Adélia Prado completa 88 anos nos presenteando

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Daniel Cruz Fonseca*

Celebrando seus 88 anos nesta quarta-feira (13), Adélia Prado é reconhecida como a maior poetisa viva do Brasil e uma das escritoras mais destacadas da literatura nacional. Sua comemoração se dá por meio da escrita, retomando sua atividade após um período autodenominado “deserto criativo”, que surgiu após o lançamento de seu último livro, “Miserere”, em 2013.

Embora o aniversário seja da escritora, o presente será nosso! Atualmente, a poeta está dedicada a uma nova obra, intitulada provisoriamente de “O Jardim das Oliveiras”, cuja data de lançamento ainda não foi definida.

Adélia Prado, tão diversa quanto sua própria poesia, é professora, contista, poeta, escritora e filósofa. Nascida em 1935 na cidade mineira de Divinópolis, ela descobriu sua paixão pelas palavras ainda na infância, iniciando-se na escrita dos primeiros versos.

Contudo, foi somente aos 40 anos, já casada e com cinco filhos, que decidiu dedicar-se integralmente à carreira de escritora, com o apoio e aprovação do nosso renomado poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade.

Foi Drummond quem encaminhou os primeiros escritos de Adélia para publicação na Editora Imago, resultando na obra “Bagagem”, sua coletânea de poesias mais aclamada e reeditada.

*Daniel Cruz Fonseca é advogado, mestre em Direito nas relações econômicas e sociais, e poeta, autor dos livros “Nuvens Reais” e “Alma Riscada”.

Confira a seguir alguns poemas dessa grandiosa autora:

Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

Momento

Enquanto eu fiquei alegre,

permaneceram um bule azul com um descascado no bico,

uma garrafa de pimenta pelo meio,

um latido e um céu limpidíssimo

com recém-feitas estrelas.

Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,

constituindo o mundo pra mim, anteparo

para o que foi um acometimento:

súbito é bom ter um corpo pra rir

e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo

alegre do que triste. Melhor é ser.

Um jeito

Meu amor é assim, sem nenhum pudor.

Quando aperta eu grito da janela

— ouve quem estiver passando —

ô fulano, vem depressa.

Tem urgência, medo de encanto quebrado,

é duro como osso duro.

Ideal eu tenho de amar como quem diz coisas:

quero é dormir com você, alisar seu cabelo,

espremer de suas costas as montanhas pequenininhas

de matéria branca. Por hora dou é grito e susto.

Pouca gente gosta.

Janela

Janela, palavra linda.

Janela é o bater das asas da borboleta amarela.

Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,

janela jeca, de azul.

Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,

meu pé esbarra no chão. Janela sobre o mundo aberta, por onde vi

o casamento da Anita esperando neném, a mãe

do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi

meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:

minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.

Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,

claraboia na minha alma,

olho no meu coração.

Amor violeta

O amor me fere é debaixo do braço,

de um vão entre as costelas.

Atinge meu coração é por esta via inclinada.

Eu ponho o amor no pilão com cinza

e grão de roxo e soco. Macero ele,

faço dele cataplasma

e ponho sobre a ferida.

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