Empresa ganha direito de pesquisar rejeito na barragem do Itabiruçu para futura exploração
Carlos Cruz
A Vale acaba de sofrer um grande revés no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Um acórdão, publicado na quinta-feira (23), confirmou sentença de primeira instância, da Comarca de Itabira, restabelecendo o direito de a empresa Itabiriçu Nacional Pesquisa Mineral realizar pesquisas geológicas em parte da barragem Itabiruçu, onde a mineradora deposita rejeito gerado pelas usinas do complexo Conceição.
Por unanimidade, os desembargadores Estevão Lucchesi (relator), Marco Aurélio Ferenzini e Valdez Leite Machado reconheceram direito de ingresso na área de geólogos e demais técnicos da empresa detentora do alvará de pesquisa, para que possam realizar os serviços de mapeamento geológico e de geofísica.
O projeto de pesquisa já foi aprovado pela Agência Nacional de Mineração (ANM), mas o ingresso na área estava suspenso, aguardando decisão do tribunal. O que só agora ocorreu.
O desembargador Estevão Lucchesi considerou que a pesquisa mineral na área atinge o interesse público e que a legislação específica determina que se dê “celeridade aos trabalhos pelo detentor do respectivo alvará”.
E complementa:
“Vislumbro razão nas alegações da agravante no sentido de que a perícia determinada pelo Juízo a quo já deve ser iniciada, justamente para que o expert nomeado possa mensurar o valor da renda, bem como da indenização, em caso de danos e prejuízos eventualmente ocasionados à agravada, trazendo efetividade e celeridade ao procedimento”, determinou o relator, sendo seguido em seu voto pelos demais desembargadores.
Para esse fim, já foi nomeado o perito judicial. “Já pagamos o perito. A avaliação deve ocorrer nos próximos dias”, informa Everaldo Gonçalves, geólogo e um dos proprietários da Itabiriçu Mineral. “A pesquisa será feita por método não destrutivo”, assegura.
Estudo de viabilidade
Conforme explica o geólogo, com a pesquisa o que se pretende é comprovar a viabilidade econômica dos recursos minerais contidos na área requerida. Pelo seu entendimento, trata-se de um minério que passou a integrar o subsolo. E que, portanto, pertence à União – e não mais à Vale.
“As áreas com rejeito são consideradas jazidas antropogênicas, que foram geradas pela ação humana no processo de mineração. É um minério como qualquer outro. Por lei, quem quiser reaproveitá-lo precisa requerer o direito mineral. E isso a Vale não fez. Ao deixar de requerer, perdeu o direito para o nossa empresa.”
Para o geólogo, o acórdão é para cumprimento imediato. De acordo com ele, mesmo que a Vale ingresse com recurso no Supremo Tribunal de Justiça, a medida não terá efeito suspensivo. “Não impede que as pesquisas sigam o seu curso.”
Pelo projeto apresentado à ANM, a Itabiriçu Mineração quer concluir as pesquisas e contribuir com a produção mineral no país. “Vamos provar que a exploração desse minério é viável. Se isso ocorrer, nossa empresa tem o direito de lavrar e fazer o seu beneficiamento. Isso pode ocorrer nas usinas da própria Vale ou de terceiros. Estamos dentro da lei.”
Na reunião pública, realizada no dia 28 de junho, na Câmara Municipal, Everaldo Gonçalves apresentou pedido de impugnação do alteamento da barragem Itabiruçu, por diminuir a sua área de pesquisa. “Fiz denúncia à ANM e ao meio ambiente. A Vale comete crime ambiental por desmatar área verde e por executar o alteamento da barragem sem ainda ter as respectivas licenças ambientais.”
Vale contesta direito de pesquisa em suas áreas
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Vale, mesmo alegando que a mineradora tem por prática não comentar processos judiciais em andamento, salienta que a barragem Itabiruçu é de sua propriedade. Daí que é a única legitimada para realizar o reaproveitamento dos materiais nela contidos.
Para a Vale, isso é o que determina a legislação brasileira e também um entendimento consolidado pela Procuradoria Jurídica da ANM (parecer n° 246/2017 e a Nota n° 243/2018).
Além disso, informa que “estudos realizados anteriormente pela Vale no local demonstram que não há potencial para exploração econômica de minério de ferro no subsolo da área correspondente ao alvará de pesquisa da Itabiriçu Nacional de Pesquisa Mineral”.
