Chorografia mineira – Município e Comarca de Itabira

Mauro Andrade Moura

revisão – 5ª parte

A Chorographia Mineira, da parte de Itabira, foi-nos legada pelo Monsenhor Júlio Engrácia nos idos de 1897 como correspondente do “Archivo Mineiro”.

Cidade – sua posição – história

Sequência 

“O povoado foi levado à freguesia em 1827. Foi nessa época que achando-se já forte e tendo alguns acumulado fortuna nas minas (de ouro), sendo tradicionais Cap. Thomé, João Francisco (de Andrade) e Major Paulo, determinaram fazer boa matriz (igreja católica), pois que a existente era incômoda. Os membros da comissão organizada, que foram os principais do lugar, dissentiram sobre a localidade, querendo uns que fosse no alto que domina a cidade atual, outros que em baixo. Venceram estes, e colocaram a matriz debaixo de um barranco, em tudo pior do que se fora no alto, exceto na comodidade da presença dos fieis. 

Documento “Ouro em pó, de 1842: decreto provincial determina que quando a paróquia de Itabira tiver ouro em pó que seja vendido sob o controle governamental de Ouro Preto (Fotos: Miguel Bréscia e acervo de Mauro Moura). No destaque, o casarão da ponte, no bairro Penha (Foto: Acervo O Trem Itabirano)

Deram começo; mas só depois de muitos anos foi concluída pelo 3º Vigário Mons. Felicíssimo do Nascimento, que ainda tomou posse e funcionava na velha, sendo esta desfeita depois e, em seu lugar, construído o cemitério paroquial. Monsenhor encontrou a nova matriz apenas coberta; e auxiliando por amigos generosos e dedicados, dos quais ainda existe o venerando G.M. Custódio Martins da Costa. Por suas relações e posição políticas e pelo povo que nisto foi e tem sido incansável, pode coloca-la no ponto em que se acha.”

Temos aqui o princípio do desenvolvimento populacional e econômico de Itabira. Nessa época, as forjas do Jirau já funcionavam, com sua elevação primeiramente à freguesia (1827), quando uma localidade passava a ter sua própria paróquia e assim foi a separação da paróquia de Santa Bárbara, antiga paróquia de Santo Antônio do Ribeirão de Santa Bárbara.

Interessante notar que havia uma pequena igreja. Pela descrição, deveria ser pouco maior que uma ermida ou mesmo uma capela, considerando ainda que a ermida de  Senhora do Rosário dos Pretos de Itabira havia sido reformada e ampliada ao tamanho que conhecemos hoje por volta de 1790 conforme já divulgamos documento histórico aqui neste site Vila de Utopia.

Antiga e histórica catedral de Itabira foi literalmente tombada ao chão pela incúria dos homens de preto e da Vale

Em alguns registros históricos, no arquivo que se encontra em poder da Diocese de Itabira e no Arquivo Histórico de Itabira, constata-se que o Cemitério do Cruzeiro, aquele ao alto da antiga cidade, teve seu lançamento de abertura com venda de quotas aos fregueses paroquiais em 1850 pelo Comendador Casemiro Carlos da Cunha Andrade, que juntamente com o G.M. Custódio Martins da Costa, era genro do Major Lage.

O primeiro cemitério da cidade foi o da igrejinha do Rosário e o segundo o da Confraria de São Francisco, que ficava defronte à igreja da Saúde. Entretanto, esses cemitérios tinham pequena dimensão territorial a receber tantas urnas funerárias.

Não encontramos o registro a respeito da doação ou cessão do terreno para a construção da nova matriz. Porém, considerando a sua posição de forma contígua ao sobrado do Major Lage, pensamos que o terreno fora doado pelo antigo mecenas local.

Posteriormente, essa matriz foi alçada à Catedral, em 1965, com a criação da Diocese de Itabira e Coronel Fabriciano, com a divisão da Arquidiocese de Mariana, primeira diocese  criada em Minas Gerais, nos idos de 1745, dividida que era da diocese do Rio de Janeiro.

Infelizmente e em decorrência dos malfeitos de mentes atrofiadas, Itabira perdeu parte significativa de seu patrimônio histórico e arquitetônico. O que temos hoje no que chamam de patrimônio histórico virou uma baiúca, uma biboca construída sem nexo com os demais sobrados ao redor,desfigurando totalmente aquele largo municipal.

É onde ostenta o obelisco comemorativo ao centenário de emancipação de Itabira, mesmo que em data equivocada: consta ser 1948 e não 1933, como já foi citado em capítulo anterior dessa crônica memorialística.

Traçado

“É uma extensa e tortuosa rua que segue ao longo da estrada, que leva do Norte à capital donde dista 120 km (Belo Horizonte já existia na altura), desde o bairro chamado Campestre (por conta do córrego do Campestre que desce do que resta do Pico do Cauê) até outro de Areão, distancia 2 km bifurcando-se, no centro, em duas, uma que dá saída a Leste e outra a Oeste, caindo perpendiculares à primeira.”

