Era uma vez em 1942… Assim caminha Itabira, para onde ainda não se sabe

Fotos: Carlos Cruz

Por Maria Alice de Oliveira Lage*

ERA UMA VEZ…1942: chega para Itabira a Companhia Vale do Rio Doce, uma estatal que depois virou sociedade anônima. Sem crédito, aqui se instalou e começou a funcionar. Foi necessária a presença de Dr. Pedro Guerra para garantir a sua estabilidade. Foi um começo difícil.

A empresa cresceu e desenvolveu graças às riquezas de Itabira, de seu subsolo, sem o devido reconhecimento. A Companhia cresceu, os investimentos produtivos ocorreram em diferentes ciclos, e a cidade passou por muitas modificações decorrentes de um crescimento desordenado, com forte migração do campo para a cidade.

Hoje a Vale se tornou uma grande multinacional, graças a Itabira, que forneceu durante 82 anos de exploração os recursos de seu subsolo. Mas, a Vale deliberadamente parece se esquecer de lembrar dessa situação histórica – e fere profundamente uma cidade.

Ela investiu em outras localidades com o capital acumulado em Itabira. Cresceu não só dentro do Brasil, como também no exterior e omitiu recursos para Itabira. Dizia que Itabira não apresentava projetos – e, quando os apresentava, simplesmente engavetava.

Trata-se de uma empresa que parece ter vergonha de seu passado, incapaz de contar a sua história a partir da cidade que durante muitos anos foi a sua principal fonte de riqueza.

Esqueceu-se da força bruta dos “homens de ferro” quebrando hematita com marreta, os boeiros carregando marmitas para os trabalhadores, transportados em caminhões, os chamados “manda-brasa”.

Ausência de retorno e de reconhecimento

Muitos investimentos foram realizados pela Vale mundo afora. E Itabira, nada? Investimentos ambientais serão alocados para preservação da Serra de Gandarela e no ICMbio para compensar a degradação com expansão de minas em Itabira?

Presídios vão para Poços de Caldas e Lavras. Isso enquanto Itabira fica sem o seu presídio estadual do Rio de Peixe, construído com recursos municipais, devido ao risco da lama que possa matar quem estiver abaixo, num hipotético e possível colapso da barragem Itabiruçu.

É assim que muitos empreendimentos notáveis foram investidos pela Vale em Belo Horizonte, em amostras culturais e ufanismos diversos. E para Itabira, nada? Nem sequer uma exposição dos principais minérios extraídos de seu subsolo, aqui se tem. A cidade não tem sequer um Museu da Mineração. Itabira merece um museu da História da Mineração. Quando teremos? Pelo andar da carruagem, já chegando ao fim do percurso, possivelmente, nunca.

Tributação tardia e dívida histórica

Seu início foi em 1942, mas somente em 1969 os impostos foram cobrados, por meio do Imposto Único sobre Minerais (Decreto 1038/1969, extinto em 1988). Atualmente tem uma grande demanda por perdas tributárias com a Cfem, os royalties do minério. Nesse caso não é só Itabira que perde, mas também as demias cidades mineradas, na eterna luta por justiça tributária, que nunca chega.

Isso enquanto os encargos municipais crescem gradativamente, sem investimentos robustos da mineradora investindo na saúde, já que arrasta para a cidade milhares de trabalhadores de outras cidades, que precisam de assistência médica, educação, lazer, cultura. Cadê o novo hospital municipal, descrito no Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), de 2013? A “gulosa” comeu?

Devastação ambiental e desequilíbrio econômico

A paisagem da Serra do Esmeril permanece devastada, gerando poeira e degradação paisagística; a cidade clama por uma urgente recomposição, que deve ser ambiental e também econômica.

Devastação da flora e da fauna, inibição da atividade privada por inúmeros fatores, inclusive pela falta de água, que vem a ser um dos fatores que levaram Itabira a perder suas duas fábricas de tecidos (Pedreira e Gabiroba).

A cidade está ilhada por barragens e pilhas de rejeitos e material estéril. Com elas vem a desvalorização dos imóveis e toda uma situação de inseguranças, incertezas para bairros, a exemplo do Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras, Praia, que sofrem com a violação de direitos, com a vizinha barragem do Pontal.

E assim podemos enumerar muito mais e até repetir sem exaurir os argumentos: poluição atmosférica, outorga de 75% das águas para a empresa mineradora e apenas 26% para a população.

Embora fosse obrigação desde 2000, somente em 2025 resolve-se buscar água no rio Tanque, por exigência do Ministério Público, mas também por mais necessidade da empresa mineradora. E a cidade ainda tem que esperar até 2027 ou para além disso, para enfim ter essa “solução definitiva” para acabar com a falta de água na cidade.

