Plano de Fechamento de Mina de Itabira: O que a Vale pretende?
Foto: Carlos Cruz
Itabira deve ser vitrine mundial de fechamento de mina com justiça social, recuperação ambiental, reconversão econômica e processos de regeneração territorial
Por Denes Martins da Costa Lott*
A apresentação recente do Plano de Fechamento de Mina (PFM) das minas de Itabira pela Vale ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) revela uma ausência essencial: a de um compromisso real com o futuro da cidade.
A empresa, criada em 1942 como Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), fruto dos Acordos de Washington durante a Segunda Guerra Mundial, com financiamento do Eximbank dos Estados Unidos, foi parte de um esforço estratégico do Estado brasileiro para consolidar uma indústria de base que sustentasse a modernização e a inserção do país na economia global do pós-guerra.
Agora, essa mesma instituição parece desconsiderar a responsabilidade histórica que carrega. Neste momento em que a transição da atividade mineral é inevitável, é preciso lembrar o papel central da Vale na formação da infraestrutura e da indústria pesada brasileira.
Da extração bruta ao refino, da ferrovia ao porto, da engenharia de lavra à gestão ambiental, sua atuação moldou territórios e gerou inovações. Ao longo de décadas, promoveu crescimento econômico, mas também deixou passivos ambientais e sociais profundos, muitos deles ainda não resolvidos.
Itabira, cidade onde a companhia teve seu início operacional, é hoje chamada a ser palco de uma virada civilizatória. A cidade não pode receber da grande mineradora apenas um cronograma de desmobilização técnica.
O fechamento de suas minas exige, por força normativa e dever moral, projetos para uso futuro das áreas trabalhadas e reparo às estruturas socioterritoriais impactadas.
Além das exigências éticas notórias, a Resolução ANM nº 68/2021 e a Deliberação Normativa COPAM nº 220/2018, que regula o Plano Ambiental de Fechamento de Mina (PAFEM), em Minas Gerais, impõem com clareza a obrigação de planejar o uso futuro das áreas mineradas e de apresentar medidas que garantam a sustentabilidade pós-mineração.
A Vale, ao apresentar um plano incompleto, que trata apenas de desmobilizar suas estruturas operacionais — talvez para não gerar expectativas de continuidade ou legado — fere não apenas os princípios da sustentabilidade e da justiça social, mas também descumpre normas ambientais e minerárias que exigem planejamento e reabilitação adequada.
A omissão da Vale pode se tornar um marco negativo internacional para todo o setor mineral . Afinal, se até mesmo a empresa modelo de governança em nível mundial e vetor de desenvolvimento para o Brasil não consegue elaborar um plano de fechamento digno, quem conseguirá?
Itabira deveria ser vitrine mundial de fechamento de mina com justiça social, recuperação ambiental, reconversão econômica e processos de regeneração territorial.
A Vale, hoje uma das maiores mineradoras do planeta, precisa liderar esse processo como referência mundial em Fechamento de Mina — especialmente na cidade onde foi fundada, símbolo de sua própria origem e de sua trajetória. É essencial que o berço da Vale, cidade de memória e símbolo de esforço humano transformador, seja também cidade-modelo de reconstrução e futuro.
A população de Itabira, o Ministério Público, os órgãos ambientais e o poder público local devem exigir que a Vale complete o seu Plano de Fechamento de Mina (PFM), com propostas concretas para o uso futuro das áreas trabalhadas pela mineração bem como para a reativação da economia local com base em outros vetores como turismo, agricultura, educação ou tecnologia.
A ausência dessas previsões não é uma falha meramente formal: é uma afronta ao futuro da cidade. O encerramento da atividade mineral em Itabira, inevitável diante da exaustão das jazidas, precisa ser transformado em oportunidade de renascimento. Um plano que desmobiliza estruturas, mas não reconstrói outras no lugar, é apenas a menor parte de um dever que é, antes de tudo, histórico.
A atividade mineral e sua exaustão são inexoráveis. A decadência civilizatória, uma escolha. O tempo da Vale como protagonista econômica direta em Itabira se esgota. O que se espera agora é que ela cumpra, com grandeza e responsabilidade, o papel de agente de transição, e que seu legado não seja apenas mineral, mas também humano, social e urbano.
O encerramento das minas de Itabira precisa carregar um significado que vá além das marcas da retirada de minério de seu subsolo. O verdadeiro legado da Vale pode ser construído sobre responsabilidade, memória, justiça e reparação — não apenas com palavras, mas com ações concretas.
É esse o pacto que deve nortear a transição em curso. Itabira necessita tornar-se o exemplo vivo de que é possível encerrar uma mina sem comprometer a cidade que, com suor, poeira e história, sustentou a construção e a grandeza da própria Vale.
*Denes Martins da Costa Lott, advogado especializado em Direito Minerário e Ambiental, ex-secretário de Meio Ambiente de Itabira e ex-presidente do Codema, secretário da comissão de Direito Ambiental da OAB-Itabira, atuou na Vale e é autor do livro ‘O Fechamento de Mina e a Utilização da Contribuição Financeira por Exploração Mineral’ (Editora Del Rey).
Para saber mais, acesse o PFMI enviado ao Codema aqui.
E compare-o com o PRFIMI enviado em 2013 ao DNPM (atual ANM).
Senhor Denes, a derrota é incomparável. Depois de Tutu Caramujo a cidade perdeu a voz. Aliás, conclamo aquelas pessoas da história, da geografia, da filosofia, sobretudo da filosofia, a debruçar a mente sobre o alto sentido filosófico da frase: derrota incomparável e apresentar um ensaio sobre.
Caro Denes,
A Prefeitura Municipal de Itabira não deveria apresentar uma proposta para utilização desses imóveis da Vale?
Penso que isso deve ser custeado pela Vale, mas não determinado por ela.
Ela está saindo. Cabe à sociedade e ao Município buscarem subsídios técnicos, urbanísticos e propostas de especialistas e dos que querem bem a Itabira.
É um plano de reabilitação do Município, para muito além do fechamento de estruturas minerárias.
Abraço