Ponta do iceberg: Operação Rejeito expõe corrupção na mineração e pode revelar esquema ainda maior
Polícia Federal faz operação contra esquema de pagamento de propina no setor de mineração
Foto: Divulgação/ Polícia Federal
Presidente do IDM Brasil alerta para o colapso institucional da ANM e o avanço da especulação mineral; Amig-Brasil pede urgência na reestruturação da agência reguladora da mineração
O que já foi apurado com a Operação Rejeito pode ser ainda apenas a ponta do iceberg, conforme salienta o presidente do Instituto do Desenvolvimento da Mineração (IDM Brasil), Wagner Pinheiro, em artigo assinado e publicado no portal da entidade.
É que, até aqui, revelaram-se irregularidades envolvendo pequenas mineradoras, mas há indícios de que o esquema pode alcançar grandes grupos do setor.
A investigação, conduzida pela Polícia Federal, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério Público Federal (MPF) e da Receita Federal, foi deflagrada em 17 de setembro – e já desmantelou uma rede de corrupção que operava dentro da Agência Nacional de Mineração (ANM) e de órgãos ambientais de Minas Gerais.
Segundo Wagner Pinheiro, o colapso institucional da ANM e a ausência de políticas públicas transformaram o Brasil em terreno fértil para a especulação mineral. O IDM representa oficialmente a Frente Parlamentar Mista da Mineração na Câmara dos Deputados.
No artigo publicado no portal da entidade, Pinheiro traça uma linha do tempo que expõe como a Agência Nacional de Mineração (ANM), criada em 26 de dezembro de 2017 em substituição ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), foi instituída sem estrutura técnica, com indicações políticas e sem capacidade de regulação econômica.
De acordo com ele, a ANM nasceu fragilizada, sem os instrumentos necessários para exercer com autonomia e competência a função de agência reguladora, o que abriu espaço para a captura institucional e a especulação mineral desenfreada.
Ele denuncia que, desde 2017, a agência tem promovido leilões de áreas minerárias sem critérios ambientais, sociais ou econômicos, favorecendo empresas recém-criadas e sem histórico no setor. “O minerador brasileiro dorme com uma legislação e acorda com outra, sempre mais danosa”, afirma.
Para Pinheiro, a ANM não apenas falha em sua missão regulatória, como contribui para a desorganização do setor. “A agência tem sido a principal responsável por praticamente destruir o setor mineral brasileiro e criar um sistema especulativo que levará anos para voltarmos a ter credibilidade”, escreveu ele, ao defender uma intervenção imediata no órgão.
Prisões
A Operação Rejeito já resultou em 22 prisões preventivas, 79 mandados de busca e apreensão, bloqueio de R$ 1,5 bilhão em ativos e suspensão das atividades de dezenas de empresas.
O esquema envolve concessão de licenças fraudulentas para mineração em áreas sensíveis, sob o ponto de vista ambiental, patrimonial e territorial, como a Serra do Curral, em Belo Horizonte. E operava com apoio direto de servidores públicos de alto escalão.
Entre os presos estão Caio Mário Trivellato Seabra Filho, diretor da ANM, e Leandro César Ferreira de Carvalho, ex-gerente regional da agência. Também foram afastados Rodrigo Gonçalves Franco (Feam), Breno Esteves Lasmar (IEF) e Fernando Benício de Oliveira Paula (Copam), todos acusados de manipular pareceres técnicos e facilitar o avanço da mineração predatória.
As empresas investigadas incluem Fleurs Global, Gute Sicht, Irontech, Prisma Mineração, MMF, AIGA Mineração e ALCA Mais Mineração. Segundo as investigações, a AIGA Mineração S.A., ligada ao grupo criminoso, teria se apropriado indevidamente de uma pilha de rejeitos da Vale, avaliada em mais de R$ 200 milhões, localizada na Mina Capanema, sem autorização formal.
A operação envolveu decisões da ANM que contrariaram pareceres técnicos e permitiram essa apropriação por meio de licenças obtidas com documentos falsificados. Nesse caso, a Vale aparece na investigação como vítima de uma apropriação indevida, articulada por empresas ligadas à organização criminosa, com o apoio de servidores públicos da ANM.
A ANM no centro do escândalo
É assim que o papel da ANM é central no escândalo. A denúncia feita em 2024 pelo então diretor-geral Mauro Henrique contra o próprio Caio Mário Trivellato Seabra Filho, e vice-versa, já indicava um ambiente de guerra interna e descontrole institucional.
Em julho de 2025, o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu dois leilões da ANM após detectar irregularidades graves, como a proposta da empresa 3D Minerals, que reduziu seu lance de R$ 37,5 milhões para R$ 3,7 milhões alegando “erro de digitação”. A plataforma utilizada pela agência sequer é certificada ou auditável.
Outro caso emblemático é o da BAMIN (Bahia Mineração), que venceu o leilão para executar a ferrovia FIOL 1, mas suspendeu as obras em março de 2025 por falta de financiamento e desempenho abaixo do esperado.
O então presidente da CPRM, que deixou o cargo para assumir a BAMIN, é apontado como peça-chave nesse arranjo.