Portanto, a cidade surgiu a partir do córrego do Rosário e sua junção com o córrego do Campestre, donde se extraía o ouro de aluvião nos primórdios de 1700. Subiu a Norte pela atual rua Santana chegando ao bairro do Campestre e seguiu a Leste originando a atual rua Tiradentes, antiga rua Direita, subdividida nas ruas Dr. Alexandre Drummond e Água Santa. Dali sobe e chega-se ao bairro Areão, atual bairro Américo Gianete.

O traçado do centro histórico seguiu a curva de nível

“Foram estas ruas formadas pelas estradas ou por ocasião das mesmas, provavelmente em vista de posição comercial. Também a topografia não permite larguezas de construções por precipitada e acanhada, pois nem a freguesia nem a Municipalidade tem patrimônio público onde se possa construir, em embargo de licença de particulares.”

Desconhecia o Mons. Engrácia a maneira como os portugueses ocupavam e iam abrindo as vias públicas. Os antigos itabiranos simplesmente respeitavam a curva de nível do terreno e seguiam no sentido de manter a rua menos acentuada, fugindo das elevações em cortes diagonais. Com o aumento populacional e ocupação do solo no centro da cidade, tornou-se obrigatório a abertura de novas vias, desrespeitando-se esse sentido longitudinal e natural.

Nota-se nas localidades criadas ou ocupadas pelos espanhóis que eles simplesmente formavam uma planta em diagrama, desconsiderando totalmente a topografia local.

“Este desfilar das ruas é interrompido por 7 pequenas praças irregulares e mal alinhadas, como o são também as ruas, parecendo e, com certeza, sendo, edificadas a esmo, sem destino nem intenção disciplinada. As ruas são calçadas, mas de mal calçamento, pouco cuidadas tanto da Municipalidade como dos particulares, sendo francas à toda sorte de animais, porcos, cabritos e cães que se criam em grande escala, sendo constante a hidrofobia nestes últimos e fazendo diariamente vítimas. Não há iluminação.”

Praças e calçadas

Vejam bem, havia 7 pequenas praças. Atualmente, no centro de Itabira, só existem quatro praças no percurso entre as ruas Tiradentes e Dr. Alexandre Drummond – sendo que uma delas só foi aberta na década de 1980 em decorrência do incêndio posto e que fez sucumbir o antigo sobrado do primeiro cinema da cidade. Nesse patrimônio histórico, por ocasião do sinistro, funcionava a Câmara Municipal de Itabira.,

Outra foto do mesmo paredão: calçadas de hematitas foram retiradas e entregues à Vale em pagamento de dívida municipal

Boa parte das calçadas das praças do centro de Itabira são em pedra portuguesa. Porém, com a eliminação do cargo de calceteiro da Prefeitura, todas essas calçadas hoje estão em péssimo estado de conservação para o bom uso do cidadão.

Podemos afirmar ainda que o primeiro calçamento das ruas com pedras de minério de ferro, chamado de pé-de-moleque, são provenientes de seixos rolados pelo leito dos córregos do Rosário e do Campestre. Eram as tais pedras abauladas/arredondadas, que deram o nome à nossa Itabira, também já descrito em capítulo anterior.

E que, em grande parte, essas mesmas pedras de minério foram posteriormente vendidas à Companhia Vale do Rio Doce para pagamento de dívida que o município tinha com a mineradora, quando deveria ser bem o contrário. (Leia também aqui).

O “chão preto” da modernidade chega a Itabira em 1960, com a pavimentação asfáltica da MG-3 (Acervo: Ceomar Santos) 

Posteriormente utilizaram paralelepípedos de granito, o que já representava a primeira perda em originalidade. Mas o pior estava por vir, em nome da “modernidade”, quando a Prefeitura, nas décadas de 1960/70, substituiu praticamente todo calçamento em pedras (de minério ou granito) pelo asfalto.

Afinal, o “chão preto” havia chegado ao município com a inauguração da MG-3, em dezembro de 1960. Um estorvo ambiental que permanece, sabe-se lá à custa de quantos remendos superfaturados.

Em algumas ruas de bairros mais afastados ainda se observam a existência de calçamentos com placas de concreto octogonal. Porém, mesmo esses calçamentos vêm sendo substituídos pelo nefasto asfalto, que esquenta a temperatura e não permite a infiltração da água no lençol freático, impermeabilizando a cidade que tem poucas bocas de lobo em suas ruas.

Além da triste substituição do calçamento de hematita (pé-de-moleque) da rua Santana por placas de concreto octogonal em 1980/82, desfigurando totalmente a primeira rua aberta de Itabira.

Abandono

A falta que um bom calceteiro faz no Largo do Batistinha e alhures

Apesar da fortuna arrecadada pela Prefeitura Municipal anualmente com o IPVA (imposto de propriedade de veículos automotores), algo em torno de R$20 milhões, sem contar a arrecadação anual do IPTU (imposto predial territorial urbana), conjugados com as taxas de iluminação pública e coleta de lixo, as ruas continuam muito mal cuidadas. As praças estão totalmente desmazeladas e a iluminação é mesmo precária.

Nas ruas, onde não há buracos, só murundus resultantes do péssimo serviço realizado nas operações rotineiras de “tapa-buracos”, é uma mina de retrabalho que acaba nunca, para gaudio do empresário do setor. Isso ao invés de proporcionarem a feitura de novos calçamentos.

