Doutor Colombo não quis ser prefeito de Itabira, mesmo sendo médico estimado. Ganhou a medicina
(Publicado originalmente neste site em 3 de junho de 2017 – Parte 2 – final)
Nem tudo foi só banho de água limpa nos córregos da Penha e nos poços da Água Santa e do Pará, além do footing no paredão da rua Tiradentes, na vida de doutor Colombo Portocarrero de Alvarenga, 95 anos. Caçula entre os irmãos, ele nasceu em Santa Maria de Itabira. Mudou-se com a família para Itabira ainda criança (leia aqui).
O seu pai, Álvaro de Alvarenga, era fazendeiro e teve de vender a propriedade com o crasch da Bolsa de Nova York, em 1929, o que ocasionou queda brutal no preço do café. Foi quando o governo deu ordem para os fazendeiros queimarem os cafezais, para assim diminuir a oferta e o preço voltar a subir. Foi uma quebradeira geral.
“Papai veio para Itabira e virou sócio de Paulo Procópio, que era o fazendeiro rico de Santa Maria. Todo mundo vendia para ele. E comprava dele também”, relembra Colombo.
Pouco depois, o seu pai conseguiu um emprego no Estado. “Tio Trajano (Procópio da Silva Monteiro, ex-presidente da Câmara e prefeito de Itabira, fundador com o professor Alfredo Sampaio do histórico Ginásio Sul-Americano), que era político, conseguiu nomear papai para coletor estadual.”
O novo emprego durou até 1937, quando veio o golpe de Estado. Numa canetada, “pelos poderes do ditatorial artigo 177”, recorda Colombo, Getúlio Vargas (presidente e ditador entre 1930/45 e novamente presidente de 1951/54), mandou os interventores estaduais exonerarem todos adversários políticos de seus cargos em repartições públicas.
Álvaro de Alvarenga, pai de Colombo, estava entre os desafetos políticos de Getúlio Vargas. “Papai foi demitido e ficou sem renda até 1951. Aos 55 anos não ganhava nada e não conseguia emprego. Acrísio e Mauro, já formados, sustentaram a nossa família, inclusive custeando os nossos estudos”, conta o caçula da família.
Estudos e tiro de guerra
Com a nomeação do irmão Oswaldo para juiz municipal em Peçanha, Colombo e os irmãos Mozart e Roger mudaram para a vizinha cidade, onde estudaram em um colégio público. “Fomos a cavalo de Itabira para lá. Levamos cinco dias para chegar.”
Depois de estudar em Peçanha, e em seguida pelo “apertado” Ginásio Mineiro, o atual estadual de Belo Horizonte, de triste lembrança para os irmãos, eles enfim retornam a Itabira para estudar no Sul-Americano, em 1937. “Roger voltou antes, não esperou nem terminar o ano”, entrega Colombo.
“Foi no Sul-Americano que eu tive a honra de concluir o 3º ano, tendo como professores sô Lolão, que dava aula de química, Sotér Lage também dava aula de química. Doutor Pedro Guerra dava aula de matemática e física. Doutor Nelson Lima era professor de latim, João Terceiro Gonçalves dava aula de geografia e foi paraninfo de nossa turma. Doutor José de Grisolia dava aula de Português e História. Arp Procópio dava aula de geografia”, recorda o médico como outra boa lembrança da juventude.
Antes de se tornar médico, na metade do curso de medicina, Colombo foi convocado para o exército, servindo em Juiz de Fora de 1943/45. E ele quase vira pracinha no fim da 2ª Guerra Mundial (1939/45).
Já se preparava para ir a guerra, quando para a sua sorte, do mundo e para a medicina itabirana, a guerra acabou no dia 7 de maio de 1945. “O exército foi um atraso em minha vida. A única coisa que eu gostava lá era da educação física. E aprendi um pouco de topografia”, lamenta Colombo o tempo perdido. “Eu ainda sou oficial do exército da reserva”, ri depois de recordar dessa façanha em sua vida.
