Em áudio de 1988, Raul Seixas relata tortura sofrida durante a ditadura militar
Imagem: Tiago Augusto/ Creative Commons
Por Edgard Matsuki
Fonte: Portal EBC
Cantor e compositor deixou 21 discos e músicas atemporais, que continuam conquistando gerações
Raul Seixas morreu no dia 21 de agosto de 1989, vítima de complicações de uma pancreatite aguda. Exatamente 25 anos após a morte do pai do rock brasileiro, um áudio do ano de 1988 mostra uma entrevista em que Raul Seixas conta detalhes das torturas que sofreu durante três dias no ano de 1974.
A entrevista foi concedida ao jornalista André Barbosa, na extinta rádio FM Record de São Paulo. Ele cedeu o áudio do seu arquivo pessoal à Rádio Nacional de Brasília FM, que ao longo do dia de 21 de agosto de 2014 veiculou a entrevista de Raul.
De acordo com Barbosa, essa foi a primeira e, provavelmente, a última vez que ele falou sobre a prisão pelos militares em uma gravação. “Ele nunca tinha comentado sobre o assunto”, diz.
O áudio mostra o momento da entrevista em que ele foi indagado em relação aos planos que tinha de construir uma sociedade alternativa e sobre a prisão dele. Raul suspirou e começou a contar a história.
Raul relatou, entre outras coisas, que ficou em um local subterrâneo, com limo, que apanhou e levou choques “em lugares particulares”. Do local da prisão, ele também conta que foi levado a um aeroporto e mandado para os Estados Unidos.
Só voltou ao Brasil porque o LP Gita se tornou um sucesso: “Veio o Consulado Brasileiro no meu apartamento. Era quase em dezembro de 1974. Bateu na porta do meu apartamento dizendo que eu já podia voltar. Que o Brasil já me chamava, que eu era patrimônio nacional e que estava vendendo disco”. Raul disse que voltou só porque “estava com muita saudade”.
Leia o que disse Raul Seixas sobre a prisão, tortura e exílio em 1974
Em 1974, eu estava com a Sociedade Alternativa, essa ideia estrutural, com os parâmetros todos desenvolvidos. Estava em uma época esotérica, frequentando tudo, participando de tudo, escrevendo para John Lennon. Não sabia que iria me encontrar com ele. Também não sabia que eu ia ser expulso do Brasil. Ordem de prisão do 1º exército!
Ia ser doado para mim, por uma sociedade esotérica egípcia de Aleister Crowley, um terreno em Minas Gerais. E esse eu acho que foi o cume, culminou aí. Eu ia construir uma cidade, uma anticidade, o antitudo, o antiguarda. Ia fazer uma cidade modelo. Estávamos tão loucos pela ideia. Eu, Paulo Coelho, tinha um advogado, tinha um juiz. Tinha pessoas importantes de cada área na sociedade alternativa.
Então foi tudo desativado porque eu fui expulso para Nova York. Fiquei um ano exilado do Brasil, sem poder voltar. Eu fui pego na pista do Aterro [do Flamengo, no Rio] quando eu voltava de um show. Um carro do Dops barrou o meu táxi e eu fiquei nu com uma carapuça preta na cabeça. Fui para um lugar, se não me engano, Realengo. Eu sinto que foi por ali, Realengo. Um lugar subterrâneo, que tinha limo. Eu tateava as paredes e tinha limo.
E vinham cinco caras me interrogar. Tinha um bonzinho, um outro bruto que me dava murro, um que dava choque elétrico em lugares particulares e tudo. Eu fiquei três dias lá. Sabe, cada um tinha uma personalidade. Era uma tortura de personalidade. Eu não sabia quem vinha. Só sentia pelos passos. Eu pensava, era o cara que batia. Era o cara que tem o…
Após três dias, eu estava no aeroporto. Já tinha deixado o LP Gita gravado e não sabia que ia fazer sucesso sozinho. Não sabia que ia estourar. E ele estourou. Acho que tocou umas seis faixas. Uma por uma. Gita, Sociedade Alternativa, Medo da Chuva… foi um disco que foi muito explorado. Então, eu estava lá nos Estados Unidos. Já tinha encontrado com John Lennon, já tinha corrido o país, era casado com uma americana na época. E tinha cantado com Jerry Lee Lewis em Memphis, Tenesee. Ele me acompanhou de piano.
Tinha transado [feito muitas coisas] um bocado nos EUA quando veio o Consulado Brasileiro no meu apartamento. Era quase em dezembro de 1974. Bateu na porta do meu apartamento dizendo que eu já podia voltar. Que o Brasil já me chamava, que eu era patrimônio nacional e que tava vendendo disco. Cinicamente, o cara falou assim.
É, eu voltei. Tava com muita saudade. Voltei para o Brasil e vi o disco Gita estourado aqui. E foi mais ou menos assim aquele ano de 1974. Mas tudo bem. Eu me refiz, graças a Deus, não fiquei com trauma psicológico nenhum e acho que as coisas se processam dessa maneira.
(Texto publicado originalmente pelo portal EBC em 20 de agosto de 2014.)
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