Gilson Silveira, percussionista itabirano residente na Itália, conta um pouco de sua trajetória antes de fazer show com Titane no ViJazz
Fotos: Divulgação
O itabirano/ipoemense Gilson Silveira, talentoso percussionista brasileiro, reside na Itália há 38 anos, atualmente em Turim. A sua carreira artística no continente europeu é marcada por acompanhar grandes músicos, com apresentações em diversos países do velho continente, como também em turnês pela América Latina e parte da Ásia.
Silveira é fundador da Mitoka Samba, a primeira escola de samba da Itália, com sede em Milão, além de ministrar aulas em diversas outras instituições. Foi professor na Nuova Accademia di Musica Moderna (MANM) e CPM de Milão, Centro Didattico Musicateatrodanza e no Centro Professioni Musica (CDM), em Rovereto, também na Itália.
A sua história de sucesso inclui shows com os grupos Pontaleti, Jacaré Amorim, com o percussionista senegalês Mamur Eliname. No Brasil já gravou com Sandra Reis, Titane, Gilvan de Oliveira, Carl Clives, Oscar Castro Neves, Maurizio Tizumba, Marcelo Diniz e outros.
Em 1983 frequentou curso de percussão e teoria musical na Escola de Música de Minas (de propriedade de Milton Nascimento), com o maestro Paulo Sergio Santos, do Uakiti.
Em 1982/83 realizou pesquisas sobre a história da música em alguns estados do Norte e Nordeste do Brasil. No mesmo ano começou a colaborar com algumas companhias de teatro, entre elas Calabar, de Chico Buarque, acompanhando uma turnê em 1983.
Seu trabalho artístico é reconhecido por sua habilidade e paixão pela música, como grande e eclético percussionista que ele é, o que pode ser comprovado no show que fará em Itabira com a amiga Titane, acompanhados de músicos convidados, no Festival ViJazz, domingo (25), a partir de 15h, na concha acústica Norberto Martins, no Pico do Amor. Imperdível.
Mas antes saiba mais sobre esse importante músico itabirano lendo esta entrevista que Gilson Silveira concedeu a este site Vila de Utopia. Confira. (Carlos Cruz)
Como foi que você começou a sua carreira artística como percussionista?
Foi uma coisa muito natural, ainda em Ipoema, onde eu nasci. Lá eu já batia umas latas. Depois acompanhei um grupo de Congado na Festa do Rosário e me empolguei. Foi assim o começo de tudo, um primeiro amor, uma atração forte.
Quando eu me mudei para Itabira, no início da década de 70, eu vim antes de minha família se mudar de Ipoema para cá, morei um tempo com a minha avó.
Fui estudar na Fide (Fundação Itabirana Difusora do Ensino). Lá o irmão Cristino dirigia um coral de crianças e um dia ele me perguntou se eu tocava pandeiro. Ainda não tocava, mas respondi que sim. Foi acompanhando esse coral que comecei a toca pandeiro e cantar com o coral.
Depois, vendo que dava conta e gostando do pandeiro, fui aperfeiçoando e acompanhando outros músicos de Itabira.
Mais adiante, em 1978 fui para Belo Horizonte continuar o estudo, primeiro no Colégio Estadual, depois num curso de Edificações. Eu formei, mas nunca exerci a profissão. Na verdade, eu queria fazer Arquitetura, mas desisti antes de fazer o vestibular da UFMG.
Já estava comprometido com a música.
Estava começando a perceber que a música era o meu “negócio”. Em BH eu conheci Gilvan de Oliveira (exímio violonista), ele morava com uma turma de Itabira. Comecei a frequentar o apartamento deles. Fui apresentado por Cassinho (luthier itabirano), pelo Xilaudo, Jaime Guerra.
Gilvan vendo que eu tinha jeito para a percussão, ele me convidou para acompanhá-lo com um surdo em um show que fez em Itabira, no Valério do Pará. Aprendi a tocar surdo tocando. Eu o acompanhei nesse show em duas músicas, um samba e o choro Brasileirinho. Foi daí que nosso contato foi aumentando e aprendi muito com ele.
Em BH, como você foi se enturmando no meio musical e fazendo shows?
Antes de fazer o curso de Edificações, eu estudei no Colégio Estadual, onde conheci o Márcio, outro violonista da “pesada”, jovem como eu. E comecei a acompanhá-lo nos shows que ele fazia na noite belorizontina.
Em 1983 eu fiz um curso de percussão e teoria musical na Escola de Música de Minas (de propriedade de Milton Nascimento), com o maestro Paulinho Santos, do Uakti. Com ele eu aprendi a ler escrever música, fiz aula teórica e prática.
Paulinho começou a me convidar para acompanhá-lo em seus shows antes do Uakti, foi uma grande aprendizagem.
Logo em seguida, Maurício Tizumba também me convidou para acompanhá-lo em seus shows, com quem aprendi muito, foi outra grande escola para mim. Eu tenho quatro pessoas que me influenciaram muito: Gilvan de Oliveira, Maurício Tizumba. Paulinho Santos e a Titane.
Sempre que eu retornava ao Brasil, o Tizumba organizava o que ele chamava de Gilson Day. Convidava os amigos músicos, alugávamos um espaço em Belo Horizonte e fazíamos shows. Aprendi muito com ele e ficamos amigos.
E com a Titane, como você começou a acompanhá-la?
Eu conheci a Titane por meio do Gilvan, que dirigia os seus shows. E ele começou a me chamar para tocar com ela, o que fazemos até hoje. Fiquei em Belo Horizonte até 1986 aprendendo muito com esses músicos.
Como foi e quando você resolveu mudar para a Itália?
Eu já estava em BH vivendo da música, quando em outubro de 1985 fui convidado por uma cantora belorizontinha, a Marta Helena, para acompanhá-la em uma turnê na Europa. Ela morava em Milão.
Fui e acabamos nos desentendendo por motivos diversos. Mas gostei tanto da Itália que rasguei a passagem de volta, joguei no lixo e por lá fiquei. Era para ficar três meses, já estou há 38 anos residindo na Europa.
Foi fácil se adaptar na Europa? Onde você morou primeiro?
Milão. Na Itália os dois primeiros anos foram muito complicados, mesmo porque eu estava na condição de clandestino, sem visto de permanência. Só quando me regularizei, foi que a minha vida por lá e a carreira musical começou a melhorar.
Depois você se casou com a Laura, que é italiana. E naturalizou-se?
Não, o meu passaporte continua sendo brasileiro. Como naquela época estava chegando muitos estrangeiros na Itália, o governo resolveu fazer uma anistia.
Foi quando eu passei ter visto permanente. Eu não casei oficialmente com a Laura, com quem convivi por 26 anos, tivemos um casal de filhos, a Sofia, hoje com 29 anos e o Eduardo, com 26 anos.
E como tem sido a sua vida artística na Itália. Hoje você está morando em Turim?
Sim. A Laura morava lá e depois de algum tempo, depois que começamos a namorar, eu mudei de Milão para Turim, onde vivo até hoje.
Naquela época a economia italiana estava no auge e trabalhei muito tocando em bares e casa noturnas. Eram muitas as propostas de trabalho.
Por um ano e meio eu toquei numa casa brasileira de shows, bem no centro de Milão, antes de mudar para Turim. Toquei acompanhando muitos músicos brasileiros e cubanos. Foi um tempo de muita efervescência.
Depois, ainda em Milão, passei a dar aula de percussão em uma escola de música italiana, uma escola de jazz e música pop, quando tive contatos com músicos de diferentes nacionalidades e gêneros musicais, além da música brasileira, que sempre desperta grande interesse.
Isso foi no final dos anos 80, quando teve grande fluxo de músicos brasileiros chegando na Itália, como também cubanos, africanos, músicos da América Latina, do Caribe, com cada um trazendo a sua contribuição.
Eu fiquei em Milão até 1993. Um ano antes eu conheci a Laura, que morava em Turim, são 130 quilômetros de distância. Ia sempre para lá até decidimos morar juntos. Ela não queria vir para Milão, fui para Torino, onde resido até hoje.
Foi aí que depois de Ipoema/Itabira, BH, Milão, você virou do mundo…
Fiz turnês por toda a Europa, viajava muito, quase não parava em casa. Em 1988 fundamos uma escola de percussão, o Mitoka Samba, que ainda existe.
Dirigi a escola por uns 15 anos, ela ainda existe, quem a dirige é um ex-aluno meu, fizemos uma associação cultural, alugamos um local para ser a sua sede em Turim.
Virou um espaço de cultura brasileira muito frequentado, com roda de samba, capoeira e muitos shows, festivais e até curso de português. Muitos brasileiros frequentavam, mas maior do público era de italianos.
Como eu disse, nessa época a economia na Itália estava muito boa, até vir a Operação Mãos Limpas, que desmantelou a economia, o país tomou outra direção econômica. Antes havia muito investimento em cultura.
Você ficou restrito à Europa ou fez turnês também por outros continentes?
Percorremos a Europa toda, acompanhando músicos italianos, espanhóis, também por países da América Latina, por uma parte da Ásia.
Eu morei um ano e meio na Espanha, em Madri, onde acompanhei o violonista Miguel Bosè, a mãe dele é italiana. E o pai espanhol foi um dos maiores toureiros da história da Espanha.
