MPMG manda a Vale parar obras da ECJ2 no Pontal por mudar a mancha de inundação sem auditar e fazer comunicação prévia
Fotos: Tatiana Linhares/ Ascom FIP-ATI
Por determinação do Ministério Público de Minas Gerais, com base em parecer da empresa de consultoria Aecom do Brasil, desde quarta-feira (11), estão mais uma vez paralisadas as obras de instalação da segunda estrutura de contenção a jusante (ECJ2) entre a barragem do Pontal e os bairros Bela Vista e Nova Vista.
A instalação dessa estrutura, por meio de um muro tubular, é medida considerada como preventiva para o caso de rompimento do Dique do Minervino e Cordão Nova Vista, estruturas alteadas a montante – e que estão sendo descomissionadas.
A decisão foi tomada pela promotora Giuliana Fonoff Talamoni pelo fato de a mineradora ter alterado a mancha de inundação, consequentemente o tamanho da estrutura a ser construída, assim como número de pessoas e residências que podem ser removidas e também atingidas no caso de ruptura de uma dessas estruturas.
Ao fazer a alteração da mancha de inundação, a mineradora simplesmente comunicou a mudança ao Sistema de Gestão de Barragem de Mineração (SIGBM), da Agência Nacional de Mineração (ANM), em 1º de abril.
Fez isso sem informar à Aecom, que presta consultoria ao MPMG, como também sem nada comunicar aos moradores e à Assessoria Técnica Independente, da Fundação Israel Pinheiro (ATI-FIP).
Em comunicado ao MPMG, a Aecom sustenta que a nova mancha de inundação disponibilizada no SIGBM não foi sequer auditada.
“Destaca-se que, em caso de revisão de mancha de inundação, os Estudos de Ruptura Hipotética deverão ser apresentados à auditoria, de forma a seguir o rito de governança previsto no Termo de Compromisso firmado junto ao MPMG”, salientou.
“Dessa forma, a Aecom recomenda que a Vale paralise todas as atividades relacionadas às obras da ECJ – Fase 02, do Sistema Pontal, até que seja solucionada a questão referente a mancha nos diques Minervino e Nova Vista”.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a mineradora Vale informa que trabalha para a retomada das atividades, que “são fundamentais para a continuidade, com segurança para a comunidade e empregados, do Plano de Descaracterização de barragens a montante do Complexo Itabira”.
Diz também que mantém diálogo com o Ministério Público de Minas Gerais e equipe técnica independente para a resolução e retorno das obras. “A Vale esclarece ainda que todas as ações tomadas estão em conformidade com a legislação vigente.”
Contestações
Pois para a ATI-FIP, a mineradora Vale não tem primado pelo cumprimento da legislação, daí a decisão do MPMG para que fossem, mais uma vez, paralisadas as obras de instalação da ECJ2.
Segundo o coordenador da ATI-FIP, Péricles Mattar, a Vale descumpriu ao menos três procedimentos obrigatórios ao protocolar a nova mancha do SIGBM: o Termo de Compromisso firmado com o Ministério Público; a realização dos estudos técnicos de ruptura para determinar a nova mancha e a atualização do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).
“O que a Vale fez foi protocolar no SIGBM uma mancha de inundação menor do que a prevista no PAEBM”, ressaltou Péricles Mattar, em reunião nesta sexta-feira (13), no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema).
“Os estudos técnicos elaborados para o PAEBM determinam a mancha de inundação considerando o pior cenário, que seria o rompimento da barragem. Para que essa mancha seja modificada, é necessário um novo estudo técnico e a atualização do PAEBM”, frisou o coordenador da ATI-FIP. “Isso a Vale não fez, desrespeitando a legislação.”
Ainda segundo ele, a Vale precisa mudar a postura e respeitar a governança estabelecida no Termo de Compromisso assinado com o MPMG, com a interveniência da auditoria técnica.
