No filme Apocalipse nos Trópicos, Silas Malafaia influencia e fornece base para as mobilizações da extrema direita no Brasil

Cena do documentário Apocalipse nos Trópicos, nos cinemas e a partir de 14 de julho na Netflix

Imagem: Divulgação/
Netflix

A diretora Petra Costa realiza um feito raro em seu novo documentário Apocalipse nos Trópicos: ela se aproxima de Silas Malafaia, não para confrontá-lo, mas para deixá-lo falar. E ele fala, com convicção messiânica, retórica agressiva e uma visão de mundo em que fé e política se fundem em um projeto autoritário. Como destaca a crítica de Inácio Araújo na Folha de S.Paulo, Malafaia “mais parece um candidato a Khomeini dos trópicos que outra coisa”.

O filme, que estreia nos cinemas e chega à Netflix em 14 de julho, acompanha o pastor em suas pregações, bastidores e articulações políticas. Malafaia se revela como um líder que não apenas interpreta o Evangelho à sua maneira, mas também atua como conselheiro informal de Jair Bolsonaro, antes pressionando por indicações ao STF e agora mobilizando fiéis em atos políticos

Segundo reportagem do Metrópoles, Malafaia é mostrado como figura central na instrumentalização da fé evangélica para fins políticos. Com mais de 4 milhões de seguidores nas redes sociais, ele mantém uma relação próxima com Bolsonaro e aparece no filme como voz dominante em pautas morais e institucionais.

Petra Costa acompanha sua atuação em eventos como o 7 de setembro de 2021 e os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando um manifestante chegou a engolir um cartão de memória da equipe de filmagem.

Bolsonaro com Malafaia: “boneco de ventríloquo” (Foto: Divulgação/Apocalipse nos Trópicos)

A crítica da Folha também observa que, após Malafaia expor seu pensamento, Petra “nos leva à vaca fria”, ou seja, àquilo que já conhecemos: a ligação do pastor com Bolsonaro, que no filme parece reduzido a um “boneco de ventríloquo”.

Malafaia é quem fala grosso, quem dita a “Palavra”, aquela que supostamente vem de Deus, mas que serve a um projeto político bem terreno.

Outras fontes, como O Globo e Revista Fórum, reforçam esse retrato. Malafaia é mostrado como um “pastor de palanque”, que manipula a fé para influenciar eleições e defender interesses pessoais.

Vaidoso, ele se deixa filmar ao volante de uma BMW blindada e a bordo de um jatinho chamado “Favor de Deus”. Sua igreja se transforma em império empresarial, e sua pregação em plataforma política.

A fé evangélica, quando instrumentalizada por líderes como Malafaia, se torna base ideológica e logística para as mobilizações da extrema direita (Foto: Divulgação/Netflix)

Petra Costa, como em Democracia em Vertigem, entrelaça o pessoal e o político. Mas desta vez, ela se retira da cena para dar espaço à voz autoritária de Malafaia e ao contraste com sua própria narração suave, quase impotente diante da força bruta do discurso religioso radical.

A estrutura do filme em capítulos bíblicos reforça o tom simbólico: estamos diante de uma batalha entre visões de mundo, entre democracia e teocracia.

O título Apocalipse nos Trópicos não é apenas provocativo: é diagnóstico. O filme mostra que a fé evangélica, quando instrumentalizada por líderes como Malafaia, se torna base ideológica e logística para as mobilizações da extrema direita.

Como afirma a produtora Alessandra Orofino, trata-se de um convite à reflexão, especialmente para o público evangélico, sobre os riscos de uma relação íntima entre fé e poder.

Petra Costa não oferece respostas fáceis. Mas ao colocar Malafaia no centro da narrativa, ela revela que o apocalipse não é uma profecia. É um projeto em curso.

Quem é Petra Costa
A diretora Petra Costa ganhou notoriedade internacional com a indicação de Democracia em Vertigem (2019) ao Oscar de Melhor Documentário (Foto: Diego Bresani/Divulgação)

Petra Costa é uma das vozes mais influentes do cinema documental brasileiro contemporâneo. Nascida em Belo Horizonte em 1983, ela combina formação acadêmica em Antropologia (Barnard College/Columbia University) e mestrado em Desenvolvimento Comunitário (London School of Economics) com uma abordagem poética e investigativa do audiovisual.

Seu trabalho é marcado por uma fusão entre o íntimo e o político. Começou com filmes pessoais como Elena (2012), sobre o luto pela irmã, e Olmo e a Gaivota (2015), sobre maternidade e identidade feminina.

Mas foi com Democracia em Vertigem (2019), indicado ao Oscar de Melhor Documentário, que Petra ganhou projeção internacional.

O filme retrata a crise democrática brasileira a partir do impeachment de Dilma Rousseff e da ascensão de Jair Bolsonaro, com uma narrativa em primeira pessoa que mistura memória familiar e análise política.

Em Apocalipse nos Trópicos (2024), Petra aprofunda sua investigação sobre o papel da fé evangélica na política brasileira.

Segundo ela, o filme nasceu do espanto ao ver pastores ungindo mesas no Congresso durante a votação do impeachment, em uma cena que abre o documentário.

A diretora mergulha no universo neopentecostal, especialmente na figura de Silas Malafaia, para entender como a teologia do domínio, aquela que prega que cristãos devem ocupar todas as esferas de poder, se tornou um projeto político em curso no Brasil.

Petra define sua trajetória como uma transição da dor pessoal para a dor coletiva. “Como artista, a gente tem que ser comprometida com o nosso próprio tempo”, afirma. E é exatamente esse compromisso que torna sua obra tão relevante no Brasil e no mundo.

Assista ao trailler

Serviço

Apocalipse nos Trópicos

Quando: Nos cinemas e a partir de 14 de julho na Netflix

Classificação: 14 anos

Produção: Brasil, 2024

Direção: Petra Costa

*Com informações da Folha de S.Paulo, O Globo, Adoro Cinema, Veja, Revista Fórum, Metrópoles

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