Oração

Marina Procópio de Oliveira*

Ave Maria cheia de graça, senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus, Santa Maria mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte, Amém.

Minha nossa senhora, me ajude, eu acho que tô pirando, tô bem próxima da piração, meus dentes tão trincados, meu estômago tá doendo, tá tudo preso aqui dentro, nada sai e ainda mais esse computador não tem ponto de interrogação, onde tá a porra do ponto de interrogação, vai sem ponto de interrogação mesmo, é tudo com ponto de interrogação.

Que que eu faço, minha nossa senhora.

Tenho medo da vida, não aceito a morte, não acredito em deus, que que eu tô fazendo neste mundo, vendo tudo nascer e morrer, eu não aguento isso, que espetáculo grotesco, minha nossa senhora.

Quero um remédio bem forte, quero uma anestesia, mas ninguém tem, ninguém inventou, ninguém me dá, tenho que sentir dor nas costas, dor no estômago, dor na alma, quero um remédio para sarar, mas nunca sara, nenhuma dor nunca sara, não tem conhecimento no mundo que me livre disso, pra que tanta evolução se eu permaneço no meu quarto escuro e tenho medo, medo, medo….

Medo de morrer, de adoecer, de ser assaltada, do escuro, do claro, de bicho, dos outros, do errado, do certo, do meu sofrimento, do alheio, da impotência.

Medo de avião! Tudo é igual a medo de avião! Medo da velhice, medo da menopausa, minha nossa senhora, ninguém nunca tinha me dito que entrar na menopausa era tão difícil, que ver os pais envelhecendo era tão difícil, que idade difícil, a meia idade, será que só piora, além dos medos da juventude, que continuam, vem esses novos, inexoráveis, tudo tá envelhecendo, tudo tá morrendo, o novo já chegou e tá te derrubando e o pior é que eu não aprendi nada, não sou uma senhora sábia, não sou forte, não resolvi nada, continuo assistindo Bambi e chorando, meu medo vai só aumentando, tô num emaranhado de equações matemáticas que eu nunca soube resolver, deve ser por isso que eu sempre fui um zero à esquerda na matemática, quem aguenta chegar até os 80 sem enlouquecer (INTERROGAÇÃO)

E agora esse medo de endoidecer, esse eu nunca tive, é a primeira vez, também não tem remédio, a única coisa que te dão é remédio pra dormir, eletrochoque também existe e é muito usado, meu deus, como é que faz pra aguentar isso e continuar vivendo, minhas costas doem o dia inteiro, já fiz 500.000 tratamentos e nada, cada dia dói mais, a única coisa que melhora é dorflex, mioflex, etc, mas só melhora um dia, tem que tomar todo dia, mas não pode, fode seu estomago, e aí você fica preso entre duas dores, pra não falar das outras, sentindo um pouco de cada uma pra não sentir muito de uma só.

Olcadil melhora, pode tomar Olcadil todo dia (interrogação).

Não pode, traz problemas pra memória, mas que que tem, foda-se a memória, memória pra que, não preciso mais de memória, não vou guardar nada mesmo, quando eu morrer vai tudo junto comigo, o cérebro e suas memórias, verme mesmo é que deve ser inteligente, comendo tanta memória todo dia, coitados, também devem sofrer muito quando descobrem, por meio da memória alheia, que são vermes, que não duram nada, que são igual a gente ou gente é igual a verme? Achei o ponto de interrogação.

Eu queria tanto parar de pensar tanto. E não é pensar nada importante não, são coisas pouquinhas, mas que ficam dentro da cabeça, Tum, Tum, Praticundum, Prugurundum.

Tem que trocar as janelas, tem que consertar a porta do galinheiro, tem que levar mãe no médico, tem que levar o cachorro no veterinário, tem que encontrar com o amigo, tem que terminar a terapia, tem que falar com o chefe que eu não quero mais trabalhar deste jeito, tem que fazer almoço, tem que tirar a umidade do mundo, tenho que nascer na próxima encarnação sem alergia, sem dor, com um sono inquebrantável, com os peitos bem pequenos, com uma estrutura muscular de dar inveja em qualquer atleta, sem ser corcunda, sem ter os joelhos valgos, as escápulas sei lá como, a coluna dorsal sem lordose, ficar bem na fotografia de perfil, com tudo no lugar, meu cachorro enxergando e o outro morrendo com 70 anos, já enjoado de tanto viver, indo embora sem dor alguma.

Tem um universo paralelo, a gente veio mesmo do macaco?

Seria melhor era vir mesmo de Deus, e acreditar em você, minha nossa senhora. Um conhecido disse que não veio do macaco, esse bicho fedorento. Nem eu! Quero vir mesmo é de um Deus cheiroso e voltar pra ele, Deus por favor, exista, nossa senhora, por favor! Pra que que o homem inventou Deus? Por que que Deus não inventou o homem?

Quanto mais consciência pior, bom mesmo era nascer na Idade Média, não duvidar da existência de Deus, vamos queimar todos os hereges, todas as bruxas, todos os incrédulos. Deus existe e ponto final.

A ciência é uma merda. Só serviu mesmo pra inventar a anestesia, que é a coisa mais maravilhosa do mundo, isso não dá pra deixar de falar.

Ainda bem que quando em nasci já tinham inventado a anestesia. De resto, a ciência é uma verdadeira merda. Pra que saber que eu tô aqui, um nada dentro de outro nada, dentro de outro nada, dentro de outro nada, vamos meu amor, pra um universo em que a gente não pense, um universo paralelo.

Eu tenho muitos limites. Nasci com as asas quebradas. Não consigo alçar vôo. Funcionária pública.

No avião, não posso fazer nada. “Srs. Passageiros, interrompemos o procedimento de aterrissagem em decorrência de uma forte chuva na cabeceira da pista. Vamos ficar sobrevoando até que o tempo melhore.” Ai, e eu sou o passageiro, e vou ficar sobrevoando até que a chuva melhore, só que a chuva não melhora… nunca…

Atenção senhora passageira, seu cachorro tem uma doença incurável, seu pai tem uma doença incurável, sua mãe tem uma doença incurável, sua irmã tem uma doença incurável, seu pintinho tem uma doença incurável, seu amigo tem uma doença incurável, seu marido tem uma doença incurável e todos, todos vão sofrer e você não vai poder fazer nada, só olhar, nada além de olhar. Atenção, senhora passageira, você também tem uma doença incurável, e muito embora você continue sem poder fazer nada, dessa vez, finalmente, o avião vai cair.

Ai! Ave Maria! ROGAI POR NÓS PECADORES AGORA. E na hora de nossa morte. Amém.

*Marina Procópio de Oliveira é poeta e escritora itabirana. Mora em Belo Horizonte

 

 

 

Posts Similares

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *