Para não dizer que não falei do Festival de Inverno de Itabira
Por Mauro Andrade Moura
Neste ano de 2018 o Festival de Inverno de Itabira completou a sua 44ª edição. É um dos mais longevos, juntamente com o festival de Ouro Preto, o mais antigo, sendo que esse sofreu descontinuidade e o de Itabira até aqui se mantém ininterrupto. Nas edições do festival aconteceram várias apresentações de grupos nacionais e até estrangeiros, levando a toda região programação diversificada em vários temas, a acariciar todos os gostos.

Após esses dois festivais pioneiros em Minas Gerais, iniciaram-se posteriormente diversos outros pelos recantos e encantos de Minas Gerais. Foram criados festivais de inverno de São Domingos do Prata, Itambé do Mato Dentro, Serra do Cipó, São Gonçalo do Rio Abaixo, Santa Maria de Itabira, dentre vários outros a citar – e que mesmo sendo de menor porte, têm sua relevância no contexto regional. Nascem assim bons e diversificados palcos para os artistas regionais e nacionais pelas montanhas de Minas.
Assim como houve também continuidade de programação artística na cidade e região de Itabira, mesmo considerando as dificuldades de manter o público sempre aceso em cidade de menor porte populacional.

O Festival de Inverno de Itabira foi lançado em 1974. Permaneceu por muitos anos como o único evento em que se podia assistir bons shows de artistas consagrados, primeiro no teatrinho do Colégio Nossa Senhora das Dores e no ginásio do Valério, quando o espetáculo era maior.
Já em 1982, Itabira ganha o seu principal espaço de cultura, o Centro Cultural, pequeno, é verdade, mas com palco e acústica elogiados por artistas e público. Naquele mesmo ano, inaugurou-se também o parque de exposições, que homenageia com o seu nome o ex-prefeito Virgílio Gazire.
O parque é também um importante espaço cultural, mas nem sempre é o que vemos por lá. E por atrair um público maior, infelizmente capitalizou fatia mais expressiva da verba que seria disponível para os eventos artísticos, cortando verbas que antes eram exclusivas para o festival de inverno. Infelizmente, no parque, na maioria das vezes, Prefeitura e parceiros passaram a promover eventos musicais de gosto duvidoso, para dizer o mínimo.

Com isso, angariando parcela mais polpuda da verba oficial, acabou por esvaziar a programação do festival, promovendo shows breganejos no mês de agosto, em detrimento da cultura popular e de raiz, que sempre por aqui aportava no mês de julho. A indústria cultural passou a impor a programação “cultural” nos eventos programados para a exposição, triste sina.
Por atrair um público menor, o festival, de certa forma, por essa concorrência da exposição, acabou sendo esvaziado, principalmente pela redução dos recursos disponíveis para eventos musicais de grande porte. Os políticos locais passaram a ver a exposição como um evento mais importante no calendário “cultural” da cidade.

O parque poderia ser também palco para grandes shows do festival de inverno, como nele podia perfeitamente ter sido realizado o show de Alceu Valença, que tanta celeuma causou pela limitação do público na concha acústica – e com as acusações de direcionamento de convites para alguns privilegiados, amigos do rei e da rainha.

Mas voltando ao propósito deste artigo, nesse passo e descompasso, foram realizados também vários festivais da canção na cidade, naqueles bons tempos de efervescência cultural. Com esse intuito de sempre apresentar novos músicos da cidade que buscam seus espaços na mídia e realização cultural, foram franqueados os acessos aos que buscam na música o seu modus vivendi.
Um outro fruto da efervescência cultural que a cidade vivia nas décadas de 1980/90 foram as duas edições do festival UAI (Um acontecimento em Itabira, e que acontecimento!) e mais uma edição realizada em Ipatinga. Foi um festival de muito roque e também música popular de vanguarda (foi inesquecível a apresentação de Itamar Assumpção em Itabira, Elba Ramalho, Ed Mota e a maioria das bandas de roque que faziam sucesso na época), condensado em quatro dias.

O roque nacional pululava de tanta efervescência, e a plateia vibrava e curtia aqui nas montanhas de Minas o que de melhor se produzia entre as bandas nacionais. Para a terra de Drummond vieram roqueiros e cultuadores de toda a parte do país.
Mas se de tudo fica um pouco, esse desejo de se produzir eventos culturais, que servem também como atração turística, ainda que de forma capenga, ainda persiste.
Anualmente, no período de estiagem, nos sábados de lua cheia, Ipoema mantém a tradição de receber violeiros com as suas modinhas tradicionais caipiras, dando luz à Roda de Viola, com os atrativos locais, as Lavadeiras de Ipoema e os Estaladores de Chicote.

