Na abertura do Flitabira, secretário do Ministério da Cultura lança a escritora Conceição Evaristo para ocupar nova cadeira na ABL
Foto: Joyce Fonseca/ Divulgação
A escritora mineira Conceição Evaristo (foto em destaque), que vem a Itabira, no sábado (4), para participar da segunda edição do Festival Literário Internacional de Itabira (3º Flitabira), teve o seu nome lançado para ocupar a 41ª cadeira da Associação Brasileira de Letras (ABL), pelo secretário de Formação, Livro e Leitura, do Ministério da Cultura (MinC), o professor Fabiano Piúba, na abertura do festival.
A escritora vai receber em Itabira o troféu Juca Pato, como Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores, na terceira edição do Festival Literário Internacional de Itabira. É a primeira mulher escritora preta a receber a distinção.
Como se lesse uma carta a Drummond, pegando gancho com o tema “Arte, Literatura e Correspondências” da presente edição do Flitabira, Piúba em colóquio com o vate itabirano sugere que a ABL crie a cadeira 41, tendo como patrona a escritora Carolina Maria de Jesus (1914-77), autora do livro Quarto de Despejo, dando sequência à abertura pela pluralidade étnica e cultural na vetusta academia.
“Com a sua obra de excelência literária e interpretação do Brasil profundo que conjuga o verbo escrever e viver, Conceição Evaristo revela um tesouro nacional expresso em seus romances. Assim como é a literatura de Carolina de Jesus, a sua obra é também cheia de ancestralidade”, argumentou Fabiano Piúba, na defesa da candidata da escritora mineira à ABL.
“Sua literatura instiga a moçada escrever os seus próprios poemas, inspirando outros poetas”, disse ele, sustentando que a sua indicacao à academia sinificaga também o aquilombando da ABL ainda mais, sem mais delongas”, defendeu.
Com a indicação e futuro convite para se tornar “imortal”, a futura acadêmica vai dar continuidade à sagração da biodiversidade brasileira na casa fundada por Machado de Assis, que mesmo tendo sido branqueado pelas circunstâncias sociais da época, hoje é reconhecido como um escritor preto.
“Será, Drummond, a chegada de Conceição Evaristo na ABL uma festa na posse de Conceição Evaristo, ao lado de Ailton Krenak, recebida com o baticum de Gilberto Gil para vestir o fardão, abrindo caminho para que tantos outros escritores como Eliana Alves, Jeferson Tenório, Daniel Mundurukú, Ana Maria Gonçalves, Elisa Lucinda, Ronaldo Correia de Brito, Itamar Vieira Junior possam também chegar à academia pela excelência de suas obras literárias”, acrescentou o secretário do MinC, lembrando que Drummond, mesmo tendo sido convidado por diversas vezes, nunca quis trocar o seu tênis pelo fardão.
Cocar e fardão
Depois de tornar-se nacionalmente conhecido pelo seu discurso memorável em defesa dos povos indígenas, por ocasião da promulgação da Constituição Federal, no plenário da Câmara, em 1988, o filósofo Ailton Krenak é o primeiro escritor indígena a assumir a cadeira que estava vaga na ABL desde a morte do historiador José Murilo de Carvalho (1939-2023).
Segundo o líder indígena, a sua escolha para a cadeira vaga na ABL é reflexo de um movimento internacional mais amplo de reconhecimento da importância dos povos originários com a sua diversidade cultural. “Na Austrália, há dez anos teve o pedido de perdão aos povos nativos, que lá são chamados de aborígenes. No Canadá, o primeiro ministro quebrou todo sigilo que existia acerca da violência colonial cometida contra os povos nativos”, contextualizou o escritor, agora prestes a se tornar “imortal” com a posse na ABL.
“No Brasil temos uma ministra indígena com alta atribuição e que está começando a reparar direitos, assim como se busca dar espaço à negritude no parlamento, em um país onde o judiciário é branco como a neve, nossas instituições são ocupadas por homens brancos em sua maioria.”
Ainda segundo Krenak, a escritora Raquel de Queiroz (1910/2003) só entrou na ABL quando a instituição já havia completado 87 anos. “Só tinha homens, obviamente brancos, depois entraram mais duas senhoras e deixou de ser um ‘clube do Bolinha’. Gilberto Gil apareceu nesse cenário como uma novidade que veio da praia como no conto da sereia”, brincou Ailton Krenak em coletiva de imprensa, explicando e contextualizando a sua escolha para a ABL.
“Essa esquizofrenia histórica que nos constitui como nacionalidade, ela contraria muito o enunciado de que a arte configura o espirito de uma país, de uma nação. Porque se essa arte só tem um ator, ela não está com nada. A minha presença na ABL é um primeiro gesto de reparação (aos povos originários) de uma instituição brasileira relevante”, afirmou, lembrando o processo de branqueamento de Machado de Assis.
“Por falar e escrever bem, ele passou por um processo de embranquecimento. Hoje ele já é considerado um escritor preto. Então, estou à vontade nessa casa que deixa de ser exclusiva de brancos, passando a ser o terceiro não branco na casa de Machado de Assis”, disse Krenak, que veio a Itabira pela primeira vez. apesar de, por um erro cartorial, ter Itabira como a sua cidade natal na certidão de nascimento, “o solo sagrado da ancestralidade”.
