Na terra do samba e da muamba

Veladimir Romano*

A identificada hoje Comunidade dos Países de Língua Portuguesa  [CPLP], tem uma riqueza de povos, cultura e afinidades [pela experiência que carregamos de andar pelo mundo mais de meio século de vida, com residências acumuladas em três continentes]; conhecemos, nas várias ocasiões, nações ao longo do tempo histórico ocupadas por franceses, ingleses, holandeses, italianos, espanhóis e, naturalmente, portugueses.

Diferencial evidente fica desde as formas e jeito, nasceram conceitos complementares indo desde Timor, passando por Macau, ainda hoje vivendo por Diu, Damão e Goa [até Malaca], atravessando território africano e chegando ao Brasil.

Esta riqueza reside nas misturas e a salada humana evoluindo ainda com defeitos, mas evidenciando valores comuns muito raros que se foram estabilizando através das gerações. Ficaram raízes desse equiparado caráter dos povos como personalidade, sincera irmandade emocional e encaixe uns nos outros como se um povo só estivesse multiplicado em parcelas, depois espalhado pelo planeta em locais muito particulares.

Exatamente o que acontece com Angola. As últimas eleições, momento importante, tomou conta da nossa atenção e tudo de bom ou errado que vai acontecendo dentro de Angola, junto ao povo Mwangolé, afeta nossos sentidos; daqui, mais preocupações ou alívios preenchem também nossos dias.

Musseque, bairro pobre de Luanda, capital de Angola, equivalente a uma favela no Brasil

Depois das eleições com a vitória do MPLA [Movimento Popular da Libertação de Angola] vencendo com 61,7%; agora vigorosamente contestada pela oposição, em particular pelos dois partidos mais votados: a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola] com quase 27% e a CASA-CE [Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral] 10%, respetivamente; influíram restantes quatro partidos [dos oito, concorreram apenas 6].

Depois do drama e atrasos no convite aos observadores internacionais, o Governo angolano soube reverter rapidamente situações negativas e mil responsáveis chegaram na hora certa para elaborar vigilância no escrutínio eleitoral junto da CNE [Comissão Nacional Eleitoral], agora acusada de “mau serviço”, “ilegalidades”, “inconstitucionalidade”; entre outros argumentos.

O caso do desaparecimento de urnas, misturado com a chegada de outras novas recheadas de votos desconhecidos e mais irregularidades nos círculos provinciais onde praticamente o MPLA foi vencedor, se afirme que, dos 220 deputados parlamentares, o velho partido, embora perdendo 24 representantes, ficou com maioria qualificada, pois ainda assim ganhou 150 eleitos, enquanto a UNITA, segundo mais votado com 51 deputados, aumentando em mais 13 e a CASA-CE, com mais 11, chegou pela primeira vez aos 16 eleitos votação livre dos 9,4 milhões de eleitores.

Tudo ainda muito fresco destas eleições a 23 de agosto. Segundo o parecer da CNE, ganhando o MPLA na maioria dos círculos com margens respeitáveis; não impressiona nem mesmo quem nunca conheceu Angola. A fantástica máquina bem organizada, eficaz, disciplinada, mentalmente progressista; é das mais completas, incisivas, politizadas e esclarecidas não de Angola, como de todo o continente africano, somente ultrapassada pela ANC [Congresso Nacional Africano], partido de Nelson Mandela embora fundado em 1912, refundado foi no período de 1940, quando Madiba contava 22 anos.

Quem já tenha viajado a vários países africanos em momentos eleitorais, conhece a euforia, a ordem natural carnavalesca, sempre a violência verbal que mais tarde gera mortos desnecessários, desconfianças onde todos querem vencer de qualquer modo. Isso aconteceu recentemente na Costa do Marfim onde as contas não sanaram; A guerra insustentável entre Sudão-Norte contra Sul, Somália onde já foram assassinados vários ministros; acontecendo agora mesmo no Quénia onde o Tribunal Supremo mandou repetir eleições e na República Democrática do Congo, quando o filho Joseph Kabila tomou lugar do pai: Laurent Kabila, nada mais rumou certo num dos países mais ricos do mundo.

O longo historial de múltiplas nações africanas quer francófonas, ou do bem comum liderado pelos Ingleses, a CPLP, retirando bichos maus a seu tempo que andaram estragando a Guiné-Bissau e, colocando na lateral sucessivos conflitos depois das independências; a organização, embora pequena, tem demonstrado vontade imparável em se reformar, procurando evoluir, manifestando bom senso, aplicando capital em infraestruturas, convidando investidores internacionais, criando novas oportunidades.

Países como a Gâmbia com sessenta anos depois da independência ou Burkina Faso, Chade, Mali, Níger, Zimbábue, Madagáscar, entre mais uns quantos; não são exemplos onde graus de atraso incompreensíveis, tanta

ou maior corrupção exigindo merecida discussão no seio da CPLP, enquanto em outras dimensões africanas estes assuntos sejam dominados através de brutais conflitos.

Desta maneira, na terra do samba e da muamba, a energia do MPLA falou mais alto, com ou não irregularidades; e, muitas mais eleições, enquanto o povo quiser, este partido sairá sempre na frente. O povo sabe que corrupção por corrupção, entregando essa responsabilidade do poder ao MPLA, vai vendo o trem encaminhando o país, até um dia, quem sabe, seja exemplo aos demais parceiros africanos.

Angola, no tempo colonial, era apelidado de “pequeno Brasil”. O Estado Novo construído pelo ditador António de Oliveira Salazar, sempre viveu com mágoa do Brasil não ser colônia: assim, das riquezas, clima, a graça do povo, a outras afinidades; Angola, ficou no sentimento lusitano em tempero abrasileirado.

Pequenos aspetos para alguns, mas de enorme significado pela sua extensão espiritual ligando nações verdadeiramente irmãs; na CPLP, cada um seguindo seu trilho, contudo havendo sincera ligação umbilical ainda que invisível, cada cidadão não deixa estranhamente de sentir essa marcante sensação, muito do jeito de cada um, fazendo o todo, ficamos suspensos esperando que Angola siga em frente no caminho que já escolheu.

Não havendo profecias, 12 das 18 províncias, pediram recontagem de votos, entre ameaças de “impugnação”. Entretanto, ao contrário de outras comunidades africanas, não se procurou criar instabilidade ou estratégias macabras, arrastando a sociedade ao desassossego, como acontece frequentemente em África.

Deste modo, na confirmação definitiva da Comissão Nacional de Eleições, a vitória do MPLA ficou clara, tendo como novidade mais deputados ganhos pelo PRS [Partido da Renovação Social] com dois e o histórico FNLA [Frente Nacional da Libertação de Angola] de Holden Roberto, alcançando um deputado.

João Lourenço, será o próximo homem forte na liderança angolana; antigo general das tropas do MPLA na difícil luta contra Jonas Savimbi, criador da UNITA, rebelde apoiado pelos norte-americanos e sul-africanos, perdendo a vida numa emboscada.

Certamente, seguindo preceitos democráticos, Angola continuará subindo a longa escada ao desenvolvimento e, justiça seja feita, embora com problemas em torno da corrupção, o MPLA, colocou em prática muitas reformas embora sofrendo também como país exportador de petróleo da enorme sabotagem financeira; em 42 anos, a terra do samba e da muamba, evoluiu muito mais do que outras nações do mesmo continente com mais de meio século.

Ainda acumulando imperfeições, inegável fica a boa oportunidade aos Angolanos, também a todos na CPLP, criar otimismo, dando uma forcinha bacana porque o futuro não espera.

* Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-caboverdiano

 

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