Moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista relatam ao MPMG casos de violação de direitos pela Vale no Pontal
Por Carlos Cruz
Representantes do Ministério Público de Minas Gerais, tendo à frente a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, reuniram-se com moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista, Nossa Senhora das Oliveiras e Praia, na noite de quinta-feira (4), no salão da paróquia da igreja de São José.
O objetivo foi colher depoimentos de violações de direitos que estariam sendo cometidos pela mineradora Vale na execução das obras de descaracterização do sistema Pontal, antes mesmo do início da construção da segunda estrutura de contenção de rejeitos (ECJ), entre o cordão Nova Vista, o dique Minervino e os bairros vizinhos.
Os depoimentos serão apresentados em vídeo na audiência nesta terça-feira (9), no fórum Desembargador Drumond, na Comarca de Itabira. Com os depoimentos, os representantes do Ministério Público esperam mostrar em juízo que os impactos atingem não somente os moradores que terão de ser removidos para a construção da segunda estrutura, mas também centenas de outros que estão ao redor.
Entre as muitas violações, acentuou a promotora Giuliana Fonoff, está o direito à informação, que deve ser objetiva e transparente, sem tergiversações. “É um direito que não está sendo observado”, assegurou a representante do Ministério Público, curadora do Meio Ambiente em Itabira, com base em inúmeros depoimentos.
Atingidos
A apreensão dos moradores desses bairros se arrasta desde que este site noticiou, em 15 de março de 2021, “que residências próximas dos diques e do cordão Nova Vista podem ser removidas.” E que os moradores, já tendo os seus direitos violados, são os últimos a saber.
Saiba mais lendo aqui:
E continuam sem saber. Cobrada, a Vale prometeu que divulgaria o número de famílias atingidas até julho do ano passado. Mas isso não aconteceu.
Passado todo esse tempo, ainda não se sabe quantos moradores serão diretamente impactados com a remoção, podendo chegar a 467 casas, conforme lembrou o ativista Leonardo Reis, do Comitê Popular dos Atingidos por Barragem em Itabira e Região, citando o procurador-geral de Minas Gerais, Jarbas Soares, que teria recebido a informação da mineradora, em março de 2021
Leia mais aqui:
Para o Ministério Público, esse número pode ser muito maior, uma vez que serão atingidas por essa nova estrutura – e pelo próprio sistema Pontal – não só as famílias que terão de deixar as suas casas, mas toda a população em sua volta, por motivos diversos.
É para levantar toda essa situação socioeconômica, geográfica e cultural que a lei estadual 23.795, de 15 de janeiro de 2021, que instituiu a política estadual de proteção aos atingidos por barragens, obriga a empresa que causa todos esses impactos a pagar uma consultoria independente, escolhida pelos próprios moradores. A escolhida foi a Fundação Israel Pinheiro (FIP).
Entretanto, mesmo tendo decisão favorável em segunda instância, assegurando esse direito aos moradores, a Vale ainda não cumpriu a ordem judicial. E posterga o repasse dos valores já devidos a essa contratação.
Violações de direitos
Por não ter havido acordo extrajudicial entre a Vale e o MPMG, representando os interesses coletivos e difusos dos atingidos, para fazer valer esse e outros direitos dos moradores foi instaurada uma ação civil pública contra a mineradora.
Os testemunhos de moradores servirão de evidências e provas dessas violações de direitos. E o que se ouviu na reunião com os representantes do Ministério Público foram sucessivas narrativas de sofrimento, angústia e apreensões.
Trata-se de uma repetição de situações que já ocorreram no passado em Itabira, quando a Vale removeu moradores da antiga Vila Coração de Jesus (Explosivo), Rio de Peixe, Cento e Cinco, Vila Paciência. São, portanto, situações que violam direitos individuais e coletivos, que, por não serem reconhecidos pela mineradora, serão decididos na Justiça.
Tudo isso tem causado ansiedade e depressão entre os moradores, a maioria sem saber se vai ou não ter que sair de sua residência. É o que atormenta a moradora Luciene Duarte.
“O meu problema é a ansiedade que não me deixa dormir direito. A minha filha começou a construir em cima de minha casa para não pagar aluguel e agora não sabe se termina”, ela contou aos representantes do Ministério Público.
“Temos também as rachaduras que apareceram em nossa casa com a movimentação próxima de máquinas pesadas e caminhões”, acrescentou. “Tem poeira e um barulho interminável. E mesmo procurando a Vale, continuamos sem saber se vamos ter de deixar a nossa casa.”