Dinamitagens, tremores, contaminação da água, parcas indenizações por terrenos destruídos, doenças originadas pela poluição, os males de Itabira, entre muitos outros, são.

Crescimento sem planejamento e ausência de alternativas

A chegada de uma grande empresa para uma pequena cidade, como era Itabira na metade do século passado, traz alterações econômicas, sociais, ambientais e até culturais na cidade, positivas e negativas. Aquelas são exaltadas por todos os meios. Já as negativas ficam esquecidas, escondidas pela poeira do minério.

O que se observa é que nada foi feito para dinamizar iniciativas existentes e atrair novos empreendimentos para quebrar o monopólio econômico da mineração, por meio de pequenas indústrias diversificadas.

Essa ausência de um política industrial robusta, que nunca acontece, ocorre ainda hoje por falta de água e por uma logística precária, com rodovias esburacadas pelo próprio trânsito intenso dos pesados caminhões a serviço da mineração.

Todo esse problema de logística ocorre enquanto a cidade dispõe de um ramal ferroviário exclusivamente para transportar minério de ferro.

Fechamento das minas e falta de compromisso social

Enquanto isso, a Vale desdenha da população ao apresentar um plano de fechamento de minas para “inglês ver”, como foi o plano de 2013, que não foi encaminhado ao antigo DNPM, tampouco aos acionistas de Nova Iorque, segundo a empresa afirmou em resposta a este site Vila de Utopia.

Sendo assim, para que foram gastos rios de dinheiro com a contratação de uma cara consultoria internacional para a elaboração desse plano de fechamento de minas e uso futuro sustentável de áreas mineradas degradadas?

E agora, após cobrança do Codema, apresenta um novo Plano de Fechamento de Minas (PFM), tratando apenas dos descomissionamentos de suas estruturas industriais, sem contemplar o uso futuro dessas áreas, que poderiam reverter em favor da economia municipal. São espaços que poderiam ter aproveitamento econômico, ambiental e social.

A mineradora só apresentou agora o plano de fechamento em cumprimento à condicionante para a anuência necessária à ampliação das cavas das minas do Meio e Conceição e a instalação de duas pilhas de estéril/rejeito no complexo minerador.

Países como Austrália, Canadá e Estados Unidos estão se consolidando como referência em fechamentos de minas, o que por lá é obrigatório antes mesmo de se iniciar o processo de lavra. Já o PFM da Vale em Itabira só foi apresentado após mais de 80 anos de atividade extrativa.
Ora, a recuperação de áreas degradadas deve começar com o início da atividade mineradora, de forma concomitante. Mas isso não ocorre em Itabira, infelizmente.

Os negacionistas dizem que “a ciência é um lobby da esquerda e as universidades seriam reduto do pensamento progressista”. É o que parece ocorrer também no Codema, que poderia perfeitamente ter aberto vaga para a participação da Unifei, sem excluir a Funcesi, assim como faz com a atividade mineradora, que dispõe de duas cadeiras no conselho municipal. Há entidades e representações no Codema que nada colaboram com a defesa do meio ambiente – e que, nesse caso, deveriam ser excluídas da composição do conselho municipal.

Precisamos de mais verde, de uma arborização mais robusta na cidade; as condições do clima dependem da vegetação.

Na Carta Encíclica do Sumo Pontífice Francisco (Laudato Si’), ele demonstrou grande sensibilidade pelos problemas ambientais: “Vivemos uma época de poluição, resíduos e cultura dos descartes que afetam diariamente as pessoas, a sua saúde, especialmente os mais pobres.” E prossegue: “O clima é um bem comum, um bem de todos e para todos.”

As mudanças climáticas são um problema global com implicações sociais, ambientais e econômicas. “A água potável limpa constitui uma questão de primordial importância, pois é indispensável à vida do homem. Qual é a qualidade da água disponível aos pobres, muitas vezes ceifando vidas? Decai a qualidade da água e, em algum lugar, já cresce a tendência de privatizar os recursos hídricos”, observou o eterno papa Francisco.

Itabira pede socorro

Infelizmente, o projeto Itabira Sustentável não saiu do papel, mesmo estando sendo elaborado pela gestão municipal em parceria com a Vale, que sempre contrata consultores internacionais para assessorar Itabira, para depois simplesmente engavetar os projetos com as mudanças periódicas em sua direção.

