Estrutura fundiária de Itabira é propícia à agroecologia e não ao agronegócio tóxico

Carlos Cruz

O prefeito Marco Antônio Lage (PSB) anunciou na quinta-feira (17), em seu encontro semanal na rede social com os seus seguidores, que ainda em junho o produtor rural de Itabira já poderá contar novamente com os serviços da patrulha agrícola, que consiste na aração e preparação da terra para plantio no ano agrícola.

Essa forma de incentivo, subsidiado pela Prefeitura, deixou de existir no governo passado – e retorna neste ano, mantendo-se a parceria com a Associação dos Produtores da Agricultura Familiar de Itabira (Apafi).

O investimento no setor agrícola previsto para este ano é de R$ 850 mil – e inclui a distribuição de calcário, gradagem e aração do solo.

Para outubro estão previstos também os serviços de sulcamento e plantio por meio de máquinas agrícolas, devendo favorecer prioritariamente, segundo o prefeito, os pequenos produtores e agricultores familiares.

Foi anunciado ainda como parte dessa política agrícola que haverá também o serviço de fretes subsidiados, que é para transportar a produção até os centros consumidores.

No caso de Itabira, essa garantia de mercado conta com a feira do produtor, reaberta recentemente, a Feira Itinerante Terra Nossa, que não deve demorar para voltar a expor seus produtos para venda no varejo.

Outra garantia de mercado para a produção local são os programas Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o de Aquisição de Alimentos (PAA).

A produção agrícola em Itabira ainda está longe de suprir a totalidade dessa demanda local. Mas o prefeito vê essa possibilidade como algo realizável.

Para isso é preciso incrementar a produção diversificada e consorciada, não apenas de banana, mas também de outras frutas, verduras e leguminosas nos minifúndios, pequenas e médias propriedades.

Itabira tem uma estrutura fundiária bem distribuída, mas as terras estão subaproveitadas com pastagem para criação extensiva de gados de corte e de leite (Fotos: Carlos Cruz)

Equívoco semântico

O retorno da patrulha agrícola juntamente com outras formas de incentivo é importante e demonstra compromissos do prefeito Marco Antônio Lage com o desenvolvimento de alternativas econômicas à mineração também no meio rural.

Mas quando o prefeito fala em agronegócio, comete-se um erro na designação e que pode ter efeitos práticos além da semântica. É o que agronegócio no país está relacionado com a monocultura exportadora, com o uso intensivo de agrotóxicos, defensivos agrícolas e sementes transgênicas.

E é assentado em grandes propriedades mecanizadas e no latifúndio voltado para a produção de proteína animal e cultivo de soja em larga escala, com produção majoritária voltada para o mercado externo, em detrimento do consumo interno.

Muito mais apropriado, e até como objetivo a ser alcançado, seria se o município desse ênfase à agroecologia, pelos seus efeitos práticos e também mercadológico.

É que pela sua topografia acidentada, mesmo nas grandes propriedades no município, que são poucas e a maioria já é ocupada por pinus e eucalipto, não há como empregar tecnologia intensiva de mecanização para o tal agronegócio itabirano se tornar competitivo.

Sendo assim, dificilmente teria como concorrer em condições de igualdade com outros centros produtores, notadamente com os municípios conurbados da região metropolitana de Belo Horizonte e de outros centros agropecuários de forte tradição no estado de Minas Gerais.

Mas Itabira pode, com uma política de incentivo voltado principalmente para a agroecologia, oferecer incentivo ao pequeno e médio produtores rurais para que se tenha a alternativa de uma produção diferenciada, orgânica, isenta de agrotóxicos.

E que seja diversificada e consorciada, a exemplo do que já acontece nos centros produtores orgânicos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Sei que essa proposta encontra resistência no governo municipal, dos tradicionais e conservadores extensionistas rurais que torcem o nariz quando veem a cor vermelha, ao ideologizarem e repudiarem o que há de melhor na experiência de produção orgânica no país.

Sobre a produção orgânica do MST leia mais aqui , aqui  e aqui.

Sem agrotóxicos

“Esperamos que a geração de riquezas no campo seja uma das vertentes para a diversificação econômica de Itabira. É um grande passo que estamos dando nesta direção”, comemorou o prefeito ao anunciar o retorno da patrulha agrícola.