Sem fiscalização
Embora a investigação tenha se concentrado inicialmente em empresas de médio porte e estruturas paralelas, os indícios de envolvimento de grandes mineradoras começam a emergir com força.
A ausência de fiscalização efetiva e a continuidade das atividades em áreas com licenças expiradas levantam dúvidas sobre a conivência institucional e o alcance da rede de proteção à mineração.
É o caso do Distrito Ferrífero de Itabira, explorado pela mineradora Vale desde 1942, cujo cujo licenciamento ambiental permanece vencido há quase dez anos. O processo está paralisado no órgão ambiental licenciador estadual desde 2016, sem qualquer justificativa técnica plausível, enquanto a empresa segue operando normalmente, com todos os impactos ambientais decorrentes – e sem fiscalização.
Paralelamente, outra linha de investigação precisa ser aprofundada. Trata-se da possível sonegação no pagamento de royalties com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), que deveriam ser repassados aos municípios minerados.
Há suspeitas de que grandes empresas estejam subdeclarando volumes extraídos ou manipulando dados de comercialização para reduzir artificialmente os valores devidos.
Também nesse caso, A ANM, responsável por fiscalizar e auditar esses repasses, é apontada por especialistas e gestores públicos como negligente e, em alguns casos, cúmplice por omissão.
A fragilidade da ANM em garantir transparência e controle sobre os fluxos financeiros da mineração reforça o alerta feito pelo presidente do IDM Brasil, que denuncia a agência como epicentro de um sistema especulativo e desregulado.
Para Wagner Pinheiro, a ANM “mais atrapalha do que ajuda” e tem contribuído para a erosão da credibilidade do setor mineral brasileiro.
A ausência de auditoria eficaz sobre os royalties, somada à liberação de licenças fraudulentas, desenha um cenário em que o interesse público vem sendo sistematicamente atropelado por interesses privados.
Reação dos municípios minerados

O presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig-Brasil), Marco Antônio Lage (PSB), prefeito de Itabira, classificou o momento como “mais um dia triste da mineração no Brasil”.
Em manifestação nas redes sociais, Lage afirmou que as prisões de diretores da ANM, empresários, políticos e dirigentes de ONGs são resultado direto da omissão da agência reguladora. “A ANM não fiscaliza, não regulamenta, deixa o setor mineral solto”, disse.
Segundo ele, a Amig vem alertando há anos sobre a necessidade de reestruturação da ANM, tanto para melhorar a relação das mineradoras com os territórios onde atuam quanto para coibir a mineração clandestina.
“O que a gente vê agora é exatamente o resultado de sua inércia na organização, na estruturação da ANM: corrupção e crime no Brasil”, afirmou.
Lage também destacou que é impossível pensar em evolução do setor mineral sem uma agência forte, estruturada e capaz de garantir segurança jurídica e ambiental.
“A Amig vai continuar insistindo: é preciso fiscalizar, regulamentar e mudar o Código Minerário Brasileiro para evitar que cenas como as de hoje se repitam”, concluiu.
O que ainda está por vir
Segundo a Polícia Federal, os projetos em andamento ligados à organização criminosa somam mais de R$ 18 bilhões em potencial econômico. Revelam, assim, parte de um esquema sofisticado de conluio entre agentes públicos e interesses privados.
O grupo operava como uma verdadeira holding, estruturada com mais de 60 empresas de fachada, usadas para lavar dinheiro, blindar patrimônio, pagar propinas e simular legalidade em processos de licenciamento ambiental.
As investigações apontam que a organização criminosa monitorava autoridades, interferia diretamente em investigações e destruía provas após vazamentos internos.
Conversas interceptadas pela PF mostram que os investigados foram avisados previamente sobre mandados de busca e apreensão, frustrando diligências e permitindo a ocultação de documentos comprometedores.
Além disso, o grupo atuava para dividir artificialmente grandes empreendimentos minerários em processos menores, com o objetivo de acelerar aprovações e escapar de exigências legais.
Um desses casos é o chamado projeto Rancho do Boi, que previa a extração de 550 mil toneladas de minério em área de alto valor ambiental e foi fragmentado em dois processos para simular legalidade.
A PF também identificou tentativas de cooptação de membros da diretoria da ANM, como no caso da AIGA Mineração, que estruturou dezenas de empresas para ocultar vínculos com os líderes do esquema.
Os principais nomes apontados como chefes da organização são Alan Cavalcante do Nascimento, Hélder Adriano de Freitas e João Alberto Paixão Lages, que tomavam decisões estratégicas e mantinham contato direto com servidores públicos envolvidos.
O que se vê agora, como alerta o presidente do IDM Brasil, é apenas a ponta do iceberg. “A macrocorrupção é a somatória de repetidas microcorrupções”, escreveu Wagner Pinheiro, ao defender uma intervenção imediata na ANM e uma reforma profunda no modelo regulatório da mineração no Brasil.
Com bilhões em jogo, estruturas corrompidas e impactos ambientais irreversíveis, o país se vê diante de um desafio urgente: reconstruir a credibilidade de um setor que deveria ser estratégico, mas que hoje é sinônimo de escândalo e retrocesso.
Muito bem Prefeito. Resistir todos os dias.