Itabira precisa cobrar da Vale os dados das últimas pesquisas geológicas realizadas em seu território para planejar o futuro
Foto: Acervo Vila de Utopia
Sem acesso aos dados atualizados, município segue refém da incerteza sobre a continuidade da mineração e da viabilidade de atrair novos investimentos industriais, mesmo às vésperas de receber água em volume suficiente para diversificar sua economia
Carlos Cruz
A reinauguração da mina Capanema, em Ouro Preto, nessa quinta-feira (4) reacende o debate sobre o futuro da mineração em Minas Gerais, especialmente em Itabira, cidade onde a Vale nasceu há 83 anos.
Durante a solenidade, o presidente da companhia, Gustavo Pimenta, afirmou que há potencial para estender a operação minerária no município para além de 2042 (o prazo oficial de exaustão das minas locais, segundo o relatório Form-20, está projetado para 2041, n.r.), conforme foi informado pela Vale à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), em março deste ano.
A declaração do presidente da Vale, Gustavo Pimenta, de que Itabira ainda tem muito minério a ser explorado, reacende também as esperanças na cidade. Mas traz à tona uma cobrança antiga: a necessidade de a empresa divulgar os resultados das últimas pesquisas geológicas realizadas no município.
Minério para além de 2060
A declaração de Pimenta, embora animadora, não é inédita. Em julho de 2003, o então presidente da Vale, Roger Agnelli, já havia anunciado, em reunião na Prefeitura de Itabira, que a cidade dispunha de reservas lavráveis para além de 2060.
Na ocasião, Agnelli entregou ao então prefeito Ronaldo Magalhães um documento com os resultados das pesquisas geológicas de 2002, que indicavam um salto nas reservas conhecidas de 677 milhões para 1,135 bilhão de toneladas — um acréscimo de 68%.
Na mesma ocasião, em reunião na Acita, o então diretor de Ferrosos da Vale, José Francisco Martins Viveiros, confirmou e detalhou a declaração de Agnelli. Foi quando disse que Itabira dispunha de minério para mais de 60 anos de exploração, portanto, por um horizonte que se estenderia até 2063.
Naquela ocasião, o relatório Form-20 de 2002 informava que as minas de Itabira iriam exaurir em 2021 – e assim, sucessivamente, foi sendo alterada, alargando o horizonte de exaustão mineral.

Com base no “mais completo mapeamento geológico” realizado até então, Viveiros acrescentou que os recursos inferidos, que ainda não contavam com estudos de viabilidade, passaram de 2,8 bilhões para 3,9 bilhões de toneladas. “São as nossas reservas futuras”, celebrou o executivo.
Mais do que uma projeção técnica, o anúncio de Agnelli e Viveiros trouxe, na ocasião, esperança e alívio, como garantia para a geração de empregos e de novos investimentos privados na cidade, o que de fato aconteceu, sobretudo no setor imobiliário, com os investidores acreditando mais no futuro da cidade.
“Os limites da mineração permanecem os mesmos. Não haverá expansão das minas para além do ‘pit’ atual”, afirmou Viveiros, sinalizando que a continuidade da atividade poderia ocorrer sem novos impactos territoriais. É o que a Vale repete atualmente, embora persistam dúvidas sobre se a expansão das cavas das Minas do Meio poderá impactar bairros vizinhos, como é o caso da Vila Amélia.

O silêncio que incomoda e afasta investidores
Passados mais de 20 anos daquele anúncio de vida longa para as minas de Itabira, falta agora o que parecia ser a tônica do que viria após o anúncio de 2003: transparência.
É que a Vale, ao retornar por meio de seu presidente Gustavo Pimenta com a informação de que há potencial para seguir minerando em Itabira além do horizonte oficial de exaustão mineral, precisa agora, para não se incorrer no discurso vazio e ufanista, apresentar os dados que sustentam essa afirmação. E isso não é detalhe técnico, mas uma questão estratégica para o município.
Mais recentemente, em janeiro de 2021, o então gerente-executivo do Complexo Minerador de Itabira, Daniel Daher, anunciou um investimento em pesquisas geológicas. A promessa era clara: “A Vale vai investir, neste ano, R$ 26 milhões em pesquisa para aumentar a nossa reserva em Itabira”.
Desde então, os resultados dessas prospecções ainda não foram divulgados publicamente em Itabira.
A ausência de dados atualizados impede que o município planeje com segurança seu futuro. Empresários hesitam em investir no município, já há evidente fuga de capital, a diversificação econômica patina, enquanto a população segue refém de uma narrativa que se renova sem perspectivas reais e concretas.
O que se cobra, com mais veemência aqui neste site Vila de Utopia, é simples: a Vale precisa abrir os números das últimas pesquisas geológicas realizadas em Itabira. Sem isso, qualquer anúncio é apenas retórica.
Água, ferro e futuro, uma equação que precisa ser resolvida

