No escuro, sem conhecerem detalhes do projeto, vereadores devem aprovar nesta terça-feira a PPP do rio Tanque

Carlos Cruz

A Câmara Municipal de Itabira deve aprovar nesta terça-feira (30), em segundo e definitivo turno, o projeto de lei (PL) 26/2019, que “autoriza o município a celebrar parceria com o setor privado, atuante no ramo de abastecimento”, de autoria do prefeito Ronaldo Magalhães (PTB).

Aprovado em primeira votação na sessão da semana passada, o projeto de lei da PPP do rio Tanque deu entrada no legislativo itabirano no início de março – e em menos de dois meses está pronto para ser aprovado, sem que os vereadores aprofundassem o tema.

Com a aprovação em segundo turno, o prefeito tem 15 dias para sancionar o projeto. Após isso, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Itabira já pode dar início ao processo de licitação do projeto rio Tanque, apontado como alternativa mais viável – embora seja a mais cara, como a própria autarquia reconhece, “para resolver em definitivo o problema de escassez de água na cidade”.

Custos adicionais

O custo de instalação do projeto da PPP está orçado em R$ 53 milhões, que serão alocados pela empresa vencedora da licitação – e pagos pelos usuários em 30 anos, por meio do aumento da tarifa de água cobrada pela autarquia municipal.

Além desse investimento, há ainda o elevado o custo operacional dessa captação, distante 21 quilômetros da ETA Gatos, onde a água será tratada. Conforme consta no estudo divulgado pelo Saae em seu site, esse custo operacional está estimado em R$ 7 milhões anuais.

Distraídos, sem conhecer detalhes do projeto e as outras alternativas de abastecimento de água na cidade, vereadores devem aprovar a transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade (Fotos: Carlos Cruz)

Só com energia elétrica para se fazer o bombeamento, o dispêndio anual previsto está acima de R$ 4 milhões – e que também será pago pelo usuário consumidor.

Já com os poços das Três Fontes e do Areão, que hoje fornecem acima de 100 litros por segundo (l/s) de água classe especial, e que serão desativados assim que o subsistema rio Tanque entrar em operação, o custo operacional é de cerca de R$ 1,5 milhão.

O gasto para suprir a população com água dos poços profundos é somente com a energia elétrica necessária para fazer o bombeamento. Gasta-se quase nada com o tratamento simplificado, apenas com aplicação de cloro.

Além do custo de captação no rio Tanque ser exorbitante, há ainda o acréscimo financeiro necessário para que se faça o seu tratamento, reservação e distribuição. Esse custo será bancado pelo Saae, que, obviamente, será repassado também para o incauto consumidor com aumento ainda maior das tarifas, inclusive da taxa de esgoto, que é proporcional ao consumo de água.

O Saae não informa com precisão de quanto será esse impacto financeiro. Entretanto, o seu diretor-presidente Leonardo Lopes disse na audiência pública, realizada em outubro do ano passado, entre dois feriados, que o aumento da tarifa deve ficar em torno de 25% a 30%. Mas com certeza haverá um acréscimo bem acima desse percentual (leia mais aqui).

Investimento será pago em 30 anos pela população itabirana

Os vereadores estão para aprovar um projeto de grande impacto financeiro para o bolso da população itabirana – e sem ouvir os principais interessados, e financiadores, por meio de mais uma audiência pública que deveria ser promovida pelo legislativo itabirano.

Trata-se de um investimento a ser pago em 30 anos sem saber nem mesmo se a Prefeitura terá recursos para manter o atual quadro de servidores municipais, uma vez que cairá drasticamente o que recebe com os royalties do minério, e com o ainda polpudo ICMS, assim que a exploração das minas lavráveis de minério de ferro for encerrada a partir de 2028.

A alegação é de que o projeto é crucial para atrair novas indústrias. Ao aprovar a PPP, os vereadores deixam de cobrar da empresa Vale o cumprimento da condicionante 12 da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada pela Câmara de Mineração do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) – e que só foi parcialmente executada.

Detalhes desconhecidos

Estão aprovando o projeto da PPP no escuro. Assim como os vereadores não sabiam que o Saae pretende desativar os poços das Três Fontes e do Areão, não sabem, por exemplo, de quanto será a real vazão dessa captação de água do rio Tanque.

Projeções de custos com a captação de água do rio Tanque (Fonte: Saae)

Embora o Saae anuncie que irá captar 200 l/s (já se chegou a falar em 400 l/s), “necessários para regularizar as outorgas, garantir o abastecimento na cidade por 30 anos e atrair novas indústrias para diversificar a economia local”, na prática não será bem assim.

Segundo dados constantes em tabelas publicadas no site do Saae, a empresa vencedora da licitação terá a incumbência de captar, inicialmente, apenas 100 l/s, devendo aumentar gradativamente a vazão até chegar a 200 l/s nos próximos 30 anos.

Ou seja, o “acréscimo” inicial será suficiente apenas para suprir a água que hoje é fornecida pelas Três Fontes e pelos poços do Areão – e que serão desativados.

Com a ampliação imediata da oferta, prevista para ocorrer já neste ano, com a ampliação da ETA Gatos, e mais ainda com a captação de 60 l/s pela ETA do Rio de Peixe, também “cedidos” pela empresa Vale, o Saae certamente irá regularizar a situação das outorgas, considerada uma “ilegalidade” ambiental que se arrasta desde muitos anos, nas palavras do diretor-presidente da autarquia, Leonardo Lopes.

Logística

Até recentemente, a solução para a falta de água na cidade, antes de surgir a proposta da PPP do rio Tanque, estaria na instalação de um anel hidráulico, que já tem projeto aprovado pela Câmara Municipal e financiamento da Caixa Econômica Federal.

Com esse anel, propagandeou esse mesmo governo que quer a PPP, será possível bombear água da ETA Gatos, onde haverá excesso do “precioso líquido”, para o sistema Pureza, onde há escassez – e é responsável pelo abastecimento de mais da metade da população itabirana.

Se os vereadores cumprissem o dever de pelo menos ler todos os detalhes do projeto da PPP do rio Tanque, saberiam que praticamente não será alterada a disponibilidade hídrica na cidade com o rio Tanque. (leia quadro).

Mas isso dá trabalho e consome muita “massa cinzenta” do cérebro. Sendo assim, melhor é aprovar a “toque de caixa” o projeto da PPP do rio Tanque, como quer o chefe do poder executivo itabirano, que tem a caneta das nomeações e as chaves do erário que supre o fisiologismo da banca municipal.

Outorgas

Uma das justificativas apresentadas para o projeto da PPP do rio Tanque, que só irá captar 200 litros por segundo (l/s) daqui a alguns anos, se houver necessidade, a uma distância de 21 quilômetros, é que irá resolver o impasse das outorgas, que ocorre com o município captando um volume de água acima do que é permitido pela legislação.

“Mesmo com a ampliação da ETA Gatos, com captação no córrego Jirau, não teremos água suficiente para abastecer a cidade e atrair novas indústrias”, sustenta Leonardo Lopes, prevendo o caos no abastecimento no futuro próximo, já a partir de 2022.

Quadro com a situação e projeção das outorgas (Fonte: Saae)

O argumento é só mais um sofisma entre tantos existentes no projeto, apenas uma meia verdade. É que essa projeção só irá ocorrer uma vez que Itabira abrirá mão dos poços artesianos que fornecem mais de 100 l/s de água classe especial, sem que até aqui tenha ocorrido interrupção no fornecimento.

“É uma irregularidade (as outorgas) que Itabira vive há muitos anos”, salientou o presidente da autarquia municipal. Outorga é um instrumento legal fornecido pela Agência Nacional das Águas (ANA), obtido para assegurar o direito de se utilizar recursos hídricos.

Segundo Leonardo Lopes, a ETA Pureza tem outorga de apenas 80 l/s, mas tem produzido 180 l/s, ele cita como exemplo. Ora, se o problema é resolver a falta de água no manancial Pureza, não seria o caso de captar água do ribeirão Santa Bárbara, que fica próximo da ETA, nas divisas de Itabira com João Monlevade e São Gonçalo do Rio Abaixo? Não é para essa região que a cidade se expande?

Essa foi, inclusive, uma das alternativas relacionadas pela Fundação Christiano Ottoni, da UFMG, em estudo contratado pela Vale como parte do cumprimento da condicionante 12.

Outras opções apontadas são as de captar água do ribeirão São José – e também ampliar a captação de água dos aquíferos, o que seria possível com o encerramento da mineração nas Minas do Meio e Cauê. Todas essas alternativas estão sendo descartadas com o projeto da PPP do rio Tanque.

(para saber mais acesse: (http://www.saaeitabira.com.br/images/arquivos/CONTRATOS/Proposta-PPP.pdf).

 

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