Até então, pelas informações dos próprios moradores, a Vale somente está negociando a remoção de 11 residências para a construção da segunda estrutura. “É a velha tática de negociar individualmente, de dividir para dominar, colocada em prática pela mineradora também nas antigas remoções”, contextualiza Leonardo Reis.
A ansiedade, que não raro leva à depressão, é o que também atormenta o morador Tiago Ferreira, do bairro Bela Vista.
“A minha mãe tem vivido à base de medicação. A gente não consegue dormir direito e a Vale não nos dá explicações. Conversamos com os vizinhos e a situação é a mesma. Não temos mais um sono tranquilo.”
Outra moradora, Márcia Efigênia Barbosa e Silva disse que a filha, ainda pequena, desenvolveu síndrome de pânico e não se sente mais segura desde que a Vale instalou placas de aviso de risco de barragem, que é para o salve-se quem puder em caso de rompimento.
“Muitas pessoas do bairro já testemunharam como fica a minha filha quando está chovendo muito. Entra em pânico. E não adianta dizer que está tudo seguro, que ela não acredita e aponta para as placas de sinalização da Vale. Ela está com medo de tudo desabar.”
A mãe Márcia Barbosa conta que procurou a Vale pedindo apoio. Foi quando recebeu um prosaico convite para resolver a aflitiva situação da filha. “Nos convidaram para ir conhecer a Vale.”
A líder comunitária Maria Inês Alvarenga, moradora do bairro Bela Vista, narrou a situação do esgoto a céu aberto que corre na área do Pontal e que, há mais de 30 anos, atormenta os moradores sem solução. Segundo ela, fica um jogo de empurra entre o Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) e a Vale. “E quem sofre são os moradores com o mau-cheiro, com a proliferação de animais peçonhentos.”
Tremores, ruídos e poeira
Segundo depoimento de Gieser Rosa Coelho, morador da rua João Júlio de Oliveira Jota, no bairro Bela Vista, sondagens já estão sendo feitas no limite com o bairro onde a nova estrutura de contenção será instalada pela Vale. “As máquinas estão operando pertinhas de nossas casas. Provocam rachaduras, poeira e poluição sonora. Já estão rente ao muro de trilhos (que cercam a barragem dos bairros vizinhos)”, contou.
É também essa invasão e a falta de informações que atormentam Jovane Souza Campos, no bairro Bela Vista. “É de dia, de noite, de madrugada: a gente só ouve o pi, pi, pi, pi de caminhões e máquinas manobrando. O meu pai, idoso que já não sai da cama, e que não admitia falar mal da Vale, hoje nada diz. E não consegue dormir”, narrou emocionada.
“Não é só o medo de perder a casa que nos atormenta, mas também os amigos de tantos anos e que vão nos separar”, ela enumerou, como outro dano incomparável – e irreparável – que os moradores já estão sofrendo com essa incômoda vizinhança.
História que se repete
No bairro Nova Vista, a ansiedade é a mesma. Para Marinete Gervásio, é história que se repete com o sabor de farsa com muita violação de direitos.
Ela é ex-moradora da antiga Camarinha, pequeno aglomerado que existia no alto da Serra do Esmeril. habitado por pessoas simples. Esse terreno foi negociado pela Prefeitura, que era a sua proprietária, com a Vale, no início da década de 1980, para extrair a hematita encontrada no local. Até hoje a Vale não pagou a dívida com o município, tendo sido judicializada.
Saiba mais aqui:
E também não saldou a dívida social com os moradores. “A Vale não teve dó da gente. Simplesmente pegou as nossas coisas, colocou no caminhão e nos forneceu telhas e tijolos para construir a nossa casinha de quarto, sala, banheiro e cozinha. Era um cubículo, imagina a situação para quem tinha cinco filhos. Tive que dormir por muito tempo no mesmo quarto com o meu filho, que na época tinha cinco anos”, testemunhou Marinete Gervásio.
A moradora discordou quando alguém disse que a Vale teria construído as casas para os desalojados da Camarinha, no bairro Nova Vista. “Quem construiu as casas fomos nós, com o nosso suor. A Vale tirou a gente da Camarinha e jogou aqui ao lado da barragem. E agora quer tirar de novo e de qualquer maneira. Não vamos aceitar.”
O seu vizinho José da Silva Anacleto também promete resistir, ele que veio também da antiga Camarinha. “A Vale tem de ter consideração com a gente como ser humano, não estamos suportando toda essa barulheira 24 horas, dia e noite”, reclamou.
“O nosso bairro é o pior de Itabira para viver e está piorando cada vez mais”, testemunhou na reunião com o Ministério Público, que vai divulgar esses depoimentos na audiência, na esperança de a justiça ouvir o clamor desses atingidos pela mineração em Itabira.