Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos é marco histórico da escravidão em Itabira

Após concluída as obras de restauro da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, uma missa em ação de graças celebrada pelo bispo da Diocese de Itabira/Coronel Fabriciano, dom Marco Aurélio Gubiotti, festejou a sua reinauguração com grande participação popular.

Dom Marco Aurélio destacou a importância da igreja para os católicos e como patrimônio histórico (Fotos: Carlos Cruz)

Mas por pouco, as guardas de marujos foram impedidas de ingressar com os seus batuques em seu interior. “Quiseram nos impedir, mas falamos alto e avisamos que se não deixassem iríamos invadir”, disse um congadeiro, insatisfeito com o tratamento recebido. “Esta igreja é nossa”, protestou.

Depois do pequeno entrevero na porta da igreja, todas as quatro Guardas de Marujos presentes na reinauguração puderam ingressar e festejar a padroeira. “Viva Nossa Senhora do Rosário, protetora dos pretos.”

A dimensão da celebração e o festejo foram maiores que a reforma. Entretanto, a pompa e a circunstância da inauguração se justificam pela grande mobilização dos católicos e defensores do patrimônio arquitetônico e histórico que antecedeu à reforma.

Guardas de Marujos celebraram a padroeira no interior da igreja

Isso pelo temor de que a igrejinha, que remonta à colonização do município em meados do século XVIII, viesse literalmente cair ao chão. A igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos é o único patrimônio histórico tombado em Itabira pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan).

Precaução

O temor era exagerado, conforme explica o secretário de Obras, Ronaldo Lott. “No início do ano fizemos uma vistoria e detectamos que não havia danos estruturais, mas sim aparentes. Uma telha deslocou e a água infiltrou, corroendo a madeira de uma cinta do esteio e também o revestimento de alvenaria. Por precaução, foi colocado um escoramento, causando uma imagem muito ruim”, conta.

Detalhes artísticos precisam ser restaurados: campanha continua

Para fazer a reforma, a Prefeitura disponibilizou a mão de obra, por meio da Itaurb. Uma campanha conseguiu obter os recursos necessários para a compra do material empregado na reforma. Estima-se que no total a reforma tenha ficado em R$ 98 mil, incluindo a participação da Itaurb com a mão de obra.

A cor bege antes existente foi substituída pelo branco, mantendo-se o vermelho colonial nos pilares de madeira, conforme foi sugerido pelo Iphan. “Como havia pó de minério depositado nas calhas, causando entupimento e a consequente infiltração de água, será preciso fazer a limpeza pelo menos uma vez por ano, para que não cause novos danos”, recomenda o secretário de Obras.

Restauro estrutural

Nos últimos anos, várias intervenções foram feitas na igreja. A mais importante foi realizada em 1992, com uma reforma estrutural e restauração dos elementos artísticos pelo artista João Batista Letro de Castro, o Marzagão, falecido recentemente. E, como na reforma de agora, também participaram os operários da Itaurb.

Ronaldo Magalhães, prefeito de Itabira, na reinauguração

“Foi a reforma estrutural mais abrangente já feita na igrejinha, com a troca de todo engradamento do telhado, pintura geral e imunização, além da substituição da rede elétrica, piso e alguns pilares. A restauração da pintura artística ocorreu em todo o forro e altares”, relembra o engenheiro Altamir Barros, que acompanhou a reforma na época.

História

Com a igreja reformada, padre Márcio Soares considera importante resgatar a história da igrejinha, reconhecendo-a como uma obra construída pelos escravos, que sofriam discriminação dos brancos.

Padre Márcio quer resgatar a história da igreja

“Na época da escravidão, era comum os brancos assistirem a missa na parte em frente ao altar, enquanto os negros ficavam nos fundos ou do lado de fora. Daí que eles decidiram construir a sua igreja, assim como ocorreu em outras cidades históricas”, confirma o pároco da igrejinha.

“Pelo que fiquei sabendo, alguns dos escravos que construíram a igreja nas primeiras décadas após a fundação de Itabira, foram sepultados em seu interior, mas isso precisa ser confirmado em pesquisas”, sugere.

Padre Márcio pede também que a comunidade católica se mantenha mobilizada para restaurar os elementos artísticos e também reformar o seu altar. “Não nos abandonem, precisamos da ajuda de todos vocês para essa tarefa”, conclamou.

Tristeza e alegria

O bispo dom Marco Aurélio Gubiotti destacou a importância da mobilização comunitária pela restauração da igrejinha. “Temos aqui um templo que é testemunho vivo de nossa história. Porém, para nós católicos é um patrimônio de fé, um patrimônio eclesial”, disse ele, reconhecendo que isso não nega o seu valor histórico e cultural. “Para nós, essa igreja testemunha que nossos antepassados eram pessoas de muita fé.”

Coral da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade

Dom Marco Aurélio conta que assim que se tornou bispo há quatro, ao chegar a Itabira, ficou triste ao ver a igreja fechada e com risco de ruir. “É a primeira vez que participo de uma celebração aqui. Quando eu cheguei a Itabira, ela estava interditada. Eu passava aqui em frente e olhava com tristeza”, relembrou, ressaltando também a importância da mobilização em torno de sua restauração. “Tudo isso é motivo de muita alegria e contentamento.”

 

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4 Comentários

  1. Coisa mais triste isto de querer impedir os grupos de entrar na casa deles a fazerem suas oferendas e orações.
    O documento de 1807 deixou bem claro de quem seria o uso da Capela do Rosário.
    Ainda bem que os participantes das marujadas foram perseverantes e não abriram mão de participar da reabertura da igreja deles.

    Volto a frisar como disse um primo: -os brancos deixaram cair a igreja deles, agora deixem os pretos cuidar da deles.

  2. Sem deixar de lembrar que a igreja, naquela época, era a única manifestação religiosa permitida aos escravos e seus descendentes, qualquer outra era severamente reprimida, e já na maior e principal igreja de Nossa Senhora do Carmo, onde hoje é Catedral, os escravos e ex escravos, os chamados libertos ou forros, eram proibidos de frequentar Nave, não podiam estar pertos ou próximos de seus antigos senhores. não é que isso fosse algum tipo de segregação, era pré conceito puro mesmo, que somente foi remediado com a autorização da construção de suas próprias igrejas, as congregações. Conseguiram estar cultuando a Deus, como faziam os brancos.

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