“Eu não me esqueço onde estou, aqui em Itabira, uma das cidades mais antigas da bacia do rio Doce, que sofreu com a colonização e mantém características culturais ainda escondidas. Sei dos reflexos da grande atividade econômica na vida das pessoas, tão bem reportadas por Drummond. Todos temos responsabilidades com essa realidade, com a história da ocupação de toda essa região”, disse o futuro imortal da ABL
“Eu vivo na margem esquerda do rio Doce, na reserva Krenak, no município de Resplendor. Eu acompanho o curso do rio da minha janela e vejo o flagelo pela lama de Mariana. Não tenha dúvida do quanto me toca estar aqui em Itabira e sentir toda essa efervescência por mudanças. A literatura tem o poder de estabelecer outra ordem de experiência, como vemos aqui no Flitabira, pela diversidade de temas, pela fruição de ideias”, salientou Ailton Krenak, o itabirano de certidão de nascimento.
Potência literária
Para o jornalista Afonso Borges, idealizador e um dos curadores do Flitabira, a presente edição promete ser a mais literária e com mais fruição cultural em relação às duas primeiras.
“Essa edição é efetivamente o primeiro festival literário de Itabira, apesar de ser a terceira edição. A primeira edição fizemos virtualmente, em plena pandemia, a segunda ainda com as restrições. Nesta edição teremos um grande número de escritores que vem de fora, somados aos escritores de Itabira e da região”, comparou.
“É um festival literário em que os escritores não só fazem palestras e dão autógrafos, mas interagem com o público, com a geografia da cidade”, disse ele, lembrando que o festival busca também descobrir valores municipais, dando-lhes dimensão nacional.
Como exemplo, ele citou a apresentação, na abertura do festival, o diálogo por meio de correspondências entre Drummond e Portinari, e que por obra de estudantes de engenharia eletrônica da Unifei, liderados pelo professor Juliano Monte-Mor, com emprego de inteligência artificial, os dois aparecem, em cores, como se estivessem lendo as suas respectivas missivas de um para o outro.
Outra forma de interação do festival com a sociedade itabirana está na exposição Portinari Negro, na praça do Areão. E também essa fruição literária está nas escolas, por meio do concurso de redação, conforme ressaltou o também curador do festival, o escritor e jornalista Sérgio Abranches.
“Acreditamos que através da literatura e da movimentação cultural de uma cidade é possível superar o nosso espírito civilizado que é voraz, como disse Drummond, por querer colonizar tudo e todos. Por meio da literatura é possível romper com isso, fazendo fruir as coisas boas de nossas comunidades, tendo a literatura como força de transformação, como temos visto com alegre surpresa nas redações dos estudantes das escolas itabiranas”, aplaudiu.
Mecenas
Presente na abertura do 3º Flitabira, o diretor de Operações da Vale, Daniel Daher, em nome também do Instituto Cultural Vale, que patrocina o festival pela Lei Rouanet, disse da alegria por ver a empresa que representa patrocinar, há mais de 20 anos, a cultura em Itabira, por diversos meios e eventos.
“É uma honra patrocinar desde a primeira edição do festival literário aqui em Itabira, onde a Vale nasceu. Temos neste ano um festival mais potente, um verdadeiro circuito cultural, com uma grande livraria, tendo a literatura como vocação da cidade em destaque”, ele salientou.
Para Daniel Daher, o festival contribui para a democratização do acesso à literatura e à cultura. “Em nome da Vale e do Instituto Cultural Vale eu quero agradecer aos organizadores por esse festival que já entrou no calendário cultural não só de Itabira e de Minas, mas também do Brasil. Que seja um festival de muitos encontros e conversas inspiradoras.”
O prefeito Marco Antônio Lage também reconheceu a força e aevolução do festival literário, como impulsionador de mudanças culturais por meio da literatura e dos encontros presenciais entre escritores, convidados e itabiranos.
Segundo ele recordou, em 2021 o festival ocorreu durante uma crise muito grande com a pandemia, quando a cultura foi também fortemente atingida pelos cortes do governo anterior. “O Brasil viveu ainda um outro vírus que foi quase mortal para cultura, que foi o vírus do obscurantismo. Vencemos a pandemia e o obscurantismo nas urnas”, acentuou o prefeito.
“Hoje à tarde, neste mesmo auditório, vi a força da literatura escrita e falada, que é a principal arma para calar os tiranos. Vi crianças brincando, aprendendo e ensinando com Ailton Krenak. Sejam todos muito bem-vindos a Itabira.”
Serviço
III Flitabira – Festival Literário Internacional de Itabira
De 31 de outubro a 5 de novembro
Local: Praça do Centenário (Rua Maj. Lage, 121 – Centro Histórico)
Informações: http://www.flitabira.com.br
De ouvir dizer, o grande acontecimento com presença do Krenak foi o seu encontro com as estudantes das Escolas Municipais. Um grande encontro de gente do Brasil.
Mas é preciso tomar cuidado com o entretenimento financiado por uma empresa poluidora, poluir em grandeza até matar.
Cuidado com o “entretenimento” a cápsula neoliberal.
Se a mineradora VALE tá pagando é bom não confiar. Não é cultura, não é fazer cultural, é “entretenimento” patrocinado por uma empresa do ódio. Quem ganha?