Hoje é o Dia D, aniversário de Carlos Drummond de Andrade, poeta, cronista e contista itabirano
Casa de Drummond, em Itabira, MG
Fotos: Acervo Mauro Moura
Neste dia tão importante para a literatura brasileira, a Vila de Utopia publica uma crônica familiar de Carlos Drummond de Andrade, Carlito aos de casa e amigos, a respeito de seus bisavós paternos, sendo ele o Comendador Francisco de Paula Andrade e a industriosa Joanna Rosa Lage de Andrade.
Francisco de Paula foi o introdutor da cultura do café na região de Itabira, considerando que lá pelos idos de 1840 esse município tinha uma vastidão que parecia infinda e com boa produção de alimentos em suas fazendas.
As mais conhecidas eram a de Duas Barras na localidade de Braúnas, hoje município de Ferros, e a do Ribeirão, que fica na encosta Nordeste do Pico do Cauê e dividindo com a antiga fazenda da Pedreira de sua sobrinha Maria Casemira, a Nicota, a industrial dos tecidos.
Já a citada Fazenda Rio de Peixe era dos pais do Major Lage e sua antiga sede ainda está ali bem às margens desse curso d’água hoje tão castigado pela mineração, em paralelo com a estrada de Capoeirana do lado esquerdo de quem desce para a antiga São José da Lagoa, hoje Nova Era.
Nesta lida de produtor rural e em suas muitas idas e vindas pela região, então, como nos apresenta Carlito, em uma viagem um pouco mais demorada do Francisco de Paula, aproveitando disso, sua prestimosa Joanna Rosa deu seu ar de brilhantismo ao transformar uma simples casa herdada de sua mãe Maria Antônia Cândida Teles de Meneses, tendo sido cedida por seu pai o Major Lage, edificando ali o belo sobradão que hoje tratamos por “Casa de Drummond”.
Sabemos que esse sobrado é contíguo ao que está ali ao lado direito de quem olha, pois quem vê o entremeado entre os dois, logo percebe que um surgiu do outro, ficando assim, a filha Joanna Rosa bem ao lado do seu pai Major Lage.
Carlito, bom genealogista que era, tomou lições dessa matéria com seu tio avô paterno, Dr Olintho Horácio de Paula Andrade, pai da nossa querida Lili – Amarilys; e foi ele a pessoa que cuidou de manter a genealogia da família bem delineada, tendo sido as suas anotações servido de base à coleção do Padre Pedro Maciel Vidigal e do livro de sua sobrinha bisneta Ormi Andrade.
Ocorre que, por algum lapso de considerações e contas da genealogia, Dr Olintho, seguido por seu sobrinho Carlito, confundiu as relações familiares e colocou seu pai Francisco de Paula como tio de sua mãe Joanna Rosa, sendo o correto é que os mesmos eram primos em terceiro-grau tanto pelo lado dos pais quanto pelo lado das mães.
“Ficou guardado na família essa lembrança do ‘casal fortudo’:
Apeando do cavalo, ao fim de comprida viagem e vendo pela primeira vez a ampla construção de dois andares, o velho Francisco não se conteve e berrou para as sacadas:
– Senhora, qual é a porta de entrada?
E Dona Joana deve ter sofrido satisfeita, era da mesma fibra que ele.” (Mauro Andrade)
Um velho casal
Carlos Drummond de Andrade
Pediram-me dados sobre a descendência de Joaquim da Costa Lage, sargento-mor dos índios, caçador de bichos brabos e de ouro, considerado o primeiro homem de sua época nas brenhas mineiras do Mato Dentro. Com isso, passei algumas horas às voltas com aquele pessoal do tempo do onça.
Em matéria de genealogia, desculpem o cronista, ele não faz por menos passando por esse valoroso sargento-mor, vai até Amador Bueno, o Aclamado, não o Biônico, e, por via dele, ao cacique Piquerobi.
Nenhum nacionalista de hoje lhe leva as palmas quanto a origem brasileira, (sobre os descendentes mineiros de Bueno, veja-se o precioso livro do ex-deputado Pedro Maciel Vidigal.
Juntei as informações pedidas, mas fiquei a pensar menos no Major Lage, assim o chamavam do que em sua filha Joana e em seu genro Francisco de Paula Andrade, esses dois servirão de assunto para um vago bisneto.
A história social de Minas Gerais está cheia de homens fortes, mas aquele foi um casal fortudo, o que é mais raro, e não sei se o velho ganharia da esposa. Francisco morreu em 1870, deixando viúva D. Joana, que era também sua sobrinha, e treze filhos, dos quais oito varões.
Essa gente manteve as tradições rurais da família, afetadas embora pela Abolição, e procurou abrir caminho através de profissões liberais, sem deixar de lado o lastro de cultura latina.
Antigos fazendeiros e mineradores formaram, uma e outra vez, médicos, bacharéis e professores, entre os quais, pelo deslizamento natural das coisas, saíram por último – não nos leve a mal, ó Dona Joana – literatos e funcionários públicos.
Era poderoso senhor rural, o Paula Andrade, comendador e neto do português João Gaspar, esse último, genro do casal mais antigo de que há noticia em Itabira. Seu tronco é, pois, o dos primeiros povoadores do lugar, que ali arrancharam para ficar em princípios do século 18.
Seu tio-avô João Francisco, em 1781 descobriria ouro. O barão de Eschwege informa que somente uma parte de suas lavras, em 1814, tinha uma produção de 3260 oitavas.
O sistema de casamento entre primos e mesmo entre tios e sobrinhas, mantinha estável o patrimônio comum, assegurando a influencia a ela, que se faria sentir sobre a vida econômica e social da região.
Guanhães, Ferros, Santa Barbara que os Lages, ligados ao grupo ajudaram a fundar, dizem da vocação que essa gente revelava para o amanho da terra e para os negócios urbanos.
Politica faziam pouco, e, se alguns a praticavam, seria antes porque a comunidade, afinal era extensão da família, ou a própria família. E não por apaziguamento no jogo partidário, pouco objetivo.
Senhores de muito ouro e café, Francisco e Dona Joana possuíam duas fazendas – a do Ribeirão e a das Duas Barras – além do solar em Itabira.
No Ribeirão, a casa-grande tinha quarenta cômodos para hospedes, que lá passavam semanas ou meses na boa-vida. A família bastava para encher esses quartos.
Notava-se certo luxo nas instalações, em contraste com a rusticidade dos interiores rurais daquela zona. Se não dispunha de capela independente, como a da famosa Fazenda da Jaguara, ou a menor, da também rica Fazenda do Rio de Peixe, podia mostrar bonito e bem ornado “quarto de oratório”, e era de estuque o forro da sala de visitas.
Reza a tradição que tanto essa casa da roça como a de “passar uns tempos” na cidade, para festas religiosas ou para negócios, eram serviço de Dona Joana, que nas ausências do marido em viagem de venda de gado ou tropa se distraia na distração de grandes empreendimentos.
Para isso não necessitava autorização do esposo. Ela mesma ia decidindo e fazendo, embora o Paula Andrade não fosse nenhum molenga. Assim Dona Joana transformou a casinha térrea junto da Matriz no sobradão que ainda lá está e onde lembranças meninas esvoaçam para o cronista.
Seu pouso na cidade ficou sendo lar, oficina e celeiro e quase tudo que ali se comia e consumia, no fim do século passado, era produzido intramuros.
Apeando do cavalo, ao fim de comprida viagem e vendo pela primeira vez a ampla construção de dois andares, o velho Francisco não se conteve e berrou para as sacadas:
– Senhora, qual é a porta de entrada?
E Dona Joana deve ter sofrido satisfeita, era da mesma fibra que ele.
[Jornal do Brasil (RJ), 20/9/1980. BN-Rio]
Viva Carlos Drummond de Andrade!
Patrimônio imaterial de Itabira e região, Vila de UTOPIA um oásis de história e conhecimento no deserto de dunas de minério de ferro.
E também Vivas para Sinval que tem o sentimento de Itabira!