Com CPI, Câmara enfim quer saber se a Vale cumpriu todas as condicionantes ambientais da LOC das minas de Itabira
Depois que o prefeito Ronaldo Lage Magalhães (PTB) ingressou com ações contra a Vale por perdas incomparáveis no decorrer da mineração, e reabriu outras tantas do passado ainda sem decisão final, a Câmara Municipal de Itabira também quer saber se a mineradora cumpriu todas as condicionantes da Licença de Operação Corretiva (LOC), do Distrito Ferrífero de Itabira, aprovada em 2000 pela Câmara de Mineração, do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
São 52 condicionantes gerais e duas específicas, sendo que 11 são de atendimento permanente, a exemplo do monitoramento e controle da poeira. Outra condicionante permanente, e que não se sabe se está sendo cumprida, é a de número 46, que determina que a empresa assegure técnica, financeira e politicamente a implantação e continuidade do Programa de Educação Ambiental no município.
Esse tema das condicionantes tem sido recorrente neste site (leia aqui, mais aqui, aqui e aqui). É o caso, por exemplo, da condicionante de número 12, que trata do abastecimento público na cidade – e que não teria sido integralmente cumprida, uma vez que a cidade continua padecendo com a falta de água suficiente para abastecer a sua população – e atrair novas indústrias.
Uma equipe nomeada pelo prefeito, liderada pela secretária de Meio Ambiente. Priscila Braga Martins da Costa, já está concluindo levantamento das condicionantes que não teriam sido cumpridas – e ou, das que só foram parcialmente cumpridas.
“São cerca de 12 condicionantes nessas condições”, adiantou o prefeito em recente entrevista coletiva. Na ocasião, ele revelou ter notificado extraoficialmente a mineradora, convidando-a para um acerto de contas, até mesmo para se evitar a judicialização das pendências da LOC.
Água e relocação
Para justificar a CPI da Câmara, o vereador André Viana (Podemos) citou pelo menos duas condicionantes que não teriam sido cumpridas. E ou que precisam ser cumpridas no presente. Para ele, é hora de se fazer esse balanço antes que entre a fase de descomissionamento (fechamento) das minas locais, prevista para 2028.

“Não podemos permanecer omissos. A questão da água não foi resolvida, é uma pendência que afeta toda a cidade”, relaciona.
A outra pendência surge com força, segundo ele, após os trágicos rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho.
“Precisamos verificar se cabe agora o cumprimento da condicionante 46, que trata do reassentamento de quem reside na mancha dos rejeitos”, acrescenta.
Mas não são só essas pendências, como já adiantou o prefeito Ronaldo Magalhães. Para ele, que está levando à frente a PPP do rio Tanque, se houver um entendimento judicial de que esse empreendimento é devido pela Vale, o que for investido agora para se fazer essa captação poderá ser ressarcido. “O que não podemos é ficar mais tempo parado aguardando por uma decisão judicial”, alega o prefeito.
Segundo ele, a mineração consome mais de 800 litros por segundo (l/s) de água nova, classe especial, empregados nos processos de concentração de minério e também para diminuir a poeira nas minas. Já o documento do Saae para justificar a PPP descreve o bombeamento de mais de 1.200 l/s dos aquíferos para retirar o minério das minas remanescentes no complexo.
Em cumprimento à condicionante da água (12), a Vale havia a investido, até 2006, R$ 11,5 milhões (valores da época) em melhorias dos sistemas de abastecimento já existentes, além de ter aberto mais poços artesianos nas Três Fontes e no bairro Areão. A empresa alegava que essas medidas seriam suficientes para suprir a população até que a cidade pudesse utilizar as águas disponíveis nos aquíferos, com o fim da mineração.
Para o vereador Neidson Freitas (PP), esses investimentos foram paliativos. “São penduricalhos que não resolveram em definitivo a questão do abastecimento na cidade”, discursou recentemente, ao explicar o investimento na PPP do rio Tanque. “Cabe discussão judicial (a condicionante da água) e é isso que o prefeito pretende fazer”, disse ele, que também assinou o pedido para instalação da CPI da LOC na Câmara Municipal.
O requerimento da CPI da LOC foi aprovado com apenas um voto contrário, do vereador Carlos Henrique Silva Filho (Podemos). “A Vale é aberta ao diálogo, por isso entendo que ser a CPI desnecessária. Temos livre acesso às informações da empresa”, alegou para justificar o seu voto contrário.
Doenças respiratórias
Outra condicionante pendente é a de nº 29, que determina a realização de estudos retrospectivos e prospectivos de natureza epidemiológica em Itabira. O objetivo desse estudo foi o de avaliar o impacto da poluição do ar sobre a saúde da população. Esse estudo foi parcialmente realizado em 2005, mas não chegou a ser conclusivo.

