Moro mente muito para faturar com as ameaças do PCC
Foto: Waldemir Barreto/ Agência Senado
Nada indica que o ex-juiz tenha inventado as ameaças, mas dá sim para afirmar que ele criou uma narrativa para se beneficiar politicamente
Por João Filho*
The Intercept Brasil – Em janeiro deste ano, o ministro da Justiça Flávio Dino coordenou a transferência de Marcola do presídio federal de Rondônia para o presídio federal de Brasília. O motivo foi a descoberta de um plano do PCC para resgatar Marcola, o seu principal líder. A Polícia Federal foi acionada pelo Ministério Público de São Paulo, que descobriu os planos da facção após monitorar suas ações durante anos.
Com a transferência de Marcola para Brasília, o plano foi por água abaixo. A facção, então, se preparou para o plano B: sequestrar e matar autoridades públicas para forçar a libertação ou pelo menos a transferência do seu líder para São Paulo. Entre os alvos estavam o senador Sérgio Moro e o promotor Lincoln Gakiya, o homem que lidera as investigações do Ministério Público contra o PCC.
Esses são os fatos. Agora vamos às mentiras, à politicagem barata e ao show de demagogia do bolsonarismo. Logo que saiu a notícia de que Moro seria um alvo do PCC, a grande imprensa quase que de maneira unânime afirmou que, quando ministro da Justiça, “Moro foi o responsável pela transferência para penitenciárias federais de líderes da facção criminosa” – essas aspas são da CNN Brasil.
Trata-se de uma mentira descarada e bastante utilizada durante as últimas eleições por Bolsonaro e Moro. À época, o bolsonarismo tentou de toda maneira associar Lula e o PT à Marcola e ao PCC. Embriagado pelo vale-tudo da campanha, Moro espalhou a mentira.
Moro voltou agora a espalhar a mesma mentira sem o menor pudor e conta com o suporte de boa parte da grande imprensa. Quem pediu a transferência foi o promotor Lincoln Gakiya, que virou o principal alvo dos criminosos.
Segundo o próprio Gakiya, Moro entrou na mira do PCC porque baixou uma portaria proibindo visitas íntimas aos presos no sistema penitenciário federal quando foi ministro da Justiça. Moro poderia faturar politicamente com o episódio falando apenas a verdade, mas a sua megalomania não deixou. Uma proibição de visita íntima não é tão grandiosa e midiática quanto uma transferência de presos para presídio de segurança máxima.
Mas, convenhamos, não dá pra se esperar nada além disso de um moralista sem moral. Estamos falando de um sujeito que rugiu como um leão quando se demitiu do governo fazendo graves acusações contra o presidente e, pouco tempo depois, voltou miando como um gatinho para debaixo das calças de Bolsonaro para apoiar a tentativa de reeleição deste e garantir sua vaga no Senado. O oportunismo e a demagogia barata são as principais marcas da carreira política de Moro – uma carreira que teve início dentro dos tribunais da Lava Jato.
O plano do PCC contra autoridades públicas fez com que o bolsonarismo ressuscitasse as velhas mentiras associando Lula e o PT ao crime organizado. Jair Bolsonaro reviveu em suas redes sociais as teorias conspiratórias envolvendo o assassinato de Celso Daniel e a facada de Adélio Bispo.
Seu filho, Flávio Bolsonaro, lembrou da recente visita de Flávio Dino ao Complexo da Maré no Rio de Janeiro e sugeriu que Lula e o governo estão associados ao crime organizado.
Deltan Dallagnol talvez tenha sido o bolsonarista que ficou mais ouriçado com o caso. Ele, que também iniciou sua carreira política usando os tribunais lava-jatistas, passou a fazer insinuações ardilosas sobre uma possível ligação do governo Lula com o plano do PCC em sequestrar Moro.
Moro e Dallagnol, que hoje formam o braço lavajatista do bolsonarismo no parlamento, fingem esquecer que quem tem fortes ligações com o crime organizado é a família Bolsonaro. Essa não é uma suposição ou uma forçação de barra. Essas conexões já foram fartamente comprovadas.
Flávio Bolsonaro empregou familiares do chefe de milícia em seu gabinete. Ele e seu pai fizeram diversas declarações públicas em defesa de milicianos e chegaram até prestar homenagens a um chefe de milícia. A liberação maciça de armas feita durante o governo Bolsonaro foi responsável por facilitar ainda mais o acesso do PCC às armas.
Em 2019, o MPF enviou uma nota técnica ao governo Bolsonaro afirmando que os decretos de liberação de armas facilitariam o desvio de armas para o crime organizado. Graças ao governo Bolsonaro, a “cesta básica do crime” – formada por fuzis, carabinas e pistolas – ficou até 65% mais barata. Moro era ministro da Justiça e nada fez.
Lula errou feio ao sugerir que o plano do PCC poderia ser “mais uma armação do Moro”. Mesmo se isso for verdade – nada indica que seja – um presidente da República não deve fazer esse tipo de ilação sem apresentar provas. A fala atabalhoada mostra que a comunicação é o calcanhar de aquiles do governo atual.
Em tempos de fascismo e redes sociais, não se pode levantar uma bola açucarada dessa pros adversários. Moro e os bolsonaristas se indignaram, posaram de vítimas e faturaram politicamente em cima da fala infeliz. O governo precisa resolver esse problema de comunicação ou continuará tomando bola nas costas.
O governo do PT tinha tudo pra ganhar politicamente com o caso, mas a fala de Lula virou alimento para a hipocrisia do bolsonarismo. Lula poderia enaltecer a independência da Polícia Federal e ressaltar que o seu governo não interfere em investigações, diferente do governo Bolsonaro do qual Sérgio Moro fez parte.
Lula poderia lembrar que ele próprio foi alvo do crime organizado quando foi presidente. Em 2008, uma investigação da Polícia Federal descobriu um plano de Fernandinho Beira-Mar para sequestrar um dos seus filhos. O objetivo era conseguir a sua soltura e a de Marcola, chefe do PCC.
Outro registro importante: foi durante os governos do PT que se construíram todos os presídios federais de segurança máxima – que hoje representam o maior pesadelo do crime organizado.
No caso envolvendo Moro, o atual governo Lula tem atuado de maneira exemplar. A Operação Sequaz da Polícia Federal cumpriu 24 mandados de busca e apreensão e prendeu nove criminosos envolvidos no caso. Ou seja, os bandidos que queriam matar Moro foram presos por um órgão subordinado ao ministério da Justiça do governo petista.
A PF atuou com a mesma independência que atuou nos governos anteriores do PT. Quem diz isso sobre os governos petistas não sou eu, mas – vejam só! – um ex-procurador da Lava Jato.
Em 2016, Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou: “um ponto positivo que os governos que estão sendo investigados, os governos do PT, têm a seu favor é que boa parte da independência atual do Ministério Público, da capacidade administrativa, técnica e operacional da Polícia Federal decorre de uma não intervenção do poder político”.
As ações da PF do governo atual contra o PCC mostram que essa independência continua de pé. Isso não acontecia no governo Bolsonaro, como atestou o próprio Sérgio Moro à época de sua demissão.
Ligar o governo, Lula e o PT ao crime organizado é, portanto, mais uma mentira escabrosa servida nas mamadeiras de piroca do bolsonarismo. Quem senta à mesa com o crime organizado é o bolsonarismo.
*João Filho é colunista do The Intercept Brasil.