Pesquisadora da Unifei revela impactos na saúde e falhas no automonitoramento da qualidade do ar em Itabira pela Vale

“Vegetação em volta das estações de monitoramento pode camuflar poluição que vem das minas nas estações da Vale”, diz a professora Ana Carolina Vasques de Freitas, da Unifei

Fotos: Carlos Cruz

A abertura da Semana do Ar em Itabira, realizada nessa sexta-feira (8) durante reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), trouxe à tona uma discussão recorrente, e que precisa ser aprofundada, sobre os impactos da poluição atmosférica na saúde da população – e a confiabilidade dos dados do automonitoramento ambiental divulgados pela mineradora Vale.

A palestra da professora da Unifei, Ana Carolina Vasques de Freitas, doutora em Ciências Atmosféricas, apresentou estudos que apontam para uma possível subnotificação dos níveis de poluição do ar na cidade. “Os dados oficiais não refletem a realidade enfrentada pela população”, afirmou.

Essa situação, que há muito vem sendo questionada na cidade, fica evidente quando comparada com os índices de poluição em outras cidades como Brumadinho, Timóteo e Paracatu, todas com resultados abaixo de Itabira, que é a cidade que tem ao lado uma grande mineração com solos e subsolos descobertos – e que é uma das menos arborizadas do país, segundo o IBGE.

Estação Automática da Qualidade do Ar da Vila Paciência está instalada em área arborizada da Vale

Filtro natural

Um dos pontos questionados na análise da localização das quatro estações de monitoramento da qualidade do ar operadas pela Vale é que estão situadas em áreas com cobertura vegetal significativa, verdadeiras ilhas verdes em uma cidade minerada e pouco arborizada.

Segundo Ana Carolina, essa vegetação atua como filtro natural, retendo parte dos poluentes e reduzindo artificialmente os níveis registrados. “A vegetação interfere diretamente nos dados coletados”, explicou.

Estudos realizados pela Unifei mostram que estações com maior vegetação ao redor apresentam valores de poluição mais baixos, mesmo estando próximas ao complexo minerador, como são os casos das estações do Areão e da Vila Paciência.

Isso evidencia a necessidade de redimensionar a rede de monitoramento, com a instalação, por parte da Vale, de novas estações em áreas menos vegetadas e mais expostas, como meio de obter dados mais representativos da poluição do ar enfrentada pela população de Itabira, a cidade mais poluída do mundo pela mineração a céu aberto, onde os moradores são os mais afetados por doenças respiratórias.

Outra estação cercada por vegetação é a da Praça do Areão, onde as árvores ao redor também podem camuflar os índices reais de qualidade do ar registrados
Estudo independente revela dados divergentes

A professora citou tambem os resultados de uma pesquisa realizada pela Unifei em parceria com a Universidade de São Carlos, que identificou concentrações de metais pesados como ferro, chumbo e vanádio em níveis superiores aos encontrados em grandes capitais brasileiras.

Esses dados foram obtidos por meio de monitoramento ambiental independente e apresentaram divergências significativas em relação aos indicadores divulgados pela rede automática de automonitoramento da Vale. “Há uma lacuna entre o que é medido oficialmente e o que realmente respiramos”, destacou a pesquisadora.

Essa diferença reforça a urgência de ampliar a rede de medição com critérios técnicos e autonomia, para que empresas (Vale, Atlas), Prefeitura, Ministério Público e sociedade possam agir com base real, dever e responsabilidade diante dessa situação que há décadas afeta impunemente a vida de quem vive em Itabira.

Poluição do ar em Itabira é maior no mês de agosto: dias piores virão, mesmo com as medidas mitigadoras ainda incipientes implementadas pela Vale
Monitoramento independente

Em paralelo a esse automonitoramento da Vale, e em resposta à necessidade de dados mais confiáveis, a Prefeitura de Itabira, em parceria com a Unifei, anunciou que iniciará ainda neste semestre um monitoramento móvel independente da qualidade do ar.

A iniciativa tem como objetivo ampliar a cobertura geográfica e diversificar os pontos de coleta, incluindo áreas com baixa arborização e maior circulação de pessoas.

A proposta é que esse monitoramento seja conduzido com rigor científico, de modo a contribuir para políticas públicas mais eficazes de fiscalização, controle e mitigação.

O foco deve estar atento às grandes ocorrências de ventos fortes que sopram em diferentes direções, carregando volumes expressivos de pó preto de minério – fenômeno que quase nunca é registrado pela rede de automonitoramento da Vale, com dados publicados no portal ItabiraAr, da Prefeitura de Itabira.

Além da poluição gerada pela mineração, outro ponto crítico a ser monitorado é o Distrito Industrial, onde está instalada a usina de ferro gusa da Siderúrgica Atlas. Essa poluição impacta diretamente trabalhadores e moradores do bairro Barreiro, mas chega também em outros bairros de Itabira.

A qualidade do ar em Itabira, invariavelmente, é considerada boa pelo automonitoramento, mesmo quando há fortes ocorrências de poluição do ar (Fonte: ItabiraAr/PMI/Vale)

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