Equipes técnicas do Saae e da Prefeitura reúnem com especialistas da UFMG para discutirem, mais uma vez, ações para despoluir o poço da Água Santa
Foto: Carlos Cruz
Reunidos nessa segunda-feira (25), no auditório do Parque Natural Municipal do Intelecto, técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) e do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) debateram ações e procedimentos necessários para despoluir o histórico poço de Água Santa, famoso por suas águas termais há muito poluídas por esgotos clandestinos lançados dos bairros Pará, Moinho Velho e Chacrinha.
Para ampliar o debate e encontrar soluções para despoluir o local, que se arrastam há muitas décadas, vieram a Itabira o professor Marcelo Libânio e a professora Uende Gomes, ambos doutores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
No encontro, foi apresentado relatório que comprova a poluição tanto do córrego da Água Santa, que nasce na região da Chacrinha, como também do próprio poço de água termal, assim descrita pelo naturalista francês Augustin François César Provençal de Saint-Hilaire (1779-1853), que visitou Itabira no final do século 19.
“Sua entrada é quase tampada por cipós, samambaias crescem ao redor. É do fundo desta gruta que sai a fonte da água santa, que cai sobre rocha, formando uma pequenina cascata”, descreveu Saint-Hilaire, traduzido pelo itabirano José Baptista Martins da Costa Filho (1988-1951), o Baptistinha, na crônica Ilustre Redação, publicada no Jornal de Itabira, de 8 de maio de 1932, sob o pseudônimo JARTO.
“A Prefeitura poderia mesmo construir um estabelecimento balneário naquele local, pois é sabido que a água do poço é radioativa, tendo, portanto, propriedades medicinais”, defendeu o cronista itabirano.
Pois desde essa época, sem que os administradores municipais dessem conta da importância dessa preservação, o poço foi sendo cada vez mais contaminado por lançamentos de esgoto, em decorrência da ocupação humana a montante.
Com isso, frustrou-se por muitos anos (como ainda frustra) o projeto que Baptistinha preconizou para o local. “No final da rua Água Santa e o poço ficaria o parque, com vistoso gramado, belas árvores, lagos, flores, coreto para a Banda Euterpe”, escreveu Baptistinha, lamentando a situação deplorável em que se encontrava o local.
“É uma tristeza para o itabirano que se preza ver a decadência do legendário poço, onde todos nadávamos quando menino, num estado de abandono lamentável. Acredito mesmo que os meninos de hoje nem conhecem essa maravilha itabirana, enquanto por toda a vasta região do nordeste mineiro não há quem ignore a sua existência”, lamentou Baptistinha.
Leia a crônica de Baptistinha aqui: O Poço da Água Santa nada santo. E assim falou Baptistinha.
História que se repete

Pois passados todos esses anos, a Prefeitura reúne agora especialistas doutores da UFMG para constatar o que já há muito é sabido, inclusive pela atual administração municipal.
E apresenta, como se novidade fosse, um “diagnóstico preocupante”: a água do córrego contém níveis elevados de poluentes microbiológicos, que ultrapassam os limites estabelecidos pela legislação ambiental.
E após “intensas discussões”, constataram o óbvio ululante: “a principal fonte de contaminação é o lançamento irregular de esgotos sanitários.”
Na sequência, apresentaram medidas que, há muito, já deveriam ter sido tomadas, tanto por administrações passadas como pela atual que, em janeiro de 2022, criou o Grupo Especial de Trabalho (GET) para apurar as condições sanitárias do local e apontar os responsáveis pela poluição.
De acordo com o decreto 1.825/2022, publicado em 13 de janeiro daquele ano no diário oficial do município, o GET teria a incumbência, em um prazo de um ano, de levantar quem “são os agentes poluidores, catalogando as fontes constituídas de efluentes domésticos ou industriais.”
Só que para identificar essas fontes, nem era preciso tanto tempo. Bastava solicitar ao próprio Saae o diagnóstico realizado no final do século passado para dar início ao saneamento do local, eliminando os esgotos clandestinos.
Se algo nesse sentido foi executado pelas sucessivas administrações municipais, não terá sido o suficiente, pois a fedentina proveniente do esgoto continua exalando no histórico local.
Sem novidades
Pois agora, como se fossem grandes novidades, na reunião dessa segunda-feira com os especialistas da UFMG, segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura, foi proposto “um plano de ação integrado que combina melhorias no saneamento básico com iniciativas de educação ambiental”.
Entre as medidas sugeridas, mais uma vez, estão “a identificação das principais fontes de poluição”, o que há muito já foi feito e é por demais sabido.
Propuseram ainda os doutos doutores “a construção de fossas sépticas, instalação de rede de esgoto adequada, monitoramento da água, inclusive no período chuvoso, além de atividades de conscientização em escolas municipais para engajar a comunidade na preservação das águas urbanas”.
“O lançamento irregular de esgotos e outros efluentes no Córrego da Água Santa tem causado sérios prejuízos à saúde pública, à biodiversidade e ao equilíbrio do ecossistema local”, a professora Uende Gomes confirmou o óbvio ululante.
“O plano busca não apenas solucionar os problemas técnicos, mas também promover práticas sustentáveis que assegurem a preservação do Parque da Água Santa e a sua importância para a população itabirana”, ela defendeu, mas sem que fosse explicitado o teor desse “plano milagroso” de saneamento do local.
Ou seja, repetem o que há muito tempo é sabido e defendido, inclusive por Baptistinha, com base nas impressões do naturalista Saint-Hilaire. “É uma tristeza para o itabirano que se preza ver a decadência do legendário poço.”
