Noite da redenção cruzeirense

Lucas Ferraz*

O Mineirão não treme mais – e dizem que já faz muito tempo. Mas a magia, por sorte, ainda persiste. Pelo menos nas noites de decisão, como na última quarta-feira, quando o Cruzeiro levantou seu quinto título da Copa do Brasil – o nono título nacional do clube.

Não dá para chamar de outra coisa senão de magia a defesa de mão trocada de Fábio, o melhor e mais injustiçado goleiro do Brasil, ou o chute escorregadio de Thiago Neves, que mesmo deslizando o seu pé de apoio na hora da cobrança conseguiu colocar a bola na gaveta de Muralha para sacramentar o título. Não há, como se viu, nada de loteria numa decisão de pênaltis, ao contrário do que costuma pregar o senso comum.

Torcida cruzeirense vibrou e participou da consagração (Fotos: Fred Magno e Washington Alves/Light Press)

Fora uma noite de redenção para o Cruzeiro e também para mim, que reencontrava o Mineirão depois de oito anos. Na minha última vez, o estádio ainda tremia e abrigava muito mais que os 61 mil torcedores que compareceram à final Copa do Brasil contra o Flamengo, público recorde na nova reencarnação do estádio.

A última vez que tinha pisado no Mineirão havia sido na trágica final da Copa Libertadores de 2009, quando o Cruzeiro foi derrotado de virada, por 2 a 1, pelo Estudiantes, da Argentina. O que parecia ser um título fácil, praticamente garantido (ah, o futebol), tornara-se num pesadelo. Fora o meu Maracanazo pessoal, que me assombraria em sonhos e noites mal dormidas – um fenômeno raro na minha longa carreira de torcedor – pelos próximos dois anos.

A terapia que ajudou a varrer o mau agouro da derrota só veio em 2011, quando eu estava morando na Argentina. Naquele ano, o Cruzeiro reencontrou o Estudiantes na fase de grupos da Libertadores. Na primeira partida, em fevereiro, em Sete Lagoas, a equipe venceu os argentinos por 5 a 0 – uma goleada para lá de inesquecível; aliás, Sete Lagoas, naquele mesmo ano de 2011, entrou para a história do Cruzeiro ao ser palco também de outra inesquecível goleada, os 6 a 1 contra o Atlético que tirou a segunda divisão de perspectiva, vade retro.

Na segunda partida contra o Estudiantes, dois meses depois, em abril de 2011 em La Plata, eu fazia parte da pequena torcida cruzeirense presente ao novíssimo Estádio Único de La Plata para o jogo, inesquecível: com o domínio completo, o Cruzeiro ganhou por 3 a 0, impondo a pior derrota dentro de casa sofrida pelo Estudiantes em toda a sua participação na Libertadores. Nunca mais sonhei com a final de 2009. Como diz um famoso tango argentino, há sempre uma revanche.

Mas faltava o reencontro com o Mineirão, o que a vida longe das Minas Gerais dificulta e muito. Comecei a frequentar o estádio em 1992, aos oito anos, levado pelo meu pai, um cruzeirense inveterado que começou a acompanhar o clube in loco nos anos 1960, quando ainda reinava Tostão e Cia. Vi – com ou sem ele – fracassos (como a final perdida no Brasileirão de 1998, para o Corinthians) e muitas glórias (o bi da Libertadores, em 1997, os títulos da Tríplice Coroa, em 2003, a emocionante final da Sul-Minas, em 2001, quando Sorín marcou o gol do título com a cabeça rachada, após sofrer uma dura cotovelada de um rival).

Na última quarta, durante os tensos 90 minutos da final, a voz pessimista perguntava lá no fundo: será que a noite de final terminaria com outra derrota?

Era impossível também não reparar no quanto mudou o Mineirão após a reforma para a Copa do Mundo, seguindo a gourmetização cada vez maior do futebol e dos estádios brasileiros, com bares temáticos, um certo clima de balada nas áreas mais caras e uma profusão de mãos com celulares que filmam ou fotografam qualquer detalhe, mesmo os mais banais.

Evitei os bares de 2009, a bebida pré-jogo e o clima de já-ganhou que tanto mal causou na final da Libertadores. Parece ter dado certo.

É incrível como um estádio, a conquista de um título, o amor por um clube ou simplesmente o futebol são capazes de nos conectar a pessoas e memórias, às recordações mais primitivas – e piegas, como em toda paixão.

É difícil para os não-iniciados entenderem isso. Como disse certa vez o escocês Bill Shankley, ex-jogador de futebol que tornou-se lenda ao dirigir o Liverpool por anos, “futebol não é questão de vida ou morte; é muito mais do que isso”.

*Lucas Ferraz é jornalista e, claro, cruzeirense

 

 

 

 

 

 

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