A análise epidemiológica foi realizada pelo Laboratório de Poluição Atmosférica, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Na análise foi apresentada a associação entre o aumento da poluição do ar na estiagem (clima seco) com as doenças respiratórias, conforme registros de atendimentos no Pronto-Socorro de Itabira.
“Como em outras cidades, também em Itabira as doenças respiratórias aumentam no inverno e diminuem no verão. A causa não é a poeira, mas essas doenças são agravadas ou aceleradas por ela”, acentuou o professor Paulo Saldiva, da USP, ao apresentar os resultados dos estudos epidemiológicos, na Câmara Municipal, em 2005.
O estudo sugere que se faça a análise de outras fontes geradoras de poluentes na cidade. E também que se aprofunde a relação da poeira com outras doenças cardiorrespiratórias, o que até hoje não foi objeto de pesquisa.

As consequências do aumento das doenças respiratórias recaem também sobre o erário municipal, que arca com parte do tratamento dessas doenças nos postos de saúde.
É preciso verificar ainda se foi cumprida integralmente a condicionante. É que trata da implantação do cinturão verde nas áreas de proteção mina/ferrovia/cidade.
Pelo fato de Itabira figurar entre as cidades brasileiras menos arborizadas, segundo o IBGE, a constatação é de que essa condicionante também não foi integralmente cumprida pela mineradora.
Ata da Supram
Existem outras pendências na LOC que precisam ser investigadas. Para muitos, houve também omissão do órgão ambiental estadual que desconsiderou as objeções, constantes em ata, feitas pelo ex-secretário de Meio Ambiente Arnaldo Lage, em reunião da Supram, antes de a LOC ser revalidada, em 2012.

Segundo apontou o ex-secretário, além da condicionante da água, também não foi atendida a condicionante nº 1, que trata da implantação de uma central de resíduos, que iria fomentar o surgimento de indústrias reprocessadoras no município.
Outra foi a condicionante 34, que trata da instalação das unidades de conservação. Segundo ele, não foi concluída a implantação do Parque Natural Municipal Ribeirão de São José, como falta também concluir a anexação de terras adquiridas pela Vale no povoado Serra dos Alves, com objetivo de ampliar o Parque Nacional Serra do Cipó..
A implantação do parque Ribeirão de São José inclui a restauração dos prédios tombados e o retorno do funcionamento da usina, que integraria um complexo laboratório de energias renováveis. Essas objeções não foram consideradas pelo órgão ambiental estadual ao renovar a licença ambiental para a Vale continuar explorando o minério de Itabira.
Processos judicializados
A Prefeitura já entrou com vários processos contra a mineradora. Um deles pede que se avalie o não pagamento devido pela exploração da antiga mina Camarinha, adquirida da empresa municipal Extracomil, em meados da década de 1980.

Pelo contrato recentemente redescoberto, havia clausula que obriga a mineradora a pagar percentual devido ao antigo proprietário (a Prefeitura e dois sócios privados minoritários), caso fosse extraído minério da já agora exaurida mina, que ficava na também exaurida serra do Esmeril.
Outro processo foi instaurado pelo fato de a empresa ter desativado o Parque Ecológico do Itabiruçu, na década de 1980, causando prejuízo ambiental ao município.
A empresa alega, nesse caso, que o parque foi compensado por outras unidades de conservação. E também pela construção do Centro de Educação Ambiental (CEA) na antiga chácara do Zé Sérgio (Minervino).
O CEA serviu por muitos anos para a mineradora se reunir com lideranças comunitárias, como parte de um programa de transparência e diálogo com a mineradora. E serviu, também, para realizar por muitos anos os sucessivos programas de educação ambiental que a Vale patrocinou na cidade. Entretanto, já há algum tempo, o CEA só é empregado para treinamentos internos na empresa.
Mineradora não reconhece pendências das licenças ambientais com Itabira

A Vale respondeu negativamente à interpelação da Prefeitura sobre as condicionantes, não reconhecendo as pendências relacionadas.
Para a mineradora, todas condicionantes foram cumpridas – e as que são permanentes, como a do monitoramento e garantia (sic) da qualidade do ar, estão em dia – e são continuas.
Informa ainda que a revalidação da LOC ocorreu em 2004 – e consta do processo de número 00119/1986/075/2004. Entretanto, esse processo não foi encontrado disponível digitalmente no site www.siam.mg.gov.br.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) confirma a existência do processo de revalidação, mas explica que só depois de 2012 os processos passaram a ser digitalizados, ficando disponíveis para consultas on line. “Alguns documentos estão digitalizados e outros não”, responderam a este site.
Para consultar o processo de revalidação da LOC é preciso solicitar vistas ao documento junto à Superintendência Regional de Meio Ambiente Leste Mineiro (Supram-Leste) – e a consulta deve ser feita presencialmente. A Supram-Leste funciona em Governador Valadares.
Enfim, ima luz no fim do túnel!
Já passara da hora de a Câmara de Vereadores ter tomado frente nestas histórias mal contadas pela mineradora a respeito das LOC.