Política na Cidadezinha Qualquer
Doutor Colombo guarda boa lembrança de seu tio Trajano Procópio, farmacêutico de Santa Maria, cofundador do Ginásio Sul-Americano. Trajano era formado em farmácia e por muitos anos exerceu a profissão em Santa Maria, antes de mudar com a família para Itabira. “Ele ajudou papai em um momento de muita dificuldade.”
Assim como o seu tio Trajano renunciou anos antes à presidência da Câmara, Mauro renunciou à prefeitura (1936/37) quando Getúlio deu o golpe. “Mauro não concordava com a ditadura”, explica Colombo, que prossegue: “A prefeitura de Itabira ficou um mês fechada, sem prefeito. Sô Lolão foi nomeado prefeito. Depois vieram vários prefeitos de fora, entrava um, logo saia. Itabira sofreu muito com a política de Getúlio.”
Inclusive, o município passou a se chamar Presidente Vargas, por obra e puxassaquismo do interventor Benedito Valadares (1933/45). Assim que terminou a ditadura, voltou o antigo nome, mas sem o Mato Dentro. “Itabira perdeu também a escola normal para Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas”, acrescenta o médico.
Em 1936 era para ter tido eleições, mas foram canceladas pelo golpe de Getúlio. “Nós (a família Alvarenga) éramos do Partido Republicano (PR), mas houve uma coligação que se chamou União Democrática Brasileira (UDB) e o candidato era Armando Sales, paulista. O Partido Progressista (PP) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apoiavam Getúlio, que lançou Zé Américo para presidente”, relembra Colombo.
“Zé Américo, escritor e autor do romance A Bagaceira, fez um discurso dizendo que sabia onde estava o dinheiro. Recebeu muita crítica pela insinuação. Getúlio deu o golpe e cancelou as eleições”, recorda o memorialista, que cita também a candidatura de Plínio Salgado pelo Partido Integralista. “Eles eram os camisas-verdes, simpatizantes do fascismo de Mussolini. O lema deles era Deus, Pátria e Família.”
Vereador
Colombo começou a participar da política em Itabira no fim da década de 1950 e início dos anos 60. Foi vereador de 1958 a 1962. Depois da eleição de Jânio Quadros (presidente do Brasil entre 31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto do mesmo ano, quando renunciou) teve eleição municipal.
“O nosso grupo tinha lançado Renault Lage, meu sobrinho, para prefeito. O nosso adversário maior era Luiz Brandão (prefeito de Itabira, 1950/54). Ele ia apoiar Renault, que era da UDN, para derrotar Wilson (Soares, do PTB). Doutor Antonio Camilo, outro político influente, também decidiu apoiar a coligação”, conta o médico itabirano.
Mas como já era comum na política, houve defecções e a candidatura de Renault não vingou. “Luiz Brandão nos apoiou até o fim, mas um grupo nosso desrespeitou a convenção e lançou Jody Machado pelo Partido Democrático Cristão (PDC).”
Renault desistiu de concorrer e Caio Martins lançou a sua candidatura pelo PSD. Resultado: Wilson Soares ganhou para prefeito com uma diferença de três votos. “A elite dividiu e perdeu para um sindicalista”, conta Colombo, com um sorriso irônico.
Prefeitura
Com esse episódio, o médico acabou se afastando da política. “Quando Virgílio foi candidato pela segunda vez, ele me convidou para ser o seu vice. Não aceitei, pois sabia que ele estava muito doente. Podia não resistir e eu ter de assumir. Eu não queria ser prefeito de Itabira, não tinha interesse.”
Virgílio Gazire foi prefeito de Itabira em 1970, quando assumiu como vice de Daniel de Grisolia (1967/1970), depois no quadriênio 1973/76. E novamente em 1983, quando faleceu no cargo. Assumiu o seu vice José Maurício Silva (PMDB), que governou Itabira até 1988.
Hoje, Colombo acompanha a política pelo noticiário. E acha que está tudo uma bagunça. “Tiraram a Dilma para acabar com a corrupção, mas tudo continua do mesmo jeito, não resolveram nada. Na época da ditadura também tinha corrupção, mas a gente não falava para não ser preso.”
