Drummond, ainda e sempre

Sabadoyle, em casa de Plínio Doyle (Reprodução – Acervo Cristina Silveira)

Ferdy Carneiro

Continuam as celebrações pelos primeiros oitenta anos de Carlos Drummond de Andrade. Está aberta à visitação pública a exposição Homenagem a Drummond, na Fundação Casa de Rui Barbosa. Rua São Clemente, 134.

Inaugurada no dia da Cultura, 5 de novembro, com a presença do homenageado que em discurso emocionado lembrou seu amor à justiça e à liberdade tinham fundamentos na vida do patrono daquela casa.

Drummond lembrou que aos 7 anos de idade, na sua longínqua Itabira, chegara a voz de Rui em sua campanha civilista e desde então tornou-se um civilista ardoroso. O município de Itabira – contou o poeta – deu votação maciça ao candidato civilista que acabou vencido nas urnas gerais. Sua cidade sofreu as consequências: estradas e outras melhorias não chegavam até lá, como castigo.

O menino aprendeu, com a vingança mesquinha, preciosa lição sobre os desmandos dos homens. E mais falou o poeta sobre estas duas palavras mágicas que são as palavras justiça e liberdade. Eram 6 horas da tarde. De uma mangueira dos belos jardins da casa da rua São Clemente um sabiá cantava e, se a imagem não fosse tão parnasiana, eu diria que o pássaro fazia contraponto com o poeta.

A exposição, montada com competência e carinho (nota-se) é a mais completa sobre os livros de Drummond. Livros de poesia, de contos, de crônicas edições especiais, traduções e prefácios, e antologias organizadas por CDA, e mais traduções de sua obra, trabalhos esparsos, estudos sobre a vida e a obra do poeta, recortes, discos, correspondência e fotos e retratos e caricaturas, e de lambujem um poema inédito, que publicamos aqui num furo de reportagem.

Homenagem a Drummond está aberta até o início de dezembro. Exposição imperdível para leitores e/ou admiradores do poeta. Quem preferir “bisbilhotar” sua vida, terá boas chances, ora curtindo o boletim escolar do aluno Carlos Drummond de Andrade, ora descobrindo o artista plástico em suas caricaturas.

Os livros, os livros quase todos, que compõem uma obra “que não foi projetada, e sim desabrochou”, segundo expressão de Afonso Arinos, estão ali, para contemplação e reflexão daquele que critica e público consagraram como o Poeta Nacional. Para encerrar cito outro grande pensador brasileiro, Jaguar: “Todo mundo lá, porque cultura é também cultura”.

O Outro

Carlos Drummond de Andrade

Como decifrar pictogramas de há dez mil anos
se nem sei decifrar
minha escrita interior?

Interrogo signos dúbios
e suas variações caleidoscópicas
a cada segundo de observação.

A verdade essencial
é o desconhecido que me habita
e a cada amanhecer me dá um soco.

Por ele sou também observado
com ironia, desprezo, incompreensão.
E assim vivemos, se ao confronto se chama viver,
unidos, impossibilitados de desligamento,
acomodados, adversos,
roídos de infernal curiosidade.

[O Pasquim (Rio), 18 a 24.11 1982. Hemeroteca da BN-Rio]

 

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