Licença ambiental da Vale para minerar em Itabira tem pendências, mas também apresenta ganhos importantes
Carlos Cruz
Se é que vereadores, prefeito e alguns poucos segmentos da sociedade itabirana pretendem de fato, e não de ficção, no crepúsculo da mineração, fazer um balanço das 52 condicionantes gerais e duas específicas da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada em 18 de maio de 2000, é importante verificar também quais são os saldos positivos desse licenciamento ambiental.
Com a LOC, a Câmara de Mineração do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) liberou a Vale para continuar extraindo e beneficiando minério em Itabira, mediante condicionantes e outras obrigações de fazer permanentes para mitigar os impactos decorrentes.
Portanto, a aprovação da licença ambiental não significa que novas condicionantes não possam surgir, até porque a mineração é processo dinâmico e impactante, como se observa nos últimos 20 anos após a aprovação da licença ambiental.
É fato que as condicionantes resultantes da LOC não são dádivas da empresa ou dos órgãos ambientais. Foram conquistas da mobilização da sociedade itabirana na audiência pública, realizada em fevereiro de 1998, no centro cultural – e também nas etapas posteriores que sucederam às negociações.
Uma luta por direitos da velha cidade minerada que continua e que arrefece quando perde a força da pressão popular, tendo deixado de existir após a aprovação do licenciamento. E foi reiniciada após os trágicos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, desmobilizando-se na medida em que o tempo passa e outras prioridades vão surgindo.
A audiência que precedeu a LOC foi histórica pelo fato de Itabira, pela primeira vez e de forma organizada, ter perdido o medo de criticar e cobrar da mineradora Vale, de dizer o que pensa a respeito da mineração – esse incômodo que tantos impactos de vizinhança acarreta, mas que também gera empregos, impostos, royalties e oportunidades de negócios que movimentam, ainda, a economia local.
Na audiência pública, todos esses impactos foram levantados pelo público presente. E foram incluídos nas condicionantes, com as negociações que se sucederam até a licença ambiental ser aprovada, em 18 de maio do primeiro ano deste século pelo órgão ambiental estadual.
Entretanto, passados todos esses anos, anda existem dúvidas e claras evidências de que nem todas as condicionantes foram cumpridas (leia aqui). E que as ações permanentes, como o monitoramento das partículas de minério em suspensão, que chegam à cidade com a poeira vinda das minas, precisam ser aprimoradas para melhor atender às necessidades de controle e mitigação.
Outra condicionante pendente de solução trata do abastecimento de água em Itabira, que está para ser resolvida à custa de aumento da tarifa paga pelo consumidor, com a transposição do rio Tanque. Isso, quando deveria ser equacionado como parte essencial da LOC – cujo atendimento poderia ser incluído tanto na condicionante 12, como também na 52, como parte do Plano Diretor, “que deverá obrigatoriamente contemplar estudo de alternativas que assegurem a diversificação econômica do município”.
Mas se existem esses senões, que devem ser levados à Justiça pela Prefeituracaso não haja um novo termo de acerto e cumprimento do que ainda é devido, ou que serão investigados pela CPI da Câmara, ainda sem mostrar serviço e sem sequer ter sido instalada, também é fato que a LOC trouxe ganhos importantes para Itabira – e que modificaram o cenário urbanístico da cidade.
São conquistas como as já citadas melhorias nos sistemas de captação de água na cidade, inclusive com a abertura de poços profundos que suprem parte da população com água de classe especial – e que podem, lamentavelmente, serem desativados assim que viabilizada a transposição de água do rio Tanque, como consta em documento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) para justificar essa onerosa captação.
Avenidas
Outras conquistas vieram com abertura de novas avenidas. É resultado da LOC, por exemplo, a continuidade das obras de saneamento do córrego da Penha, iniciadas no governo do ex-prefeito Virgílio Gazire (1973-76), com a abertura, nessa primeira etapa com recursos próprios da Prefeitura, da avenida Carlos Drummond de Andrade.
No final do governo Jackson Tavares (1997-2000), já como parte da LOC, foi executada a segunda parte das obras do canal, no trecho que se abriu com avenida Cristina Gazire.
E no primeiro governo de Ronaldo Magalhães (2001-2004) foi executada a terceira e última etapa da canalização, com a continuidade da mesma avenida, no trecho que passou a ser designado como Prefeito Li Guerra.
Da mesma forma que o segundo trecho, esse último foi construído com recursos repassados pela Vale como compensação pela não reabilitação do córrego Conceição, ainda assoreado por rejeitos de minério à jusante da barragem. Essa reabilitação constava da LOC e foi “trocada” pela continuidade da avenida do canal da Penha, com o consentimento do órgão ambiental estadual.
