeitar os outros poderes.
“O que me parece mais preocupante é que o presidente peça a seus simpatizantes que protestem contra as instituições judiciais”, respondeu Bachelet ao ser questionada sobre a situação no Brasil.
“Podemos não concordar com decisões tomadas pelos outros poderes e afirmar isso se for necessário, mas é preciso respeitá-los. Não podemos fazer coisas que possam aumentar a violência ou o ódio contra as instituições democráticas, que devem ser respeitadas e reforçadas. Não devemos tentar miná-las com discursos políticos”, enfatizou a alta comissária da ONU.
O presidente, candidato à reeleição, questionou diversas vezes a confiabilidade das urnas eletrônicas utilizadas no país desde 1996, mencionando “fraudes”, mas sem apresentar provas. Os ataques provocam o temor de que Bolsonaro não reconhecerá o resultado da eleição presidencial de outubro em caso de derrota, como fez Trump nos Estados Unidos.
Defensor da ditadura militar, Bolsonaro chegou a atacar Bachelet diretamente, em um post no Facebook em 2019, no qual criticou o pai da ex-presidente chilena, o general de brigada da Força Aérea Alberto Bachelet Martínez, que se opôs ao golpe de 1973 que derrubou o presidente socialista Salvador Allende, depois preso e torturado pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990).
Bachelet, de 70 anos, anunciou em junho que não concorreria a um novo mandato de quatro anos como alta comissária de Direitos Humanos. Ela afirmou que, após uma longa carreira na política e organizações internacionais, quer voltar ao Chile e ficar com sua família.
Seu mandato termina em 31 de agosto e sucessor, que deverá assumir m setembro, ainda não foi anunciado.
Na entrevista, Bachelet ainda instou o presidente russo, Vladimir Putin, a encerrar “o ataque armado contra a Ucrânia” e pediu a desmilitarização da usina nuclear de Zaporíjia, em cujas proximidades ocorrem bombardeios pelos quais Ucrânia e Rússia responsabilizam o outro lado. A usina, a maior da Europa, está sob controle russo desde março.
Segundo ela, o seu escritório contabilizou pelo menos 5.587 mortes de civis e 7.890 feridos desde o início da invasão.
A alta comissária também admitiu que não sabe se o seu aguardado relatório sobre a região de Xinjiang, onde a China é acusada de repressão contra uigures e outras minorias, será publicado antes da conclusão de seu mandato, em 31 de agosto, como havia prometido.
A China alega uma ofensiva antiterrorista contra separatistas e islamitas da etnia uigur que promoveram ataques contra civis na década passada.
“Eu tinha toda a intenção de publicá-lo antes do fim de meu mandato e recebemos contribuições substanciais do governo que devemos examinar cuidadosamente. Estamos trabalhando intensamente para fazer o que prometi”, acrescentou a respeito de sua viagem a Xinjiang, que foi criticada por alguns grupos de defesa dos direitos humanos.
“Estive sob pressão? Sempre estivemos sob pressão de vários lados, em todos as partes e em todas as situações, eu diria”, admitiu.