O resto é a sombra de árvores alheias: as árvores e Fernando Pessoa
Jequitibá-rosa milenar é destaque no Parque Estadual dos Três Picos, no Rio de Janeiro
Foto: Tania Rego/
Agência Brasil
Reflexão sobre o poema “Segue o teu destino” de Fernando Pessoa, destacando a metáfora das “árvores alheias” e a importância de manter a serenidade
Por Rosângela Trajano
EcoDebate – No poema “Segue o teu destino” do poeta português Fernando Pessoa ele nos diz num dos seus mais bonitos versos “O resto é a sombra de árvores alheias.” Confesso ser esse um dos meus poemas preferidos deste poeta que foi pouco reconhecido em vida e hoje é um dos maiores gênios da literatura. Tendo sido sombra durante toda a sua vida na sua própria pátria.
No entanto, ao ler esse verso, faz alguns anos, fiquei curiosa para saber o que ele queria dizer com “árvores alheias” e depois de muito refletir posso estar enganada, mas acho que encontrei uma resposta bem ao meu gosto, bem cheia de ternura e criancice daquelas que a gente inventa quando quer esquecer que é gente grande: as árvores para o poeta não estão preocupadas com as coisas que acontecem ao seu redor ou estão tanto quanto as crianças assustadas, mas preferem fingir um riso, o riso da inocência, elas só querem saber de brincar e dar sombras e frutos para quem as ama ou não.
As árvores por fingirem ser alheias aos problemas mundiais e quantos problemas inventamos todos os dias para complicarmos a vida, elas só querem que nos deitemos embaixo das suas sombras e descansemos as nossas almas de todas as bobagens e obstáculos que costumamos acrescentar às nossas existências. Ser alheio não é se tornar irresponsável, ao contrário é estar por dentro de tudo, mas pensar como quem sabe que tudo será resolvido dentro de instantes, rapidamente, em breve.
Assim, as árvores nos dão a lição de que não adianta ficarmos aflitos, perturbados, ansiosos, depressivos com as dificuldades que nos são impostas diariamente, porém fazermos de conta que somos alheios a tudo isso e que logo venceremos os problemas por mais que pareçamos irresponsáveis, simplesmente não nos deixamos abater por coisas que acreditamos serem possíveis de se resolver com paciência e determinação.
As árvores são alheias não aos problemas dos homens e assim não estão nem aí para eles, ao contrário, elas se preocupam com as nossas vidas e dores, mas elas também sabem que do mesmo jeito que acrescentamos pedras ao bem-querer dos nossos corações também podemos tirá-las de lá. Somos nós os culpados por essa bagunça que se tornou o mundo e o existir. Não sabemos sequer quem somos ou o que fazemos por aqui. Parecemos mais robôs do que os próprios softwares de Inteligência Artificial.
Na vida, muitas vezes precisamos ser alheios às coisas ao nosso redor e esquecermos por um ou outro momento as nossas dores para nos colocarmos no lugar do outro, da natureza, das plantas, das florestas, dos animais. Para pensarmos que o conjunto das coisas ao nosso redor é o que nos proporciona um viver com saúde e bem-estar. Não somos deuses que mandamos em tudo e mesmo prevendo tempestades e furacões ainda não podemos fazer a chuva parar de cair.
Se pensarmos que o poeta Fernando Pessoa quis dizer com as árvores serem alheias porque elas simplesmente estão cansadas de tentarem todos os dias nos ensinarem a sermos seres melhores, respeitando-as e admirando-as como o olhar de uma criança inocente, se pensarmos que o poeta escolheu esse ser alheio para nos chamar a atenção de que a natureza resolveu parar de pedir socorro e decidiu silenciar-se diante do abuso e mediocridade dos homens que as derrubam todos os dias com machados e serras elétricas que sangram, chega a doer nas suas raízes, machucam, ferem e matam quem só quer nos dar sombra e frutos, com certeza levaríamos mais a sério o ser alheio das árvores.