“É preciso entender e aceitar que existe um novo marco legal, tanto para a questão da Segurança das Barragens, quanto para a participação informada das pessoas atingidas nestes processos.”, salientou o coordenador da ATI-FIP.
“Temos a legislação e atores presentes, em tempo integral em campo”, complementou o coordenador, para quem a mineradora precisa iniciar um diálogo com os moradores atingidos direta e indiretamente, com vista à reparação das pessoas atingidas, ao invés de protelar e adiar, com recursos no judiciário, o cumprimento do que é sua obrigação, conforme legislação vigente.
“ Esse tipo de comportamento só tensiona a relação e onera mais o processo. Quanto antes a mineradora propor decisões mais definitivas, melhor para a própria empresa e para a comunidade, que sofre com o desgaste imenso de cada etapa da Ação Civil Pública”, explica Péricles Mattar, coordenador da ATI/FIP.
Moradores reclamam
Moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista confirmaram com seus relatos as inúmeras violações de direitos em decorrência dessa intervenção, na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente, nesta sexta-feira (13).
Todos reclamaram da poeira e do ruído excessivo com a movimentação de equipamentos no limite entre os bairros e a barragem do Pontal, além das vibrações e o insuportável mau-cheiro que exala da rede de esgoto que passa pela área da mineradora e que vem causando transtorno aos moradores há mais de 30 anos, o que tem agravado nos últimos dias.
Entre os agravos, citaram o aumento de doenças respiratórias pelo excesso de poeira levantada com a movimentação no rejeito de minério, além de transtornos mentais pelos impactos decorrentes que os moradores vêm sofrendo, sem que as medidas mitigadoras surtam efeito.
Outro impacto é a desestruturação da comunidade e da relação entre vizinhos, dividindo-os com negociações de compra e venda de imóveis em separado, desconhecendo os impactos que são coletivos e difusos.
Fiscalização e multa
Os moradores pediram mais apoio da Prefeitura, uma vez que se trata de intervenção de uma grande empresa em área urbana, com forte interferência na vida dos moradores e na infraestrutura desses bairros. “Queremos o apoio e uma presença maior da Secretaria de Meio Ambiente”, reivindicou uma moradora na reunião do Codema.
Essa intervenção ocorreu em 12 de julho, com a Secretaria de Meio Ambiente multando a Vale por desrespeitar também as legislações ambiental e urbanística do município ao demolir, sem o necessário licenciamento, residências no bairro Bela Vista – e sem que fossem adotados os cuidados devidos para esse tipo de intervenção, assim como o necessário licenciamento prévio, por se tratar de área urbana.
“Demolir muitas vezes é mais impactante que construir. Para isso é preciso ter também licença ambiental e do urbanismo. E isso a Vale não fez”, disse a auditora fiscal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Luciana Rodrigues de Paula Otoni, que apresentou o auto de infração na reunião do Codema, dando ciência oficial à mineradora da autuação, por meio de seus conselheiros no órgão ambiental municipal.
O fato constitutivo da irregularidade foi registrado pela auditora como sendo o de “realizar atividade de demolição de residências no bairro Bela Vista sem licença ambiental, prejudicando a segurança e o bem-estar da população, podendo resultar em poluição/degradação ambiental”.
Em decorrência da irregularidade ambiental, foi aplicada multa de 260 mil UPFM (Unidade Padrão Fiscal do Município), o que pode ultrapassar o montante de R$ 1,1 milhão. Multa que pode ser em dobro em caso de descumprimento, mantendo-se as demolições sem o necessário licenciamento ambiental e urbanístico.
Conforme explicou a auditora, imóveis com área superior a 500 metros quadrados demandam autorização da Prefeitura, por meio das secretarias municipais de Meio Ambiente e de Urbanismo.
Mas nada disso teria feito a empresa, que deu início às demolições como se o bairro já fosse parte de sua área operacional, sem sinalizações adequadas e outras medidas de segurança, além do necessário licenciamento.