Porcos e cabritos já não há mais transitando pelas ruas do centro histórico de Itabira. Porém, a “cachorrada” continua dominando as ruas, praças e alhures. Incomodam e fazem uma lambança, sob os míopes olhos da administração pública local e do povo em geral que a tudo assiste passivamente.

Chafariz

“A água é de ótima qualidade, e podendo vir com abundância e asseada, foi canalizada pelos antigos, em rego até perto da cidade, em alcatruzes (canais d´água) de pedra até o depósito geral no alto, e depois pelos particulares que a possuem em bicas de madeira. As Câmaras passadas nenhum melhoramento fizeram nesta repartição. A primeira intendência do atual governo colocou dois chafarizes regulares, mas à curta distância um do outro na mesma rua. Há quatro antigos, um de nascente local e outros recebendo água do encanamento geral e daí instáveis e sujeitos a água imprestável.”

Esboço do Chafariz. cujo modelo foi aprovado e importado para servir o precioso líquido aos transeuntes e moradores vizinhos

A água sempre foi um problema local, apesar de a ter em toda parte. Mas o seu volume acaba sendo pouco no centro da cidade em decorrência de aqui ser local de nascentes e não de desaguadouro.

Consideramos ainda que a mineradora rebaixou sobremaneira o lençol freático e, assim, secando diversas minas que tínhamos na parte histórica da cidade. Minas de águas essas que serviam as moradias que existem na via principal.

Atualmente a administração municipal deseja trazer água do rio Tanque para abastecer a cidade. Porém sem antes demover esforços no restabelecimento e preservação de nascentes mais próximas à cidade, ao acabar com programa de produtores de água.

Isso além de não transferir esta obrigação de restabelecimento da água potável à mineradora que a tudo monopolizou. E pretende gastar dinheiro que os cofres da Municipalidade não tem, transferindo a conta para a população pagar.

Esse tema da água já foi bem tratado aqui na Vila de Utopia. Vale conferir aqui, aqui, e aqui. E em outras matérias jornalísticas.

Hidrelétrica

Não se pode esquecer nesse breve inventário histórico do grande investimento que foi na instalação da primeira usina hidrelétrica da cidade, em 1916, utilizando-se a água do ribeirão São José. O equipamento foi importado da Alemanha e Inglaterra. O que resta desse patrimônio histórico, esse parque fornecedor de energia elétrica, foi tombado nos livros como patrimônio histórico municipal.

Equipamentos foram importados da Alemanha e poderiam voltar a funcionar se não tivessem sido dilapidados

Infelizmente, encontra-se totalmente inutilizado há cinquenta anos. E foi severamente depredado por falta de manutenção geral e vigilância local. Leia mais aqui.

E é uma das condicionantes não cumpridas da mineradora Vale, embora a sua restauração com a implantação do Parque Natural Municipal Ribeirão São José ter sido propagandeado, inclusive com maquetes expostas no Centro Cultural. Trata-se de mais uma promessa por conta da mineradora Vale que até aqui fica só no papel.

E, assim desprezando a obrigação da mineradora firmada em acordo como compensação pelos seus estragos minerários, concebido na Licença de Operação Corretiva (LOC), de 2000, a atual administração municipal quer agora fazer essa restauração à custa do erário municipal, mais uma vez onerando o erário municipal.

Sonhos

Itabiranos que ainda não perderam a esperança de ver surgir uma Itabira melhor, há tempo sonham com o restauro do calçamento de pedras do adro da igrejinha do Rosário, retirando-se o asfalto que algum decrépito mau administrador jogou por cima, desfigurando o conjunto urbanístico-arquitetônico. E ainda por cima, desrespeitando um patrimônio histórico nacional.

E ainda sonham, pacientemente e até passivamente, pela retirada da fiação aérea da iluminação do centro histórico. Há muito, enquanto dinheiro ainda existia, isso já deveria ter ocorrido, com a substituição da rede elétrica exposta por fiação subterrânea nas ruas Tiradentes, Dr. Alexandre Drummond e Água Santa.

Essa mudança da rede elétrica já deveria ter ocorrido. Mas sabe-se que o governo federal desviou os recursos que viriam para investir em Itabira para a “eterna” reforma da Pampulha, em Belo Horizonte.

Como se observa, nesses 120 anos, muito pouco mudou no panorama local.

 

 

 

 

 

 

 

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2 Comentários

  1. Engraçado no governo anterior, um dos belos chafariz estava na entrada da FCCDA, que embelezava o conjunto arquitetônico. Com a entrada deste governo o chafariz sumiu. Pergunto aonde foi parar o mesmo? Será que no lixão? Será que em alguma fazenda ou quintal de algum poderoso?

    1. Bom dia, Sr. Werner.

      Ali no Centro Cultural nunca houve chafariz, pois na época era um brejo em que as pessoas atolavam até os joelhos.
      Esse chafariz deve ser o que está aos fundos do Museu de Itabira.
      Pior é o que estava ou está jogado no porão da Casa do Brás.

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