Mas voltando ao festival, fica difícil nomear todos os artistas que passaram por esses diferentes palcos itabiranos, nas várias praças, teatros e ginásios cobertos da cidade. Foram tantos pequenos (no sentido de público, não de qualidade artística) e grandes nomes da cultura nacional que aqui se apresentavam. O certo é que houve toda essa diversidade, a constância sempre posta, com animada participação e regozijo do público. São eventos que atraem também públicos dda região e de outros rincões mais distantes, constituindo pois um forte atrativo turístico, repito para frisar e ressaltar.

Só que tudo isso pode se perder. Duro é perceber que nos últimos anos a Prefeitura de Itabira vem desmerecendo o nosso Festival de Inverno, deixando de disponibilizar recursos para que se mantenha a tradição. Basta verificar a programação do festival deste ano, comprimida ou mesmo suprimida em apenas uma semana, quando antes ocorria durante quase todo o mês de julho.
Em relação às contratações artísticas, novamente a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (coitado do Poeta) demonstrou total incapacidade na curadoria do Festival de Inverno. Pode-se justificar alegando que a grana foi curta, apenas R$ 380 mil. Mas não basta, é um escapismo que não justifica a falta de criatividade.
O Departamento de Promoção e Produção Artística (DPPA) da Fundação Cultural, como sempre e a cada ano, não se preparou devidamente para a realização do Festival de Inverno, não apresentando com antecedência os editais de incentivo à cultura. Com isso, ocasionou uma dificuldade bem maior na captação dos necessários e almejados recursos financeiros para o benfazer, o que poderia baratear e diversificar a programação artística que deveria ocorrer, repito, durante todo o mês de julho.

Esse DPPA não se preparou para buscar uma programação mais adequada e sintonizada com o espírito do festival (até comédia sem graça e preconceituosa foi apresentada como supra sumo da cultura, no palco onde já encenaram grandes artistas como Tônia Carrero, Paulo Autran, e tocaram músicos como Hermeto Paschoal, Paulo Moura e tantos outros). Deixou tudo para última hora, na base do improviso.
Tudo isso é também consequência da falta que faz uma política cultural, democrática e participativa, definida em lei, e que não possa ser alterada com os devaneios de administrações obtusas, indiferentes ao fazer cultural e de suas diferentes formas de manifestações artísticas.
E, assim, nós incautos itabiranos, mas não incultos, pelo menos em grande parte, seguimos a nossa triste sina de sempre deixar como estar para ver como fica. E o prefeito corta verba da cultura e fica por isso mesmo. E tudo que é ruim tem o agravante de poder piorar.
O meu medo, e não é paranoia, é de que um dia iremos (eu não, mas parte do público) assistir a um culto evangélico no palco laico do teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Toc, toc, toc. Que não tenhamos a infelicidade de assistir a tamanha heresia.
As apresentações do festival deveriam ocorrer na praça do Areão. Lá existe espaço suficiente pra receber um grande público, o local tem espaço para barracas de bebidas e alimentação.
E espaço para estacionamento é no mínimo suficiente, atendendo a demanda.
E tem também um charme especial que nos leva uma sensação dos grandes festivais.
Por causa da falta de ingressos pro concerto do Alceu Valença, houve um esculacho com leite no Centro Cultural. Ação certa, deveriam ter quebrado as vidraças já que o prédio foi deformado porque a presidência do C. Cultural, brinca de casinha com a coisa pública.
Porque é da práxis dos que tem um micro-poder, distribuir os ingressos para a Família e Amigos (sei o que falo). Mas é de burrice que se alimenta a elite mal formada, egoica e idolatra – “nojo a essa gente” -, portanto é preciso Reagir, é preciso Tomar o Poder. Mas é desanimador, quando um prefeito totalmente incapaz de gerir com decência uma cidade que foi lendária, esta é a verdade, mas agora é uma cidade parada – uma construção do século 19.
A primeira presidente do Centro Cultural, Cacá Amoroso Senra, delineou um plano conceitual e de ação para a Fundação Cultural, e nele estava previsto desenvolver o FAZER e o Entretenimento cultural, mas de nada valeu, foi tudo pro brejo da ignorância atávica.
Mauro, obrigada pela força de sua lucidez e artigos muito bem escrivinhados, beijoca Mauro.
“O meu medo, e não é paranoia, é de que um dia iremos (eu não, mas parte do público) assistir a um culto evangélico no palco laico do teatro da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Toc, toc, toc. Que não tenhamos a infelicidade de assistir a tamanha heresia”.
Toc, toc, toc, mesmo. Mas do jeito que o pais está sendo sacaneado eu não duvido de mais nada. So espero não estar vivo pra ver uma desgraça dessa.
Moisés.