O risco do avanço de grupos extremistas de direita no Brasil e no mundo com Trump, Bolsonaro e as big techs
Invasão a prédios públicos em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, e ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021
Foto: Getty Images/ BBC News Brasil
Por Valdecir Diniz Oliveira*
A colunista da Folha de S.Paulo, Mônica Bergamo, na edição desta quinta-feira (13), informa que os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já dispõem de maioria para aprovar na Câmara dos Deputados uma lei de anistia para os que participaram de atos golpistas.
Segundo a jornalista, lideranças petistas fazem cálculos de que o número mínimo de 257 dos 513 deputados necessários para aprovar a lei de anistia aos presos, e outros que ainda podem ser presos, em decorrência da participação nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, já foi alcançado. E acenderam o sinal de alerta.
Não é para menos. Afinal, por trás da justificativa de que a anistia seria para descriminalizar os atos golpistas, soltando os que foram detidos e ainda não julgados por seus atos, está a possibilidade de anistiar o próprio ex-presidente, o que não deixa de ser uma confissão de culpa, já que ele ainda está sendo processado, podendo ser condenado ou inocentado.
O que se busca na prática com a lei de anistia é tornar Jair Bolsonaro elegível em 2026, podendo novamente disputar o cargo majoritário no país, com tudo o que isso representa na política nacional.
Começa por manter a polarização entre a direita e a esquerda, além de mobilizar desde já apoiadores, principalmente dos grupos extremistas, que crescem e dão as caras sem medo de defender as suas ideias autoritárias, segregacionistas e elitistas.
É o que se observa nos últimos anos em todo o mundo e no Brasil não é diferente, servindo até de inspiração política, por manter a extrema direita ultraconservadora, reacionária e de viés fascista mbolizada e ainda disputando o poder em condições de sair vitoriosa.
Conjuntura atual e o golpe militar de 1º de abril de 1964
No Brasil, essa tendência tem raízes históricas profundas, que remontam ao período pós-golpe de 1964, se não antes, com o surgimento de grupos paramilitares como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e outros correlatos. Esses grupos extremistas atuavam por meio de atentados contra opositores do regime militar.
Atos extremistas foram por eles praticados durante toda a ditadura militar (1964-85) com total desenvoltura e impunidade, mesmo durante a transição lenta e gradual do presidente general Ernesto Geisel (1974-79) seguido pelo general João Batista de Figueiredo (1980-85), último presidente da ditadura militar.
O golpe militar de 1964 instaurou um regime autoritário no Brasil que durou até 1985. A conjuntura atual apresenta semelhanças preocupantes com aquele período, com o crescimento de grupos extremistas de direita, impulsionados por discursos de ódio, xenofobia e intolerância, invariavelmente legitimados por figuras políticas influentes de partidos conservadores de direita.
Essa onda conservadora pode levar o mundo a uma situação extrema de até mesmo uma terceira grande guerra mundial. Como disse Albert Einstein: “Não sei com que armas a terceira Guerra Mundial será lutada, mas a quarta Guerra Mundial será com paus e pedras.”
No Brasil, grupos de extrema direita seguem essa perigosa onda que vem dos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump e se espalha pelo mundo. A invasão dos prédios federais em Brasília em 8 de janeiro de 2023, por exemplo, lembra o ataque ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021.
Antecedentes marcantes: Riocentro e o atentado à OAB

Dois eventos marcantes na história do Brasil ilustram a violência dos grupos extremistas de direita: a tentativa de bomba no Riocentro e o atentado à OAB, já no fim do regime militar.
O quase atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981, foi uma tentativa frustrada de sabotagem ao processo de redemocratização brasileira. Membros do Exército Brasileiro e da Polícia Militar planejaram uma série de explosões durante um show de MPB, com o objetivo de incriminar grupos de esquerda e justificar a repressão com o fim da abertura, recrudescendo com o regime agonizante.
Na noite do atentado, cerca de 20 mil pessoas estavam presentes no Centro de Convenções do Riocentro, no Rio de Janeiro, para assistir ao show em comemoração ao Dia do Trabalhador. O plano dos militares era causar pânico e confusão, levando o público a acreditar que grupos de esquerda eram responsáveis pelo ataque, justificando assim a continuidade da repressão militar.
No entanto, a operação foi mal executada. Uma das bombas explodiu prematuramente dentro de um carro no estacionamento do Riocentro, matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo gravemente o capitão Wilson Dias Machado. Outra bomba, colocada em um gerador de energia, não chegou a ser detonada, frustrando os planos de ataque ao público do evento. Se fosse bem sucedido, o atentado resultaria em um massacre de civis.
A condução desastrada da operação e a explosão prematura das bombas levaram à desmoralização das Forças Armadas e ao enfraquecimento do governo do presidente João Figueiredo. O atentado expôs as divisões internas nas Forças Armadas, entre os que queriam a transição democrática e os que queriam a ruptura com o processo de abertura política, e acabou por fortalecer o movimento por mudanças democráticas no Brasil.
Antes, o atentado à OAB, em 27 de agosto de 1980, resultou na morte da secretária Lyda Monteiro da Silva, que abriu uma carta-bomba endereçada ao presidente da OAB na época. Esse ataque foi mais um dos muitos realizados por grupos extremistas de direita insatisfeitos com a abertura política.