Mas para isso acontecer, recomenda-se seguir por uma vertente oposta ao agronegócio, inspirada na agroecologia. Se assim for feito, com certeza Itabira poderá oferecer ao mercado local e regional uma produção de alimentos diversificada e consorciada, com controle orgânico das pragas sem emprego de agrotóxicos e pesticidas, muito menos de sementes transgênicas.

O secretário Mauro Ferreira, assim como foi o seu antecessor na pasta de Agricultura, está bastante focado na produção de bananas. Nada contra, pelo contrário, até porque o cultivo de bananas pode ocorrer também em pequenas propriedades, mesmo com relevo acidentado, consorciado com outras culturas.

A agrônoma Ana Primavezi foi uma das principais incentivadoras e teórica da agricultura orgânica (Foto: Reprodução/Acervo Pessoal)

O consórcio de culturas é uma das premissas da agricultura orgânica.

É o que ensina em seus livros a agrônoma Anna “Primavezi” Conrad (1920/2020), pesquisadora da agroecologia e da agricultura orgânica, patrona do MST, autora do livro Manejo Ecológico do Solo (1980), considerado a bíblia do manejo sustentável do solo.

Foi Ana Primavezi quem ensinou os pequenos agricultores de Sertãozinho, na região de Ribeirão Preto (SP), a produzir cana de açúcar em escala sem emprego de agrotóxicos.

Como também foi ela quem inspirou os agricultores do MST do Rio Grande do Sul a produzirem arroz orgânico, o que fez do estado o maior produtor desse gênero alimentício na América Latina.

A agroecologia busca uma agricultura limpa, sem emprego de venenos ou adubos químicos, muito menos de sementes transgênicas. É assim que mantém no solo a riqueza dos microrganismos “que interagem com os minerais e vegetais, num fino equilíbrio”.

Para Ana Primavezi, a base da agricultura tropical está justamente nesses microrganismos, que são destruídos pelo uso de agrotóxicos e pelo manejo incorreto do solo.

“Diferentemente dos solos de clima temperado, a base da agricultura tropical está justamente na riqueza dos microrganismos, que é vida destruída pela agricultura convencional ao tratar esses microrganismos como patógenos”, ensina a engenheira agrônoma.

“Eles (os microrganismos) não são patógenos, mas mobilizadores de nutrientes e a garantia de fertilidade do solo”, Ana Primavezi não se cansava de repetir.

Já o agronegócio nada disso respeita com a sua prática agrícola condenável, que nada tem de sustentável ambientalmente. O agronegócio é tóxico e só é pop na tela da Vênus Platinada.

Portanto, se Itabira quer mesmo incrementar a sua produção agrícola, que fuja do agronegócio, incentivando a agroecologia para fazer diferente e conquistar mercados até então inimagináveis.

Com a agroecologia a produção tem alto valor agregado, com procura acelerada por consumidores ávidos de produtos sem venenos, de qualidade comprovada e certificada. É, a meu ver, o que deve ser buscado como objetivo e meta de uma política de incentivo agrícola em Itabira.

Estrutura fundiária em Itabira

Fonte: Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR)

Para isso acontecer, e virar prática comum no meio rural, é preciso ter o manejo ecológico do solo, o que é perfeitamente factível nas 1.754 propriedades rurais com menos de um módulo fiscal (minifúndios) existentes em Itabira, cujos proprietários atualmente mal produzem para a subsistência, com pouco excedente.

Módulo fiscal é uma unidade de medida expressa em hectares, fixado diferentemente para cada município considerando as particularidades locais, o tipo de exploração dominante, a renda obtida entre outros critérios fixados pela Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra).

A agroecologia deve ser também incentivada em Itabira nas 631 pequenas propriedades com um a quatro módulos fiscais – e também nas 164 médias propriedades que dispõem de cinco a 15 módulos fiscais, assim classificadas no município pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Essas pequenas e médias propriedades totalizam 2.549 unidades produtivas no município, com predominância do minifúndio.

Entretanto, se são maioria em número de propriedades, ocupam apenas 60.707.69 (64,5%) hectares de terra disponível em Itabira, de um total de 94.097,15 hectares distribuídos em uma área de 1.253,70 quilômetros quadrados, compondo a extensa zona rural do município.

Pois são para esses pequenos e médios proprietários que a política de incentivo à agricultura diversificada e consorciada, até mesmo com a pecuária, deve ser prioritariamente incrementada por meio de incentivo da Prefeitura.

Já para as 27 grandes propriedades existentes no município, grandes latifúndios com 15 a 600 módulos fiscais, que fiquem com o agronegócio, mas sem incentivo da Prefeitura, já que não precisam.

Essas propriedades estão ocupadas por florestas homogêneas de pinus e eucalipto, como também pelas pastagens de gado de corte, predominantemente. E há, ainda, as reservas legais e reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs).

Região da Serra dos Alves, em Senhora do Carmo: predomínio do minifúndio e de pequenas propriedades

Opção preferencial

Como se vê, trata-se de uma opção que deve ser feita pela Prefeitura de Itabira, se assim o prefeito desejar, discutindo com os produtores rurais como incrementar uma política agrícola mais apropriada à realidade local – e que certamente terá reflexo prático na produção de alimentos de qualidade, isentos de agrotóxicos, de pesticidas e de sementes transgênicas, repita-se.

Torço por uma guinada nesse sentido, deixando de lado esse discurso de apoiar agronegócio para que seja assumida a agroecologia sustentável e factível, como as que existem nas plantações do MST.

Isso é perfeitamente possível em Itabira, com a vantagem de se ter por aqui uma estrutura fundiária pouco concentrada, fundada nos minifúndios, nas pequenas e médias propriedades.

Mas, infelizmente, até mesmo pelo pragmatismo agronômico, muito mais interessado na produção em escala do agronegócio, é bem possível que as ideias conservacionistas e as propostas inovadoras de Ana Primavezi sejam rechaçadas e classificadas como utópicas por quem tem a incumbência de gerir a política agrícola em Itabira.

Mas são das utopias que surgem novas ideias para se sair da mesmice e fazer diferente, como é o caso do incentivo da agricultora orgânica. São as utopias que fazem caminhar para seguir em frente e buscar o novo – e assim se diferenciar no mercado cada vez mais exigente e à procura de alimentos orgânicos em todo o mundo.

Bom começo

Patrulha agrícola volta a preparar terra para plantio em Itabira a partir de julho (Foto: Ascom/PMI)

A boa notícia é que para a produção diversificada e consorciada em Itabira já estão sendo testadas várias espécies de uvas e de outras culturas na Fazenda São Lourenço, uma propriedade rural de 265 hectares.

A fazenda foi adquirida pela Prefeitura e doada à União em 1948 para que nela fosse instalado o Posto Agropecuário, há muito desativado, e que retorna agora para o município.

Na fazenda São Lourenço, por meio do Centro de Referência em Agronegócio Sustentável de Itabira e da Região (Crasir), um consórcio liderado pela Prefeitura e coordenado pelo Sindicato Rural, com participação de várias entidades, estão sendo instaladas o que chamam de unidades demonstrativas nos segmentos agrícola e da pecuária de leite e de corte.

A criação do consórcio foi a solução encontrada depois que a Empresa de Pesquisas Agropecuárias de Minas Gerais (Epamig) rompeu contrato com a Prefeitura, deixando de administrar a “fazenda experimental”. Leia aqui  e aqui.

“Ainda em julho a patrulha agrícola começa a preparar a terra para o plantio com as chuvas em outubro/novembro para colher no ano que vem. Com essa grande jornada vamos dar início à uma nova política agrícola e melhorar a nossa produtividade, sobretudo na propriedade familiar”, anunciou o prefeito, reiterando o seu compromisso com o desenvolvimento da agropecuária no município. Que a opção seja pela agroecologia.

Serviço

Os interessados em contar com os serviços da Patrulha Agrícola podem procurar a SMMAA, entre 14 de junho e 15 de julho, na avenida das Rosas, 134, bairro São Pedro.

Contatos para mais informações podem ser feitos também pelo telefone 3839-2249 ou pelo e-mail sec.agronegocio@itabira.mg.gov.br.

Os cadastros também podem ser realizados nas administrações distritais de Senhora do Carmo e de Ipoema.

Telefones para contato com a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento: 3893-2768 (Senhora do Carmo) ou 3839-2993 (Ipoema).

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