A partir de 2027, com a transposição de água do rio Tanque, Itabira passará a contar com volume hídrico suficiente para receber empreendimentos industriais de maior porte. É um divisor de águas, literalmente, para a cidade. Mas sem clareza sobre o horizonte da mineração, o município não consegue atrair investidores externos com segurança e diversidade.
A água é um insumo estratégico. Com ela, Itabira pode disputar fábricas, centros de beneficiamento, polos logísticos e até uma unidade de briquete, como propôs o presidente do Sindicato Metabase, André Viana Madeira. “Temos ferrovia, rota logística, Usiminas na região. É preciso articulação entre Vale, município, estado e BNDES para viabilizar esse investimento”, defendeu.
Mas para que essa articulação ocorra, é preciso confiança. E confiança se constrói com dados, não com promessas.
Repita-se à exaustão: a Vale precisa apresentar os resultados das pesquisas que já foram feitas, detalhar os corpos remanescentes, indicar a viabilidade econômica e ambiental para que esses novos recursos transformem em reservas lavráveis sob o ponto de vista econômico e ambiental.
Ou seja, dizer, com clareza, o que ainda há sob o subsolo de Itabira. conforme, inclusive, já foi cobrado pela Agência Nacional de Mineração.
A urgência de um fórum aberto e democrático de debates
Para que essa transparência ocorra, seria interessante a Prefeitura de Itabira, até por meio da Associação dos Municípios Mineradores do Brasil (Amig Brasil), que é presidida pelo prefeito Marco Antônio Lage (PSB), promover um fórum de debates sobre o futuro da mineração e a diversificação econômica, com base no projeto Itabira Sustentável.
Para esse fórum, a proposta é ter início com a Vale apresentando à sociedade civil, setor produtivo e poder público com transparência os dados geológicos, os limites operacionais e as oportunidades de reconversão produtiva no município, inclusive a partir de áreas já mineradas e exauridas.
A Agência Nacional de Mineração (ANM), inclusive, já solicitou à empresa informações detalhadas sobre os corpos remanescentes e a possibilidade de remanejamento populacional em áreas próximas à mina Chacrinha. O município, por sua vez, também reivindica acesso aos dados, por entender que o conhecimento sobre o subsolo é essencial para planejar o presente e o seu futuro. Além disso, é direito do município ter conhecimento sobre o que ainda há em seu subsolo.
Realismo otimista e projeções futuras
Geólogos que já trabalharam na Vale em Itabira afirmam que há corpos subterrâneos de hematita entre Conceição e Periquito que nunca foram totalmente sondados. “Nas pesquisas anteriores, os furos de sonda não chegaram até o final desses corpos. Se eram suficientes para o planejamento de lavra, paravam”, explicou um deles.
Acredita-se que esses blocos remanescentes, que são reservas inferidas, podem ser viabilizados com lavra subterrânea, técnica mais cara, mas justificável diante do alto teor ferrífero e do preço da commodity.
“Sou um realista otimista. Não vai ser encontrado outro Cauê, mas pode-se ter um volume bem significativo nesses corpos remanescentes e que vão prolongar a vida da mineração em Itabira por muitos anos”, afirmou essa mesma fonte
O que está em jogo
O fato é que Itabira está diante de uma encruzilhada histórica. A cidade pode seguir sendo minerada, mas precisa saber com precisão o que ainda há para ser minerado. Pode diversificar sua economia, mas precisa de segurança para atrair investimentos. Pode se reconectar com a indústria, mas precisa de água, infraestrutura e articulação institucional.
O minério ainda se encontra em seu subsolo, restando saber se há mesmo viabilidade econômica e ambiental para a sua exploração a fundo. A água está chegando, via o TAC do Rio Tanque.
O que falta é transparência da Vale, não apenas em discursos, mas na apresentação clara e detalhada da realidade geológica de Itabira. Os dados das últimas pesquisas geológicas precisam ser revelados com precisão: números, mapas, projeções e localização dos corpos minerais remanescentes. Sem isso, o município segue impossibilitado de planejar seu futuro com segurança.
E esse futuro não pode mais esperar. Ele precisa começar agora, com ações concretas e reais que incluam o uso produtivo dos diques de barragens em processo de descomissionamento, transformando áreas antes marcadas pela mineração em polos de inovação, agricultura, indústria.
As alternativas econômicas precisam surgir tanto na cidade quanto no campo — e com urgência. Somente com essa virada pode ser evitada o que Tutu Caramujo cismava, só, na porta da venda, com a “derrota incomparável”.
Que essa sina histórica de cidades mineradas seja revertida desde já em Itabira, com coragem, transparência e objetividade, para enfim enfrentar a velha dicotomia entre “independência ou morte”.
E que essa escolha seja pela independência com transparência, para que não venha a estagnação e o esvaziamento de um município que já contou com economia diversificada antes do advento da monoindústria extrativista de minério de ferro em larga escala.
Leia também os documentos e matérias citadas neste texto:
- Relatório Form-20 de 2003
- Reportagem da Vila de Utopia sobre a audiência pública de 2021 e os R$ 26 milhões em pesquisas geológicas
- Análise sobre reservas futuras e lavra subterrânea em Itabira
- Discussão sobre mineração circular e proposta de fábrica de briquete
A prefeitura tem força política, técnica e jurídica para enfrentar a Vale?
Há um risco de conluio ou dependência política que impeça uma cobrança firme.
Os passivos ambientais (poeira, degradação do solo, impactos na água) e os traumas de desastres como Brumadinho e Mariana criaram uma dívida histórica, moral e social que vai muito além das compensações financeiras ou dos impostos pagos. A relutância em compartilhar dados cruciais como os geológicos pode ser vista como mais uma manifestação desse desequilíbrio de poder, onde a empresa controla a informação e, portanto, controla o futuro possível da cidade.
Itabira precisa de grande advocacia para se defender desse cancro que é a mineradora.