Nova estação
Outro ganho urbanístico importante foi a abertura da avenida Mauro Ribeiro (foto em destaque). Trata-se de uma conquista indireta, decorrente da condicionante 44, que determinou a relocação do terminal ferroviário, que já estava sendo desmobilizado com a desativação da pera de manobras.
Com a desativação da linha férrea nesse local, a Vale restituiu ao município o terreno remanescente de 72.696 metros quadrados. Com isso, foi possível abrir a avenida, propiciando um novo e moderno centro comercial na cidade, ainda em expansão.
O investimento da Prefeitura na abertura da avenida Mauro Ribeiro foi de R$ 4,4 milhões, em valores da época. Esse recurso foi obtido com a venda de lotes remanescentes na área, tendo gerado R$ 7,4 milhões ao erário municipal.
“Com a sobra de caixa de R$ 3 milhões a Prefeitura quitou dívidas de curto prazo”, informou Ronaldo Magalhães, na ocasião. A construção da nova estação ferroviária também foi resultado dessa condicionante.
Parques e áreas de lazer
A condicionante 39 trouxe outro ganho importante para a cidade, com a construção da réplica da Fazenda do Pontal.
Passados quase 16 anos de sua inauguração, em junho de 2004, a Prefeitura ainda não definiu um modelo de gestão e ocupação permanente desse importante equipamento turístico e cultural da cidade.
O parque municipal da Água Santa também foi outra conquista importante da LOC, mas ainda não foi aproveitado adequadamente pela população itabirana.
Não se transformou em área de lazer, como também não virou ponto turístico, como um dia projetou o filósofo itabirano José Batista Martins da Costa Filho, o Batistinha, ainda no início do século passado. “No final da rua Água Santa e o poço ficaria o parque, com vistoso gramado, belas árvores, lagos, flores, coreto para a banda Euterpe.”
No mesmo artigo Ilustrada Redação, publicado em jornal da época, Batistinha também lastimou o estado de abandono que perdurava no local desde então: “É uma tristeza para o itabirano que se preza ver a decadência do legendário poço, onde todos nadávamos quando menino, hoje num estado de abandono lamentável.”
E Batistinha prossegue com a sua narrativa sobre o local, mais atual do que antes, pois a situação de degradação permanece, mesmo após a abertura e construção do parque. “Acredito mesmo que os meninos de hoje nem conhecem essa maravilha itabirana, enquanto por toda a vasta região do nordeste mineiro não há quem ignore a sua existência.”
Quadras esportivas
A LOC propiciou a abertura de outras áreas de lazer na cidade. Algumas continuam a serviço das comunidades vizinhas, como é o caso do Parque Municipal Bela Vista Campestre (Belacamp).
Nos bairros Praia e Gabiroba também existem outras áreas de lazer bem frequentadas, enquanto o Parque das Acácias, no bairro Nova Vista, rapidinho sucumbiu-se aos escombros da depredação – e nem ruínas existem mais.
Outras áreas de lazer foram abertas no Alto Pereira e também no bairro Juca Batista. A primeira é bem utilizada, já a do Juca Batista tinha uma das melhores pistas de skate da cidade, mas já não é utilizada e se encontra abandonada.
Limoeiro
Outro ganho importantíssimo da LOC foi a instalação do Parque Estadual Mato Limoeiro, em Ipoema, com sede na divisa com Senhora do Carmo. Foi uma conquista da comunidade do distrito que brigou pela preservação da mata, que, no final dos anos 1980, ia ser cortada para virar carvão.
Com a instalação da unidade de conservação, a mata da antiga fazenda Limoeiro, importante fragmento remanescente da Mata Atlântica, foi preservada com toda diversidade do bioma. É também mais um destaque turístico a movimentar a economia e a cultura do distrito de Ipoema.
A mineradora Vale também adquiriu terrenos para integrar o Parque Municipal Alto do Rio Tanque, no distrito de Senhora do Carmo – e também para ampliar o Parque Nacional Serra do Cipó, com a promessa de se instalar um portal de acesso no povoado Serra dos Alves, ainda pendente de construção.
Entretanto, mesmo com todas essas conquistas, para completar o mosaico de áreas protegidas no município, falta à mineradora cumprir o que foi acordado para efetivamente instalar o Parque Natural Municipal Ribeirão de São José.
Neste ano, a Prefeitura está executando uma obrigação da Vale, assumida e divulgada pela mineradora à população por meio de maquetes e reportagens no jornal Vale Notícias, restaurando o seu patrimônio histórico e arquitetônico, com recursos do Fundo Especial de Gestão Ambiental (Fega).
Entretanto, o compromisso de transformar a unidade em um parque e laboratório de energias renováveis (elétrica, eólica e fotovoltaica) ficou esquecido. É o que se espera para o parque, que já cumpre, juntamente com a Mata do Bispo, também adquirida pela mineradora, a função de preservar fragmentos importantes da Mata Atlântica na região.