Mais uma homenagem em cordel ao grande gênio itabirano
Adeus, Drummond, por Gonçalo Ferreira da Silva, 1987*
Às vinte e quarenta e cinco
de dezessete de agosto
do ano corrente, a morte
deixou seu macabro posto
e matou Drummond de Andrade
nos dando imenso desgosto.
Quando o coração do grande
gênio parou de bater
edições especiais
foram ao ar para dizer
que o maior dos maiores
acabava de morrer.
Comparar Drummond com outros
de distantes regiões,
de diferentes escolas,
de diversas gerações
não posso, pois seriam falsas
as minhas comparações.
Logo após a sua morte
providencial cordel
servia de sustentáculo
a um luminosos painel
mostrando a solene entrada
de Carlos Drummond de Andrade no céu,
Para nós foi o maior
da história universal,
maior que Pablo Neruda,
que Gabriela Mistral,
maior do que os maiores,
foi um maior sem igual.
Quem como Drummond de Andrade
fez tudo com tanto amor,
quem à própria dor do mundo
deu uma original cor
talvez que tenha morrido
sequer sem sentir a dor.
Se lermos Drummond de Andrade
com alma pura e serena
veremos grande riqueza
de imagem em cada cena
e a força interpretativa
da prodigiosa pena.
Um dia ao ler um poema
dos seus, achei tão bonito
que ao me desconcentrar
exclamei: – não acredito
que alguém em carne e osso
tenha este poema escrito.
Drummond lutou toda vida
pra ser um homem comum
porém resultou inútil
pois não houve em tempo algum
alguém com o seu talento
pra dizer: houve um.
Porque em cada momento,
cada hora, cada dia
dos oitenta e quatro anos
a arte, a doce magia
de trabalhar as palavras
somente um gênio faria.
As moléculas, os átomos
como princípios vitais
serviam a Drummond de Andrade
nas vibrações cerebrais
mais harmoniosamente
do que nos outros mortais.
A cidade de Itabira
na grande terra mineira
foi berço e possivelmente
a inspiração primeira
do gênio mais avançado
da poesia brasileira.
A grandeza de Drummond
estende-se ao infinito
porque não foi provisório
pelo que deixou escrito;
morreu o homem Drummond
dando nascimento ao mito.
Daqui a séculos o homem
será capaz de jurar:
Carlos Drummond de Andrade
eu não posso acreditar
que foi gente em carne e osso
que se pudesse pegar.
Quando materialista
Carlos Drummond se dizia
era um materialismo
da forma que ele entendia
porém que existe Deus
secretamente sabia.
Pesquiso seu nascimento
com relutância descubro:
mil novecentos e dois
em trinta e um de outubro
o gênio nasceu enquanto
o Sol despontava rubro.
Nós que trabalhamos juntos
na mesma repartição
nos estúdios fonográficos,
nas salas de gravação
pude sentir a grandeza
do seu nobre coração
Descupem Mário Quintana
Ferreira Gullar também,
Lygia e Paulo Mendes Campos
Vocês escrevem tão bem…
mas Drummond não foi poeta
pra comparar-se a ninguém.
Decretou Moreira Franco
luto em caráter local.
Drummond não sendo estadista
Ulysses cara de pau
em momento algum falou
de luto nacional.
Se existe uma verdade:
Carlos Drummond não sofreu,
para morrer preparou-se
durante enquanto viveu,
talvez que até nem tenha
sentido quando morreu.
Carlos Drummond de Andrade foi um gênio?
depende do que se entende
por um gênio. Foi um santo?
do que se entende, depende
por um santo. Mais do que
por santo se compreende.
Sumia frequentemente
e o pai, em certa altura
ia procurar Carlinhos,
resultado da procura:
achava o pequeno gênio
concentrado na leitura.
Assim cresceria gênio
sempre ausente e reservado,
pelos admiradores
sendo sempre procurado,
dando em troca do carinho
um sorriso algo apagado.
A grandeza de Drummond
não sabemos descrever
pois não existem palavras
que venham nos socorrer
foi grande, mas foi um grande
que não sabemos dizer.
Convivi anos com aquela
fenomenal criatura,
só não bebi poesia
naquela vertente pura
por não possuir leveza
para alcançar tanta altura.
Em face de sua grandeza
somente adeus lhe diria,
uma vez que quem foi grande
como a própria luz do dia
ainda que pretendesse
ser pequeno não seria.
Aos oitenta e quatro anos
Carlos Drummond de Andrade
se desfez suavemente
da severa gravidade
alcançando a plenitude
da celeste liberdade
Repito: você foi grande
como a própria luz solar,
luminosidade que
ninguém pode superar,
a luz que só ao poeta
é dado vê-la brilhar.
Que seja Gonçalo ou seja
Carlos Drummond de Andrade.
Naquele pureza ingênua,
neste, a genialidade,
o poeta é um presente
de Deus a humanidade.
Quem visse a inteligência
do garotinho franzino
diria logo que aquele
prodigioso menino
não andaria escanchado
na garupa do destino.
A poesia popular
na pessoa deste autor
presta homenagem ao seu
ilustre admirador
na pátria da liberdade,
no santo reino do amor.
*Acervo de Cristina Silveira