Esses grupos voltaram a se manifestar de forma agressiva após a eleição de Bolsonaro em 2018, culminando na tentativa de golpe, que só não foi consumado devido às divisões nas Forças Armadas. No entanto, o “ovo da serpente” já gerou frutos e continua a se multiplicar em todo o mundo.
A expressão “ovo da serpente” é uma analogia baseada no filme de Ingmar Bergman (The Serpent’s Egg), lançado em 1977, que retrata o surgimento do nazismo na Alemanha. No contexto político brasileiro, essa expressão é usada para descrever como ideologias extremistas e autoritárias podem se desenvolver e crescer, mesmo que inicialmente pareçam inofensivas.
Assim como um “ovo de serpente”, que parece pequeno e insignificante, mas pode eclodir e liberar uma criatura perigosa, essas ideologias podem se espalhar e causar grandes danos à sociedade.

Avanço global da extrema direita
O avanço de grupos extremistas de direita não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Em todo o mundo, esses grupos têm ganhado força, promovendo ideologias de superioridade cultural e racial, além de políticas anti-imigração, semelhantes ao nazifascismo. Na Europa, partidos de extrema-direita têm conquistado espaço em eleições, como o Reagrupamento Nacional na França e o Partido para a Liberdade na Holanda.
Nos Estados Unidos, a reaproximação entre Donald Trump e Vladimir Putin tem levantado preocupações sobre a influência de líderes de direita no cenário global, ainda mais com essa aparente contradição dessa aliança, já que a Rússia é um país comunista. Trump, que já elogiou Putin como um “cara muito inteligente”, tem buscado fortalecer os laços com a Rússia, apesar das tensões com a Ucrânia.
O fato é que o avanço de grupos extremistas de direita representa um risco iminente para a democracia e os direitos humanos, tanto no Brasil quanto no mundo. A conexão entre a conjuntura atual e o período pós-golpe de 1964 evidencia a persistência de ideologias autoritárias e violentas. É fundamental que a sociedade esteja atenta e mobilizada para combater esse avanço e preservar os valores democráticos.
Nuvens sombrias encobrem o mundo por meio do universo online
O perigo da disseminação das ideias autoritárias e fascistas é ainda maior agora com o avanço das big techs que dominam o universo online, com Elon Musk, dono da Tesla e de outras grandes corporações.
Mark Zuckerberg, dono da Meta Platforms, empresa-mãe do Facebook e do Instagram, anunciou mudanças nas políticas de checagem de fatos e liberdade de expressão (na verdade, liberdade de agressão) nas plataformas digitais que dirige, alinhando-se com políticas defendidas por Donald Trump, subservientemente.
Esse entrelaçamento desses grandes empresários das big techs com a política é muito preocupante. O arquibilionário Elon Musk tem um papel significativo no governo Trump como chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE).
Ele foi encarregado de identificar e eliminar ineficiências e desperdícios no governo federal e vem cortando “cabeças destoantes” que se opõem à política segregacionista e neoimperialista de Trump, que trabalha para impor uma nova ordem mundial, sob a égide do decadente império norte-americano.
Isso ele vem buscando com o seu modo atabalhoado, mas que tem até aqui se revelado eficiente, ainda que pelo deslumbre de um novo governo no país ainda mais influente no mundo.
Essas aproximações têm gerado controvérsias, como é o caso com Elon Musk, que segue indiferente às críticas, apoiando partidos políticos de extrema-direita na Europa. Isso enquanto Trump subjuga o governo ucraniano (de extrema direita, como ele), enquanto se alia a Putin, teoricamente um comunista, de esquerda.
Tudo isso, aliado ao avanço da tecnologia artificial, que pode se transformar em inteligência quase humana, e à notícia de que cérebros humanos estão sendo replicados em laboratórios, torna o futuro incerto, com sérios riscos à democracia e aos avanços da sociedade por um mundo melhor, que se tornam cada vez mais improváveis.
Figuras políticas como Donald Trump e Jair Bolsonaro, juntamente com as big techs, têm contribuído para a disseminação de ideologias extremistas e a polarização da sociedade.
No Brasil, a aliança entre as big techs e a extrema direita foi exposta em eventos como o Seminário de Comunicação do Partido Liberal, onde plataformas como Google, Meta e Telegram se posicionaram contra o “PL das Fake News”. Essa parceria tem alimentado a retórica de que o Brasil vive sob um regime de censura, o que tem repercussões tanto internas quanto internacionais.
A situação nos Estados Unidos não é muito diferente. A eleição de Donald Trump em 2016 e suas alegações infundadas de fraude eleitoral após a derrota em 2020 fomentaram ações extremistas, como a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, como paralelo já citado com os ataques aos prédios federais em Brasília em 8 de janeiro de 2023, motivados pela derrota eleitoral de Bolsonaro.
A convergência de interesses entre as big techs e a extrema direita tem facilitado a propagação de desinformação e discurso de ódio nas redes sociais, criando um ambiente propício para o crescimento de ideologias extremistas. Além disso, a falta de regulação adequada das plataformas digitais permite que esses grupos continuem a operar e influenciar a opinião pública sem grandes obstáculos.
A compreensão e o enfrentamento desse risco são essenciais para a preservação da democracia e dos direitos humanos. Mas infelizmente, se nada mudar e essa onda extremista de direita não for contida, os sintomas atuais indicam que o mundo caminha rumo a uma grande distopia.
*Valdecir Diniz Oliveira é cientista político, jornalista e historiador