PL da Devastação é um acinte à memória das vítimas de Brumadinho e Mariana; em Itabira, licença vencida e passivos ignorados agravam cenário

Foto: Antonio Cruz/
Agência Brasil

A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 pela Câmara dos Deputados, na madrugada de 17 de julho, provocou forte reação também da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum). Para a entidade, a medida representa um acinte à memória das 272 vítimas de Brumadinho (2019) e das 20 vidas perdidas em Mariana (2015).

O chamado PL da Devastação flexibiliza o licenciamento ambiental no país, permitindo que grandes empreendimentos, inclusive minerários, obtenham licenças por autodeclaração, sem estudos prévios ou fiscalização técnica. A Avabrum alerta que essa mudança ignora as lições deixadas pelas maiores tragédias socioambientais da história brasileira e fragiliza ainda mais a segurança de comunidades vulneráveis.

Em nota oficial, a associação denuncia que o projeto “abre as portas para novos desastres” e “fere profundamente a memória das vítimas”, ao favorecer mineradoras com licenciamento simplificado, acelerado e sem controle. A entidade também critica o sucateamento da Agência Nacional de Mineração (ANM) e o enfraquecimento de órgãos como o ICMBio e a Funai, que perdem poder de veto sobre empreendimentos em áreas sensíveis.

Complexo Minerador de Itabira tem licença ambiental vencida e passivos históricos sem reparação
Itabira nos anos 40, antes da chegada da Vale, com a Serra do Esmeril e sua vegetação intacta de Mata Atlântica e várias nascentes, destruídas sem quaisquer compensações ambientais (Foto: acervo IBGE)

Enquanto o Congresso Nacional aprova o desmonte do licenciamento ambiental, Itabira, berço da mineração da Vale desde 1942, segue com o licenciamento ambiental do seu complexo minerador vencido desde outubro de 2016.

O pedido de renovação foi protocolado em 2017, mas permanece sem conclusão pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-MG). A empresa opera amparada por legislação estadual que permite a prorrogação pelo prazo de dez anos, a vencer em 2026, enquanto acumula passivos ambientais e sociais que jamais foram reparados.

Entre os impactos ignorados estão o desmatamento da Serra do Esmeril, ocorrido na década de 1980, a poluição atmosférica por partículas de minério em suspensão, os tremores provocados por detonações e a remoção de moradores em áreas de risco – como nos bairros Bela Vista, Nova Vista e Jardim das Oliveiras, afetados pela barragem do Pontal.

Com o esgotamento gradual das reservas superficiais, a Vale já realiza estudos para explorar lavras subterrâneas, inclusive um raro corpo de hematita localizado abaixo dos itabiritos, que vem a ser uma ocorrência geológica incomum.

No entanto, a empresa não compartilha essas informações com a cidade, que vive sob o receio de se transformar em uma cidade fantasma, ou quase isso, diante da lenta e contínua exaustão de seus recursos minerais. Até quando? Não se sabe.

A previsão de exaustão mineral já foi anunciada para 2015, depois para 2028, e atualmente está fixada em 2041, conforme o relatório Form-20 divulgado pela Vale. É possível que o próximo documento traga um horizonte mais estendido, até 2048 ou próximo disso. Nesse compasso de espera indefinido, empresários deixam de investir na cidade, que padece pelas perdas incomparáveis do passado, do presente e do futuro.

Caso o chamado PL da Devastação seja sancionado, futuras operações da Vale, tanto novos empreendimentos quanto expansões dos atuais, podem ser licenciadas de forma simplificada, sem consulta pública ou avaliação rigorosa dos impactos cumulativos. Isso representa um risco ainda maior para as populações locais, já historicamente afetadas pela atividade minerária.

Lula está sob pressão para vetar

A expectativa agora recai sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pode vetar total ou parcialmente o projeto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já se posicionou contra o texto, afirmando que ele “fere de morte o licenciamento ambiental” e “fragiliza todo o arcabouço legal de proteção socioambiental”.

Caso o veto não ocorra, o Brasil pode consolidar um modelo de licenciamento ambiental pautado pela autodeclaração, pela ausência de controle técnico e pela desproteção de comunidades e ecossistemas – um cenário que reacende as feridas de Brumadinho, Mariana e Itabira, e que ameaça repetir tragédias que deveriam ter ensinado ao país, e sobretudo às mineradoras, a nunca mais errar nem postergar decisões que impactam vidas humanas e o meio ambiente como um todo.

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