Minas Gerais e Santa Catarina contrariam Estatuto da Criança e do Adolescente ao deixarem de exigir vacinação para matrícula em escola
Foto: Rogério Vidmanta Prefeito de Dourados
Deputada de Minas Beatriz Cerqueira (PT_MG) acionou Justiça após anúncio
Por Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil*
Brasília – O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, anunciou esta semana que a vacinação não será mais obrigatória para a matrícula de crianças e adolescentes em escolas da rede estadual. Zema postou um vídeo nas redes sociais em que comemora o fim da exigência do comprovante de vacina no ato da matrícula.
“Aqui em Minas, todo aluno, independentemente de ter ou não vacinado, terá acesso às escolas”, afirmou o governador.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT-MG) acionou a Justiça após o anúncio. “Vergonha que o governo Zema nos fez passar ao fazer uma campanha contra a vacinação”, disse, também em vídeo postado nas redes sociais.
“Já provoquei o Ministério Público e a Defensoria Pública porque precisam tomar providências. Não pode o chefe do Executivo estadual emitir posicionamento que tem repercussão negativa na campanha de vacinação no estado.”
No último sábado (4), o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, postou em suas redes sociais que nenhuma escola do estado vai recusar matrículas de alunos por falta de vacina.
“Aqui em Santa Catarina, a vacina não é obrigatória. Fica na consciência de cada catarinense exercer o seu direito de cidadão e resolver sobre isso”, disse.
Em 2023, Mello revogou um decreto que determinava a obrigatoriedade da vacinação entre os professores da rede estadual.
O que diz a lei
O Artigo 227 da Constituição e sua Emenda Constitucional número 65, de 13 de julho de 2010, citam:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), definido pela Lei número 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe em seu artigo 14: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.”
Saúde
Em entrevista à Agência Brasil, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Renato Kfouri, lembrou que, no Brasil, nenhuma criança deixa de frequentar aula porque não está com a carteira de vacinação em dia.
“Isso precisa ficar claro. A matrícula escolar é uma excelente oportunidade de checagem do status vacinal. De recuperação de atraso vacinal, de orientação de famílias sobre vacinas”.
“Ninguém penaliza as crianças duplamente, sem saúde e sem educação. Não faz sentido você deixar uma criança fora da escola e sem vacina. A matrícula escolar é uma oportunidade de ouro pra gente checar status vacinal, quem está atrasado, orientar”, disse.
Para o pediatra, os anúncios feitos pelos governos de Minas Gerais e de Santa Catarina atacam diretamente a credibilidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI), além de configurar o que ele classifica como “discussão inócua”. “Ninguém vai deixar de frequentar a escola. Isso nunca aconteceu no país e nunca acontecerá.”
“A obrigatoriedade da vacinação, segundo a nossa Constituição e o ECA, é diferente de compulsória. Ninguém deixa de ser matriculado por conta da carteira de vacina. Isso só traz problemas de confiança, problemas de desconfiança da população”, afirma o pediatra.
“É uma pena o uso político desses valores, do tipo ‘O corpo é do meu filho e ninguém mexe nele’. Completamente apelativo. Em pleno 2024, a gente discutindo se precisa ou não vacinar criança. É lamentável que a gente ainda tenha políticos fazendo uso dessa estratégia para angariar votos.”
Críticas
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, comentou os anúncios feitos pelos governadores nas redes sociais.
“Autoridade pública fazer campanha antivacina está em confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso é crime”, disse ele, durante o 1° Encontro de Evidências em Direitos Humanos: construindo futuros para todas as pessoas, em Brasília.
“Existem governadores e congressistas fazendo campanha antivacina neste exato momento em que fazemos o lançamento de uma política de direitos humanos baseada em evidência”, lamentou.
“Só quero dizer uma coisa pra completar: autoridade pública fazer campanha antivacina está em confronto com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso é crime. É bom que saibam disso. É bom que as autoridades que estão levando isso a cabo saibam que viola o ECA. É inaceitável.”
PNI
O Programa Nacional de Imunizações (PNI), criado em 1973, atualmente oferta 17 vacinas para crianças, sete para adolescentes, quatro para adultos e idosos e três para gestantes, além das doses contra a covid-19 e contra o vírus influenza. Famosas por contarem com a presença do personagem Zé
Gotinha, as ações anuais contra o sarampo, por exemplo, chegaram a bater a marca de 15 milhões de crianças imunizadas em um único dia no país.
*Colaboraram Bruno de Freitas Moura e Alex Rodrigues