Com a ampliação das cavas das minas do complexo Conceição, cuja anuência para prosseguimento da necessária licença ambiental estadual foi aprovada sem que fossem cobradas outras condicionantes importantes para serem aplicadas no próprio município, Itabira perdeu uma grande oportunidade de cobrar, por exemplo, a reabilitação de matas ciliares nas margens do Rio de Peixe, o mais impactado pela mineração, como foi também o rio Jirau, com assoreamento de finos no passado.

E assim ocorrendo, com todas omissões e negligências históricas inclusive de nossas autoridades municipais, Itabira não será um “case” de sucesso de mineração, como se referem os arautos do desenvolvimento até aqui insustentável, mas sim de como não se deve minerar à exaustão os recursos minerais, enriquecendo poucos, contribuindo para o desenvolvimento de países ricos além-mar, enquanto ficamos a ver “navios” levando nossa riqueza sem as compensações historicamente devidas.

E o itabirano assiste a tudo isso passivamente, nesse estado eterno de letargia, de cruzar os braços e deixar a vida passar devagar.

Memória ambiental e omissão institucional

A Secretária Municipal de Meio Ambiente vangloria de ter realizado uma primeira consulta pública antes de aprovar uma anuência, no caso para a expansão das minas do Meio e Conceição, que é para assegurar a produção de minério em ritmo decrescente até 2041, que pode ser um pouco mais – não importa, a derrota incomparável já parece estar a caminho à galope.

Esquece a secretária, propositadamente ou por desconhecimento histórico, que o Codema protagonizou inúmeros debates no passado sobre os impactos ambientais da mineração, como foi presente no I Fórum de Debates das Alternativas para Itabira, com participação, inclusive, de um dos primeiros ambientalistas itabiranos, o Zé Sérgio da Chácara do Minervino.

Foi também protagonista e teve firme atuação, ativa e propositiva na audiência pública, realizada no centro cultural em 18 de fevereiro de 1998, a única até aqui realizada pela omissa Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), que deu por concluídas condicionantes da LOC que não foram cumpridas, como se observa agora com o TAC da água.

As obras de transposição do rio Tanque deveriam ter ocorrido desde então, mas a empresa, como tem sido de seu feitio, foi empurrando com a barriga enquanto pode para não ter de investir nessa crucial necessidade para a sustentabilidade do município.

Como se observa historicamente, o Codema não ficou paralisado e omisso, como passou a ser após tornar-se deliberativo, com predominância entre os conselheiros de representantes do poder econômico.

Itabira acordará algum dia, antes que chegue a derrota incomparável? Torço para que sim.

*Maria Alice de Oliveira Lage é professora de Geografia aposentada. Foi a primeira presidente do Codema (1985 a 1997), secretária municipal de Educação. É uma das primeiras ambientalistas de Itabira, sempre presente na luta por um território com um ambiente equilibrado, com controle da poluição do ar e da degradação paisagística, com a cidade fazendo a sua parte diante das mudanças climáticas, preocupação de todo o mundo.

Leia também este artigo de Maria Alice:

As veias abertas de Itabira: produção de riquezas para poucos e devastação para todos

 

 

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3 Comentários

  1. “No deserto de Itabira
    as coisas voltam a existir,
    irrespiráveis e súbitas.
    O mercado de desejos
    expõe seus tristes tesouros;
    meu anseio de fugir;
    mulheres nuas; remorso.
    Porém nada dizia.”
    CDA, Viagem na família

  2. Salve, salve Maria Alice!
    Está tudo dominado.
    Sequestraram o Codema agora ocupado por jovens imbecis, lesa-pátria. Em nome do patrão que não senta na mesma mesa eles roubam Itabira.
    O Codema é da Vale, eles se venderam. E eu me pergunto, por quanto dinheiro?
    Salve, salve Maria Alice.
    Eu lhe agradeço Maria Alice.
    Saudações

  3. Itabira está fadada ao abismo absoluto desde a criação da vale, governantes omissos e sem compromisso, agem aos mandos e desmandos da vale e de cinco coronéis que mandam na cidade, são proíbidos e inibidos por estes no assunto política industrial, a ganância e o medo destes de perderem seus ganhos com a concorrência fazem de Itabira uma cidade carimbada pelo imperialismo desta turminha, intenção por parte de grandes empresas de se instalarem em Itabira tinha e tem, mas por desinteresse da turma imperial e seus obstáculos já é conhecido de anos atrás, tinha em mente que a cabeça de boi de Itabira era por causa dos irmãos Albernaz, mas vi que era apenas histórias dos antigos, hoje vejo que a história Itabirana tem capítulos bem graves e obscuros.

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