Escárnio de um país obsceno numa Europa relaxada

Ilustração: Pablo Blasberg/Getty Images

Veladimir Romano*

Depois de várias ditaduras que envenenaram o planeta durante anos, infernizando e destruindo centenas de milhares de vidas, com pessoas corajosamente enfrentando abusos e limites guardando traumas, mesmo com tudo isso, ganhos e (re)conquistas pela democracia, com a liberdade dos povos voltaram.

Mas eis que de repente o sonho de ser ver a fartura pelo mundo vai se perdendo com os efeitos deletérios da corrupção em altas dimensões, ocupando vantagens a certos grupos, com a prática política prevalecendo como dote subdesenvolvido preferencialmente, definindo interesses golpistas em cadeia, organizando condições favoráveis, intencionadas, repartindo recursos financeiros de forma absolutamente desumana.

Assim, chegamos aqui aproveitando duplamente da liberdade sucessiva em oferta dessa democracia, assegurando benefícios para a sociedade em falsa prosperidade, perdendo seus princípios e valores.

Na edição do renovado Diário de Notícias [matutino lisboeta e velha escola jornalística nos tempos do Estado Novo, fundado em 1864], com assinatura do jornalista da casa, João Pedro Henriques, apresenta nesta edição oportuna uma forte, intranquila e pontual temática sobre a corrupção que não sendo novidade, espanta pela passividade constante dos meios políticos, da incompetência das autoridades judiciais depois de aturado esforço e risco das tarefas policiais.

Ficando por entender se entre a desfaçatez, informação e as armas da justiça no combate pela transparência, não fosse bom algum cunho imanente no extrato do ser, determinando essenciais estratégias como valores desse tão repetido propósito onde os portugueses são realmente estratosféricos no que relata a criação de títulos pomposos e organizações sem nexo empatando tempo, mas jamais resolver.

As propostas dos diferentes, governos, já quase fazendo 50 anos de democracia no país [embora de alternância bicéfala], sempre ganhando fantasias maiores e criativas como foi estabelecer, em tempos idos, uma “Alta Autoridade Contra a Corrupção”, que nunca deu em nada.

Foi assim com a criação do Provedor de Justiça, Procurador Geral da República e o Tribunal de Contas, como agora a ENA [Estratégia Nacional Anticorrupção]. Tudo isso resultou em tempo perdido, dinheiro mal aplicado, sem poder jurídico qualquer, ou antes, para deixar claro em linguagem popular, é o tal de “faz de conta” que se combate a corrupção, o tal “é p´rá inglês ver”.

A completa distopia ficou bem latente nos últimos dias com a visita da nova primeira-ministra da Moldávia a Portugal, quando ela disse que o seu país se encontra carregado de práticas marginais…

“As pessoas no meu país estão cansadas de políticos e desta gente corrupta”, disse Natalia  Gravilitza, que acusa os políticos da Moldávia de ser “gente que rouba prejudicando tudo e todos…”.

Pois nessa lista, conforme foi apresentado pelo Diário de Notícias, em nada Portugal, com 30 anos no mercado da União Europeia, fica devendo em matéria de corrupção. É assim que talvez a pergunta mais correta deveria ser a mais natural de todas: para onde foram mais de 300 bilhões de euros [é mesmo muita grana] ao longo de três décadas…? Dinheiro de todos os contribuintes europeus.

Numa análise sobre milionários em estudo feito do Instituto das Estatísticas Europeias, referindo-se a Portugal, em tempos coloniais quando o país possuía verdadeira riqueza nas colónias, o país tinha apenas 500 milionários. Depois de tantos anos como membro da União, Portugal hoje tem mais de 50 mil milionários, que levam aos paraísos fiscais quase 60 bilhões de euros/ano.

Está claro que os responsáveis industriais e empresariais da nação lusitana não aceitam pelo tanto que “não podem”, como reafirmam fontes do patronato pelo que não ganham para subir ordenados miseráveis [outra vergonha], não sendo apenas os níveis da corrupção junto ao desleixo e desprezo sobre a nação, contra quem mais sofre discriminação, uma total ausência de pareceres sobre direitos humanos… É o escárnio praticado por um país obsceno mas numa Europa que pouco vai ligando para a corrupção e se torna ela mesma desleixada.

Com as mais recentes revelações do Panama Papers se descobriu ainda mais lixo financeiro provocado por elites desonestas e governantes assassinos da economia; através da informação denunciada pelos consórcios jornalísticos das morosas investigações, duras e até pondo suas vidas em risco [estamos lidando com crime organizado], os equivalentes das perdas do quanto some nas traseiras da Banca equivale num ano a 10% ao PIB europeu e cinquenta vezes o PIB português.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano

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