Ações inócuas
Os técnicos do Saae e do meio ambiente deveriam ter apresentado na reunião com os doutores da UFMG o que já foi feito, pela atual administração, para sanear o local. Se isso aconteceu, não foi mencionado no material de divulgação distribuído à imprensa pela Prefeitura.
Pelo visto, foi muito pouco, já que a água do córrego continua contendo “níveis elevados de poluentes microbiológicos (bactérias, vírus, protozoários, fungos, além de coliformes fecais) que ultrapassam os limites estabelecidos pela legislação ambiental.”
Parque em desuso

Não por milagre da “santa” que, na administração passada, colocaram no local indevidamente, e que a atual administração ainda não ousou retirar desse espaço laico, por onde Nossa Senhora por certo nunca apareceu para espiar os meninos nus tomando banho, pela assepsia a sua água térmica curava as feridas daqueles que nela banhavam.
Leia sobre o aparecimento da imagem em gesso aqui: Nossa Senhora do Rosário aparece misteriosamente no Poço da Água Santa
Daí que Batistinha defendeu, no final do século 19, a criação do parque. Mas só muitos anos depois, foi enfim instalado, em 15 de dezembro de 2000, na administração de Jackson Tavares (1997-2000).
Para isso, contou com patrocínio da mineradora Vale, cumprindo condicionante ambiental, mas sem que se tornasse efetivamente um ponto turístico, até porque a fedentina continua exalando no local.
Desde então se fala recorrentemente na “necessidade urgente” de despoluir o córrego e o poço homônimos, que recebem esgotos clandestinos de residências a montante dos bairros Pará (principalmente), Moinho Velho e Chacrinha.
Na ocasião da instalação do parque, o Saae fez levantamento e diagnóstico. Mas nada, ou quase nada, executou para eliminar os esgotos clandestinos. Após mais de duas décadas, a fedentina e a insalubridade continuam naquele que deveria ser um dos principais pontos turísticos de Itabira.
Na inauguração do parque, a Prefeitura anunciou que havia canalizado o esgoto para que deixasse de correr misturado à água do córrego.
Mas não eliminou os esgotos clandestinos que percolam no local, vindos de muitas residências a montante. Resultado, o córrego e o poço da Água Santa continuam poluídos, como já vinha acontecendo desde o tempo de Baptistinha.
Que a despoluição com o saneamento do local, eliminando os esgotos clandestinos, seja de fato e não de ficção, para que o sonho de Baptistinha, que idealizou o parque, possa se tornar realidade, virando efetivamente um espaço público, um ponto turístico e de encontro dos itabiranos – e de visitação turística.
Isso para que o parque da Água Santa possa, enfim, após o saneamento do local, receber eventos culturais e as retretas da banda Euterpe – como também da Santa Cecília. E que retirem a imagem da santa do poço, pois ali não é o seu lugar.
A liberdade de imprensa é condiçao fundamental para o aprimoramento da democracia em nosso país, uma população esclarecida sabe exigir qualidade nos serviços públicos ofertados pelos governos, contudo o exercício do jornalismo requer certa disciplina no trato com as informações. Essa reportagem apresenta dois problemas de origem, ao que parece o autor não leu os relatórios produzidos “pelos ditos doutores estrangeiros” e a principal, não se realizou um trabalho de escuta de fontes. Dentre os ditos doutores, a estrangeira e mulher, mais exposta por essa acusação, é natural de Itabira, tem família na cidade e “curte” todos os feriados e férias junto ao povo de sua cidade natal. Formou-se na EMZA, estagiou no SAAE e na ITAURBE, lecionou na FUNCESI e na UNIFEI antes de ser agraciada com o Prêmio Jovem Cientista do Brasil. Portanto a tese principal do autor da reportagem, que de forma sarcástica afirma que “cientistas estrangeiros” são contratados pela Prefeitura para identificar e apontar soluções para problemas cuja população local já tem a resposta está severamente prejudicada. A prefeitura da cidade fez o que o autor da reportagem aponta como adequado: dar voz e vez “à prata da casa”. E é por isso que o Projeto de Educação Popular é tão surpreendente.
Adriene Aparecida Figueiredo Gomes
Professora de História das Redes Públicas, Municipal e Estadual, de Educação de Contagem
Mestranda em Educação – Políticas Públicas – PUC/MG
Ps: irmã de Uende, natural de Itabira.
Agradecemos as críticas, mas gostaríamos de fazer um esclarecimento: em nenhum momento a reportagem fez referência ou crítica a doutores estrangeiros. Este site abomina o xenofobismo. Inclusive, utilizamos as observações do naturalista francês Saint-Hilaire para ilustrar e reforçar a necessidade urgente de saneamento do córrego e do poço, assim como a reforma do parque.
A crítica na reportagem não é à tese dos “doutos doutor e doutora”, mas sim aos sucessivos estudos e propostas acadêmicas para a solução de um antigo problema de saneamento que persiste devido à inoperância de sucessivos governos. Esperamos que as soluções apontadas pelos doutores da UFMG sejam efetivadas e que o parque da Água Santa se torne o que foi preconizado por Baptistinha no início do século passado.
Recomendamos também a leitura da reportagem “Intervenções no Parque da Água Santa são históricas e paliativas”, publicada neste site Vila de Utopia, para um entendimento mais amplo do contexto histórico e atual da situação da falta de saneamento e abandono desse ainda inoperante espaço público, histórico e cultural.