Acompanhei também o artista porto-riquenho, o José Feliciano, inclusive no Festival de Sanremo (famoso Festival Della Canzone Italiana, considerado um dos eventos musicais mais importantes do mundo e talvez o mais relevante da Europa, n.r).
Você conheceu Paco de Lucia na Espanha?
Conheci numa situação muito interessante. Como eu disse, estava acompanhando a turnê de Miguel Bosé e tivemos uma pausa em Madrid e fui almoçar com o baterista do grupo.
Foi quando ligou uma pessoa, um violonista, dizendo que queria encontrar com ele. E convidou a gente para passar em um estúdio, onde estava gravando.
Chegamos lá e de cara eu não o reconheci. Ele estava com um boné e tinha deixado crescer a barba. Assim que acabou a mixagem, acendemos um “cigarro” e ficamos conversando por muito tempo.
Foi muito agradável conhecer esse grande músico, morto precocemente no México, onde estava morando. Eu antes só o conhecia pelos seus CDs, com ele interpretando magistralmente o flamenco. Quem me aplicou a música dele, ainda no Brasil, foi o Cassinho, hoje grande luthier itabirano.
Da Espanha você retornou para a Itália?
Eu tinha a opção de continuar na Espanha, mas com filhos pequenos na Itália, resolvi voltar. A vida na Espanha estava muito boa, mas eu estava com a vida também muito organizada na Itália.
Voltei também para acompanhar os meus filhos pequenos com a Laura. E por lá estou até hoje, agora separados.
Você tem gravado em um de seus CDs uma composição que se chama Ipoema, como foi essa inspiração?
Na verdade, essa composição não é minha, é do Roberto Taufic, um violonista muito bom de Natal que também mora na Itália. Ele me disse que compôs a música pensando em mim. E pediu para eu dar o nome.
Ao ouvi-la, lembrei-me de Ipoema, minha terra natal. É uma música bucólica, como é Ipoema. Sugeri que se chamasse Ipoema, ele gostou do nome, achou poético e assim a música passou a ser chamada. Está gravada no CD que eu gravei em 2000.
Você sempre fala que gostaria de fazer um show em Ipoema. Por que isso ainda não aconteceu?
Por falta de oportunidades, mas ainda tenho esse sonho, quem sabe no ano que vem esse show acontece. Mas não pretendo só fazer um show. Quero também ministrar algumas oficinas de percussão. Eu nasci lá e continuo muito apegado emocionalmente a Ipoema.
Esse CD de 2000 é só instrumental?
Não, tem outras composições com letras, também cantada. Uma das músicas em compus em homenagem a minha mãe Dalma, chama-se Para lá daquela Serra.
Vamos tocá-la domingo em Itabira, no ViJazz. É um aboio (canto típico da cultura nordestina, da região do sertão. Os vaqueiros utilizam dessa técnica vocal para comunicar e conduzir o gado sertão afora na forma de canto, n.r.). É um diálogo imaginário com a minha mãe.
Quantos CDs você tem gravado?
São três CDs e um DVD gravado ao vivo, estão todos no meu canal no Youtube e também tem alguma coisa no Spotify.
E o que o público pode esperar do show que você vai fazer com Titane no domingo, no ViJazz?
Vai ser um show autoral, metade com as minhas composições e a outra metade com as canções que a Titane interpreta. Vamos nos apresentar acompanhados dos músicos Rogério Delayon no violão e o Cléber Alves, no sax soprano.
Conte como foi que você e a Titane foram incluídos na programação do ViJazz?
Foi um convide de Marco Antônio (prefeito de Itabira). Um dia ele se encontrou em Belo Horizonte com Ângelo Durval, marido da Titane, e me ligou dizendo que gostaria de promover um show nosso em Itabira. A oportunidade surgiu agora. Eu fiquei muito feliz com o convite.
É para mim, antes de mais nada, uma oportunidade de tocar em uma cidade que me pertence. Para mim é muito importante voltar como músico depois desses anos todos sem tocar em Itabira (Gilson já tocou algumas vezes em Itabira com a cantora Titane e também acompanhando o violonista Gilvan de Oliveira, n.r).
Depois, na quarta ou na quinta-feira, ainda tenho de confirmar, vou fazer uma oficina de percussão na pracinha do Pará.
Tem uma turma muito boa de percussão em Itabira, ex-alunos e alunas de Juninho Ibituruna.
Eu conheço o Ibituruna. Ele foi meu aluno numa oficina em BH. Vai ser muito divertido encontrar com essa turma na pracinha do Pará, que eu frequentava muito no tempo do bar do Nilo.
Na pracinha eu toquei muitas vezes acompanhando o meu amigo Nandy Xavier (músico itabirano, falecido recentemente, n.r). Vamos homenageá-lo no ViJazz.
Acesse a página de Gilson Silveira no Youtube aqui:
https://www.youtube.com/@gilsonsilveira310