Poema do Vento Noturno
Imagem: Xu Bing (1955-), da China
Carlos Drummond de Andrade
Ouço o vento cantando lá fora, no jardim… Estou só, no quarto fechado. Sinto frio. E sinto ainda que o luar está escorrendo lá fora, está escorrendo como um vinho maravilhoso, sobre a folhagem…
O vento murmura canções confusas e dolorosas. Agora, escuto o rumor de galhos que se vergam, e logo um infinito lamento chega até o quarto fechado. É o choro do vento… E sob o luar, o vento começa uma dança aérea, fina, indecisa e muito trêmula…
Pobres das rosas do meu jardim! Pobres das rosas que se desfolham, que nunca mais sentirão a caricia úmida do luar, as rosas que tuas mãos não virão colher, e que o vento vai desfolhando…
E não se cala a voz do vento. É uma voz noturna e longa, estranhíssima. Voz de muito longe, que parece haver demorado muitos anos a chegar, e tem uma sonoridade misteriosa…
Sinto-a que se confunde com o soluço das fontes bêbadas de luar… Vai quebrando o encantamento do jardim, onde fadas e espíritos leves ondularam há pouco…

Dir-se-ia que o vento murmura canções de desejo… Uma volúpia fina irritou a sonolência das rosas. Aqui dentro, também os meus sentidos acordam. Sinto frio. Estou só, no quarto fechado. Fazem-me companhia os teus retratos…
Só os teus retratos, para o meu desejo! Dir-se-ia que o vento murmura canções de saudade… Passa no vento a amargura das alegrias que bruscamente murcham, e das mãos que se sentiram geladas. Circula pelas alamedas uma ronda de espectros… Rumor de taças que se partiram, – mas, onde? Ruído de passos nas escadarias, – mas, quando?
(Tudo se foi, tudo morreu a morte breve das rosas! Que ficou em minhas mãos? Nem a sombra das tuas mãos! Que ficou em meus olhos? Nem a sombra dos teus olhos!)
Anda um gosto de cinza na minha boca… E o vento murmura canções de arrependimento… E o luar escorre, eu bem o sinto! Escorre como um vinho maravilhoso sobre a folhagem…
[Jornal Para Todos (RJ), 13/10/1923. Hemeroteca da BN-Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]