Mara Abrantes, sempre carioca em “Qualquer Dia Qualquer Hora”
Cantora brasileira residia há mais de 50 anos em Portugal onde fez grande sucesso cantando Tom Jobim, Roberto Carlos e mais alguns compositores.
Veladimir Romano*
Partiu como chegou: Mara Dyrce Abrantes da Silva Santos, aos 86 anos e, certamente, se eles existem, terá então sido envolvida pela candura espiritual desses anjos pelo que ela bem merece do tanto candidamente oferecido como pessoa humana, artista do palco, da rádio, cinema, novela. E, especialmente, como intérprete-divulgadora da música ligeira e popular, quanto brasileira como portuguesa.
Mais conhecida e sempre a Mara Abrantes de todos nós, veio com grupo de teatro-musical trazendo do Rio de Janeiro peça bem divertida que logo conquistou o grande público português com “Fogo no Pandeiro” [só em Lisboa foram três meses com 21 apresentações semanais], finais de 1950.
No dia seguinte não havia ninguém que ainda não dançasse, cantarolando das peças musicais, palavras morando no ouvido, aqueles que não tinham assistido, surpresos, perguntavam «o que era aquilo…?!»; depois de saberem, no fim de semana, corriam a ver e testemunhar o eletrizante espetáculo que marcou a entrada em Portugal e no mundo artístico lusitano não só de Mara Abrantes mas do cômico Badaró.
Os dois acabariam ficando enamorados da cidade alfacinha [são os povos e a cultura responsáveis pela criação da irmandade], gostaram da experiência, logo convidados pelo Parque Mayer, na época grande centro de espetáculos do país onde os maiores agentes disputavam talentos; acabariam ficando o resto das suas vidas conquistando respeito, admiração e carinho infinito.
Mara Abrantes (1934-2021) entrou no mundo artístico vindo duma família de músicos, não estranha, acabou sendo descoberta por Ary Barroso em 1950 avaliando nova geração de jovens artistas, mais tarde e já na saída do Rio para Lisboa, angariou popularidade quando na interpretação do seu primeiro disco com “Um Tiquinho Mais”, samba-canção escrita por Hianto Almeida e Chico Anysio [gravação em 78 rpm, tinha como título “Mocambo”], deu polêmica com a Censura vigente nesse tempo.
A novidade, simpatia contagiante, simplicidade, o sotaque e a juventude da bonita mulata carioca, deixou o mundo masculino português de queixo caído. Daqui, não tardaram paixões e conquistadores para a jovem Mara Abrantes que foi ganhando cada vez mais créditos, marcando o seu pedaço de chão bem pisado com programas de rádio, televisão, teatro, cinema, novelas e, naturalmente, a gravação de discos alcançando sucessos, uns atrás de outros.
Musicais famosos hoje perdurando na memória, marcam grandeza natural duma alma contagiando alegria, bondade, fazendo diferenças, declarando guerra na solidão de muitas que projetavam tristeza nacional vendo milhares de jovens jogados nas matas africanas morrendo prematuramente numa inglória guerra sustentando o regime fascista.
Anos de 1960, 70 e ainda em 1980, já com a liberdade democrática, Mara Abrantes foi dando continuidade ao seu talento, porém, se foram descobrindo suas facetas solidárias aliviando a carga negativa que no anterior regime da ditadura projetada pelo Estado Novo salazarista. Ela, bastante discreta, garantindo assistência social a muitas das mães e mulheres casadas com jovens militares morrendo longe de casa e das famílias, se valiam dessa cobertura social, humana e solidária da cantora carioca.
Quando se tem uma alma batalhadora e solidária, fica complicado não entender o meio e Mara Abrantes, sempre muito prudente, nunca até ao final da vida deixou de ser duas coisas: carioca de gema até ao fim e prestadora de apoios sociais aos mais necessitados.
Nos derradeiros instantes duma feliz existência, não teve campanha social e humana que ela não ajudasse em apoios a quem mais precisava como no Instituto Português de Oncologia [I.P.O.], “Nariz Vermelho” [ajudando crianças com leucemia], entre outras.
Cantando Tom Jobim e mais alguns compositores, abriu a porta aos novos ritmos brasileiros trazendo valores ao grande público português [mas nunca esquecendo a velha guarda], gravando com as maiores editoras musicais da capital portuguesa, deixou essa memória bem patente.
Como agora eu vou recostar no sofá, escutar mais uma vez aquele grande sucesso dela com “Qualquer Dia Qualquer Hora” [Roberto Carlos], por que tem muito mais para escutar e assim poder ficar perto de Mara Abrantes. A gente não morre, apenas se ausenta por tempo indeterminado.
Ouça Mara Abrantes aqui.
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano
Não conheçi Mara Abrantes.
Eu também não conhecia a Mara Brantes. Gostei da versão dela para essa musica eternizada na voz de Luiz Ayrão e de autoria dos Compositores: Augusto Cesar / Sidney Da Conceicao / Lourenco. Com o tal do rei eu nunca ouvi. Graças a Deus!
Ps: Mara Abrantes.
Eu também não conhecia Mara Abrantes. Inda bem que o Romano nos iluminou.
O sentido de nação de Portugal é o fabuloso Camões, aqui não é o portentoso Machado de Assis, é a música que nos dá o reconhecimento de nação brasileira; e que nação, heim?