Idoso é encontrado morto ao lado de um pé de limão

João Vitor Leite Pessoa*

Era um pé de limão surrado, coberto no amarelo do tempo e no odor do abandono. Há muito criara raízes perto da fazenda de Seu Denário, um senhor amargurado e igualmente amarelado, com rugas que escreviam a história da vida em seu rosto.

Os limões antigos e ressecados pareciam ganhar décadas com o toque do velho, meio homem meio livro, que arrancava as frutas com dificuldade dia após dia.

Talvez o azedo do homem enrugado passava a cada toque para os redondos, que só então ganhavam o gosto de um quase limão. Seu Denário era um homem amargurado…

Tinha raros, não, nenhum amigo. Seu único cultivo foi seu limoeiro cinza e encurvado, cujos limões mal puxavam a boca ou arrancavam uma careta ou torcida de nariz. Era um azedo. Azedo sem gosto ou sentimento, embrulhado nas fibras murchas de um dito limão.

Seu Denário um dia acordou verde. Levantou da cama suja e tateou ao redor do quarto rústico de madeira. Foi ao banheiro, a respiração pesada, se olhou no espelho e caiu pra trás de espanto ou ansiedade. Machucou o quadril. Levantou.

As mãos nas costas e a boca cheia de murmúrios de dor. 78 anos, sem filhos, mulher ou companheiros, não havia a quem ligar ou recorrer. Era um senhor realmente amargurado…

Saiu pela porta, os pés descalços e caludos no chão gelado, andou lentamente em direção ao jardim, ainda com as mãos nas costas e a boca de dor cheia de dentes.

Estava já na grama, também verde, procurou e andou até o pé de limão. Com custo foi chegando cada vez mais perto, buscando por um galho amigo e um apoio para seu tronco encurvado.

Estendeu um dos braços e cumprimentou o limoeiro, que ficou em silêncio. Dobrou as pernas bambas e sentou-se ao lado da árvore.

Se lembrou então de cada uma de suas rugas, e sentiu saudade de quando essas ainda não existiam e seu azedo era um pouco menos verde.

Aos minutos foi fechando os olhos, diminuindo a respiração e pendendo a cabeça para frente. Seu Denário era um homem amargurado…

Morreu ali mesmo, segurado por um pé de limão surrado, coberto no amarelo do tempo e no odor do abandono.

*João Vitor Leite Pessoa, 17 anos, 1º lugar no 1º Concurso Literário Faces do Médio Piracicaba, categoria Crônica

 

 

Posts Similares

1 Comentário

  1. João Vitor, já é um escritor e como isso é bom.
    Continue João, não pare e nos dê um livro cheios de limões azedíssimos ou levemente azedo, mas sempre ácidos.
    Parabéns de uma velha enrugada e azedinha como uma mexerica.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *