Doenças evitáveis por vacinas podem voltar a Minas Gerais por falta de imunização, advertem especialistas
Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia debate a importância da campanha de vacinação nas escolas estaduais
Fotos: Guilherme Bergamini
Campanhas de sarampo, influenza e poliomielite tiveram desempenho abaixo do esperado e crianças mineiras estão desprotegidas.
Em depoimento na audiência pública realizada nessa quarta-feira (9) pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a diretora de Vigilância de Agravos Transmissíveis da Secretaria de Estado de Saúde, Marcela Lencine Ferraz, fez o alerta: Minas Gerais corre sério risco de ver o retorno de doenças como a poliomieliteentre as crianças da maior parte de seus municípios.
Marcela Ferraz apresentou dados extremamente preocupantes, que foram agravados com a campanha negacionista desenvolvida pelo próprio governo federal, que fez cair todas as taxas de imunização no estado e no país.
Em Minas Gerais, segundo ela é preciso acender o sinal de alerta. É que 765 municípios mineiros, 89% do total, estão com a classificação de risco alta para a reintrodução de doenças imunopreviníveis (que podem ser evitadas com vacina), como a poliomielite, sarampo e influenza.
“Não atingimos nenhuma das metas nacionais nas campanhas de vacinação desse ano”, disse ela, lembrando que há um contingente importante de crianças que precisam ser vacinadas.
“Contra a poliomielite tivemos 84%, a meta era 96%. Parece uma diferença pequena, mas esse passivo vai acumulando ao longo dos anos”, acentuou. “Desde 2016, estamos tendo quedas muito expressivas. O risco de recrudescimento de doenças que estavam sob controle é muito real”, adverte.
Marcela Ferraz salienta também a baixa taxa de imunização entre adolescentes, preocupa-se. “No Sistema Único de Saúde (SUS), temos sete vacinas disponíveis para adolescentes, mas muitos familiares não estão cientes da necessidade de vacinação”, lamenta.
Para ela, é preciso adotar estratégias mais amplas. “As campanhas de vacinação em ambientes escolares têm tido bons resultados e penso que se conseguíssemos ampliar isso, por meio do Saúde na Escola, seria importantíssimo”, sugere.
Meningite C
Segundo ela, é preciso ampliar a vacinação para Meningite C em Minas Gerais, tendo como público-alvo a população com idade entre 16 e 30 anos, além de trabalhadores da saúde, professores e trabalhadores da educação superior.
A ampliação do público-alvo tem como objetivo aumentar a proteção contra a doença, que, desde 2017, não atinge a meta de cobertura.
Em todo o País, a situação da cobertura vacinal é classificada por especialistas como calamitosa. “A cobertura vacinal brasileira está a mais baixa em três décadas. O Brasil ocupa o ranking dos dez países no mundo com a maior queda, ao lado de Angola”, compara o médico e doutor em Ciências, Akira Homma.
“É a maior queda mundial de imunização infantil em uma geração e os efeitos serão medidos em vidas”, adverte. “É com esse crescente número de crianças desprotegidas que teremos de lidar nos próximos anos”, afirma.
O médico apresentou na audiência pública a campanha Vacinar para Não Voltar, da Sociedade Brasileira de Imunizações, do Programa Nacional de Imunizações e do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz).
Segundo ele, ações piloto têm sido desenvolvidas em estados brasileiros, como o Amapá, com a finalidade de integrar ações para a elaboração de planos municipais para a reconquista de altas coberturas vacinais.
“Tivemos bons resultados nos municípios após a mobilização em três eixos: aumentar o acesso às vacinas; fazer diagnósticos situacionais dos sistemas de informação para integração; e a escuta e diálogo com a população, criando rede de informação e solidariedade com profissionais”, acresenta Akira Homma.
“O desabastecimento de vacinas, o negacionismo, o funcionamento dos postos apenas em horário comercial, o registro das vacinas em sistemas que não se comunicam e a má gestão da atenção primária de saúde: todos são graves motivos para a baixa cobertura vacinal”, ele relaciona.
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Para crianças e adolescentes, vacina não é opcional
A defensora pública da Defensoria Especializada na Infância e Juventude da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), Daniele Bellettato Nesrala, destaca que os pais não têm o direito de privarem os seus filhos da vacinação, que é obrigatória.
“Para crianças e adolescentes não é facultativo. (A obrigatoriedade) está no Estatuto da Criança e do Adolescente e precisa ser cumprido. E os pais que não cumprem devem ser processados”, lembra.
“Essa recusa dos pais precisa ser comunicada ao conselho tutelar pelas escolas, para sensibilização das famílias, mas professores e conselheiros têm tido dificuldade em fazer o seu trabalho. Precisamos reforçar que não é opção vacinar crianças”, considera
A sua proposta é tornar obrigatória a apresentação do cartão de vacina atualizado no ato da matrícula.
Cerco aos negacionistas
Mãe de aluno da rede privada e membro do Movimento Coletivo Mães Pró Vacina, Tatiana Oyagawa pede que as escolas públicas e privadas façam busca ativa e cobrem as carteiras de vacinação dos pais, direcionando os negacionistas para palestras e atividades educativas.
“A poliomielite causa problemas e dores nas articulações; pé torto, porque o calcanhar não encosta no chão, o diferente crescimento das pernas, a paralisia de músculos, dificuldade de falar, atrofia muscular e hipersensibilidade ao toque”, relaciona a ativista.
“Não é possível que algum pai em sã consciência queira que o filho passe o resto da vida enfrentando tudo isso, que é perfeitamente evitável com a vacinação”, complementa.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidente da comissão e autora do requerimento para a realização da reunião, deu destaque a dois projetos de lei que nasceram de discussões em reunião anterior sobre vacinação.
São eles: o 3.562/22, que institui a campanha Quem Ama Vacina, e o 3.524/22, que autoriza o Estado a exigir o comprovante ou carteira de vacinação contra a Covid-19 dos alunos em todas as escolas públicas e privadas da educação básica.
“A ciência foi tratada como algo ideológico e estamos vivendo um período grave de negacionismo, como se a ciência fosse uma opinião”, lamenta a parlamentar mineira.
Para ela, a consequência disso é que todas as campanhas de vacinação ficaram comprometidas. “Precisamos vincular a escola nesse processo e ela tem de atuar como mais um instrumento de proteção à criança”, propõe.
*Com informações da assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.