Para a Vale, a barragem Itabiruçu atende aos requisitos legais vigentes. Além disso, possui documento de estabilidade emitido pelos órgãos responsáveis. “No entanto, qualquer atividade de terceiro no local pode colocar em risco a segurança e a estabilidade da estrutura”, finalizou a nota da empresa.
Saiba mais
A área de pesquisa requerida pela Itabiriçu Mineração na barragem Itabiruçu abrange uma área de 480 hectares. Localiza-se na porção norte, na sua cabeceira. Inclui também pilhas de rejeito, inclusive parte das reservas de itabirito duro que a Vale atualmente explora.
Segundo Everaldo Gonçalves, a barragem Itabiruçu está dividida em três títulos minerais. O primeiro, ao norte próximo da cabeceira,a Vale detinha o direito de pesquisa. Mas como deixou de requerer o respectivo alvará, teria perdido esse direito para a Itabiriçu Mineração.
O segundo e o terceiro títulos pertencem à Vale. Um deles a mineradora chegou a perder para uma outra empresa. Mas conseguiu recuperar por decurso de prazo.
Como ainda não há jurisprudência sobre o direito de lavra do rejeito de minério, ao não requerer o alvará de pesquisa, a mineradora corre o risco de perder a prerrogativa de explorá-lo economicamente.
“A Vale deu uma cochilada quando a ANM abriu edital de concorrência, em 2013, para que os alvarás de pesquisas fossem requeridos. Entramos sozinhos na licitação e ganhamos esse direito”, conta Everaldo Gonçalves.
Esse mesmo risco a Vale já não corre em relação ao rejeito contido na barragem do Rio de Peixe. “Para essa barragem, a Vale requereu alvará de pesquisa e aguarda também a portaria de lavra”, conta o geólogo, que diz ter a empresa perdido também prazo para requerer os alvarás de pesquisas para a barragem do Pontal – e que foram requeridos por outras empresas.
Direito de terceiros explorar rejeito das barragens é controvertido
Procurado pela reportagem, o ex-advogado da Vale Denes Martins da Costa, especialista em direito minerário, confirma que o detentor de alvará de pesquisa tem direito de ingressar na área requerida.
“Se o proprietário resiste e não há acordo, o juiz determina a realização de uma perícia para apurar a indenização e a renda que devem ser pagas ao proprietário do solo.”
Esse, por sua vez, obrigatoriamente deve permitir o ingresso na área. “Não conheço o caso específico, mas na prática é isso que acontece”, afirma.
Entretanto, o advogado diz ser controvertida a tese de que o rejeito passa a fazer parte do subsolo, tornando-se obrigatório requerer alvará de pesquisa antes de dar início à sua exploração.
“Pode haver discussão, por uma questão de Direito Intertemporal. Mas hoje, pelo regulamento, esse direito me parece pertencer à Vale, independentemente da existência ou não de alvará de pesquisa”, pondera.
Além disso, ele diz existir uma tese de que o rejeito seja um protominério, pertencente a quem o explorou. E que pela legislação, a lavra é o conjunto de operações coordenadas com o objetivo de aproveitamento da jazida.
Segundo ele, entre as operações coordenadas estão o planejamento e o desenvolvimento da mina, a remoção de estéril, o desmonte de rochas, a extração mineral, o transporte do minério dentro da mina.
E, também, nessas operações coordenadas estão incluídos o aproveitamento econômico do rejeito, do estéril e dos resíduos da mineração e a armazenagem do produto mineral.
“O Ministério de Minas e Energia e a ANM estimularão os empreendimentos destinados a aproveitar rejeito, estéril e resíduos da mineração, inclusive mediante aditamento ao título por meio de procedimento simplificado”, acrescenta.
“Estou falando em tese. Não fui advogado no caso, mas quero agora acompanhar por curiosidade acadêmica”, se propõe Denes Lott, que também se preocupa com o processo de descomissionamento (fechamento) das minas de Itabira.
Esse é mais um tema que deve ser acompanhado por toda a sociedade itabirana, pelas implicações que o descomissionamento terá para a sustentabilidade socioeconômica e ambiental do município.
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Bem feito, o cachimbo caiu e agora vão ter de aturar um vizinho bem na entrada da porta de casa.
Mauro, vc escreveu o que penso. E eu te pergunto: o que a população da Cidade fará com a nova ordem?
Parabenizo o Vila de Utopia pelas matérias e linha editorial.