Na política municipal, Colombo acha que doutor Jairo de Magalhães Alves (MDB, 1976/82) foi o melhor prefeito. “A cidade tinha pouco dinheiro, não era como hoje. Ele fez o centro cultural e a avenida das Rosas. E ninguém diz que ele roubou”, enfatiza.
Sobre o atual prefeito Ronaldo Lage Magalhães (PTB), Colombo tergiversa, diz que acompanha pouco a sua administração. “Só as notícias”, repete – mas acha que ainda é cedo para avaliar a sua gestão. Doutor Colombo, porém, faz uma ressalva importante: “No meu tempo de vereador, o político tinha ideologia partidária. Hoje, são tantos partidos que o prefeito tem que ceder às pressões dos vereadores para governar”, lamenta.
Medicina em Itabira
Doutor Colombo conclui o curso de medicina em 1947 pela Universidade de Minas Gerais, hoje UFMG. Foi primeiro trabalhar em Acesita a convite do médico doutor Pedro Guerra. Já estava casado com Eny Figueiredo de Alvarenga, que trabalhava com doutor Mauro, no raio X do Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD).
“Ficamos lá só nove meses. Eny fez muita falta no hospital e Mauro fez força para ela voltar. Eu acabei vindo também. Mauro precisava mais de Eny do que de mim”, diz, modesto. Retornou a Itabira para trabalhar no HNSD. Anos mais tarde foi contratado também pelo Hospital Carlos Chagas (HCC), aposentando-se em 1983. “A convivência era muito boa, sob a direção de doutor Antônio Camilo. Muitos médicos trabalhavam nos dois hospitais.”
Entre as muitas coisas boas que doutor Colombo fez pela medicina em Itabira, ele considera a mais importante ter trazido Altamir Nunes de Barros, o doutor Barros, para residir e exercer a medicina na cidade. “Doutor Barros foi um grande amigo, uma pessoa sem defeito que muito contribuiu para a medicina em nossa cidade.”
Colombo foi um dos primeiros médicos a fazer transfusão de sangue em Itabira. “O sangue do doador era retirado na hora da cirurgia”, recorda com saudade de um tempo em que a medicina era mais humanizada. “Hoje os médicos estão ricos por causa dos convênios. No meu tempo a gente não ganhava dinheiro como hoje. E atendia a todos, muitas vezes sem cobrar.”
Padre Lopão
Na visita aos enfermos na zona rural, Colombo conta que em muitas ocasiões levou com ele o padre José Lopes dos Santos, o padre Lopão, para o caso de o quadro do paciente agravar e ter de recomendar a sua alma. “Antes de entrar no quarto do moribundo, padre Lopão queria saber se o paciente ainda estava vivo. Ele morria de medo de dar a extrema-unção a uma pessoa já morta.”
Saúde
“Muitos estão admirados por eu ter 95 anos. Com 82 anos eu fiz cateterismo. Tenho as coronárias obstruídas em cerca de 70 a 90%. Cássio (Duarte, médico cardiologista) disse que eu estou vivendo dos juros dos exercícios físicos que fiz durante toda a minha vida”, conta feliz e disposto a viver por muito mais tempo. “Enquanto eu estiver com saúde e força para andar, vou vivendo com alegria. A morte não me preocupa, estou em paz com a consciência.”
Garrucha
Colombo e Eny não tiveram filhos. Mas sempre receberam sobrinhos e muitos moraram com o casal. Aos 14/15 anos, veio com eles morar o sobrinho Juarez Procópio de Alvarenga, filho de seu irmão Dalvo de Alvarenga. “Chegou rapazinho de Belo Horizonte e era muito moderno. Tinha até garrucha, foi a única vez que entrou arma em nossa casa.”
Depois Juarez mudou para um hotel e, segundo Colombo, foi ótimo para ele. “Juarez conheceu um delegado e foi trabalhar na delegacia, onde ficou até conseguir emprego na Vale, ainda em Itabira. Depois conseguiu transferência para Belo Horizonte, formando em engenharia. Nunca dependeu de ninguém. Sempre trabalhou, até aposentar na Vale”, conta com orgulho o tio e padrinho.