Quando as árvores permitiram-se ser alheias aos atos desumanos e cruéis dos homens ao seu redor, tratando-as como coisas que nada significam, quando as árvores acharam melhor ficarem quietas e sem balançarem seus galhos numa tarde de outono qualquer, é porque elas estão aguardando que percebamos o quanto seus silêncios são gritos que chegam a estrondar os chãos e céus à espera de ajuda para que não sejam abandonadas, derrubadas, podadas de forma errada, tratadas como se não servissem para nada.
Não deixemos que as árvores continuem alheias as suas dores e fazendo de conta que está tudo bem consigo quando sabemos que as maltratamos com as nossas ambições desassossegadas de desenvolvimento e massacre das florestas. As árvores assim como as crianças também têm medo de serem abandonadas num lugar frio e cheio de monstros, elas também têm pesadelos e suas angústias.
Que possamos reconhecer a nossa pequenez diante do ser alheias das árvores quando elas, na verdade, nunca param de prestar atenção as nossas ideais malucas de construirmos prédios em lugares onde poderiam plantarmos mais irmãs suas, a nossa rotina de crescimento está destruindo a boniteza das árvores e suas histórias contadas nos finais de tarde às crianças e idosos que sentam-se embaixo das suas sombras para simplesmente ouvirem delas que seus heróis estão vivos e ali prontos para lhes salvarem a qualquer momento.
Tornar-se alheio é o mesmo que dizer cansei, contudo cansar não é desistir da luta e, sim, parar por algum tempo para procurar nas profundezas do existir, do ser, do estar aqui para um propósito qualquer a verdadeira essência do ir além do que a metafísica tenta buscar, ou seja, respostas às dúvidas do que tudo é por um motivo especial e único da sua criação.
Parar e esperar o momento exato da sua fala é o mais correto assim fazem os psicanalistas nos seus consultórios, o sábio já nos ensinava a arte de ouvir. As árvores são mais ouvintes do que falantes, e menos indiretas do que diretas nas suas buscas por sobrevivências em lugares onde a sombra do desenvolvimento assombra e faz medo… tudo está crescendo além céus.
A vida é, existimos, tudo ou nada, somos átomos e células… e nós não temos a certeza se somos únicos no Universo, nem as árvores conseguem mesclar caminhos com desertos em busca de respostas ao mais alheio de que se tornem para não sofrerem ao toque dos tambores dos seus algozes que as matam sem lhes perguntarem por que existem e são o ser do mais-ser.
De uma certa complexidade. ás árvores são como se fossem séculos escapados das mãos de um criador qualquer além das religiões que as colocaram na Terra para dizerem aos homens que mais poder têm àqueles que se fingem do que os que saem por aí gritando as suas ambições e destruindo seus próprios jardins primaveris de um existir de paz e virtudes esquecidos no passar dos anos, pois tudo que não passa fica adormecido feito gigante nos oceanos de águas mansas, se bem lembro nunca mais ouvi falar de Adamastor, Pantragruel e Gargântua andando por aí.
O tornar-se alheias das árvores dá para elas uma sabedoria imensa, pois nos mostra que apesar de estarem assustadas com os nossos machados e serras elétricas elas se conservam unidas e mais fortes do que nunca à espera de uma revolução da natureza que vem chegando aos poucos com as constantes enchentes, queimadas, furacões e outros desastres naturais que mostram aos homens o ser mais da natureza diante das suas elucubrações mescladas a um desenvolvimento mesquinho e ambicioso que só destrói a si próprio.
Enquanto as árvores ficarem alheias e deixarem os homens se entenderem e descobrirem que sem elas não serão nada neste mundo criado por algum Bem maior do que eu e você, estarão mais felizes e prontas para receberem as superioridades e inoportunas ausências de cuidado dos nossos governantes e autoridades que comem os olhos da natureza em pratos de ouro sem saberem que o mundo está dando a sua resposta fingindo-se de alheio às crueldades e matanças das árvores.
Ou morreremos de sede ou de calor, mas de dor e de amor ficaremos cegos em busca de nos tornarmos alheios às nossas sofrências iguais às nossas irmãs árvores que de tanto chorarem as suas dores decidiram ficar alheias às luzes dos eclipses dos astros criados pelos robôs que se dizem homens e mulheres do bem. O bem é um alheio ao mal.