Descriminalização da maconha está de volta na pauta do STF e já tem três votos favoráveis

Carlos Cruz*

Nessa quinta-feira (1), foi retornado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de uma ação de inconstitucionalidade que pode descriminalizar o uso recreativo da maconha.

O processo julga a inconstitucionalidade da Lei Antidrogas (nº 11.343 de 2006), que considera crime adquirir, guardar e transportar substâncias ilícitas mesmo para o uso pessoal.

A legislação atual não impõe pena privativa de liberdade aos usuários, mas prevê a aplicação de medidas educativas e prestação de serviços à comunidade.

O recurso que está sendo julgado foi apresentado há mais de 12 anos pelo defensor público Leandro de Castro Gomes, ao pedir a absolvição de um mecânico flagrado com três gramas de maconha.

Na época, o homem tinha 50 anos e estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema, São Paulo. Hoje, ele tem 64 e está em liberdade.

O Ministério Público de São Paulo e partes interessadas enviaram, nessa quinta-feira, manifestacao ao STF reforçando argumentos favoráveis ou contrários, para o julgamento da ação que voltou à pauta da suprema corte brasileira.

Até o momento, a descriminalização já obteve três votos favoráveis. Mas não há garantia de que será aprovada.

Esse julgamento foi retornado após quase oito anos, depois de ter sido interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, que já propôs a erradicação total do plantio da erva no país.

Moraes postou vídeo na rede social, no ínicio de agosto de 2016, com ele ceifando pés de maconha no Paraguai. A decisão da corte terá repercussão geral, valendo em todo território nacional.

Argumentos

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a promotoria de justiça pede a manutenção da criminalização do usuário. “Não se compreende como o Estado poderia cumpri-lo (a repressão ao tráfico de entorpecentes), se na outra ponta estará o usuário, sem estar sujeito a limites impostos pela lei”.

Já a Defensoria Pública de São Paulo, a Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Conectas Direitos Humanos, a ABGTL (Associação Brasileira de Lésbicas Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo) e a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, enviaram manifestação conjunta ao STF defendendo a descriminalização da posse de maconha para consumo.

Sustentam que a repressão ao usuário não tem eficácia, e que a escolha da via penal “não é legítima nem a mais eficaz”. E que é, portanto, inconstitucional para tutelar o consumo pessoal de drogas.

“Embora a Lei nº 11.343/06 tenha sido criada na intenção de quebrar o paradigma repressivo e como tentativa de responsabilização proporcional das condutas, seus 17 anos de vigência têm demonstrado que, na prática, têm contribuído para o encarceramento em massa, sobremodo, de pessoas negras e periféricas”, destacam.

E continuam: “Apesar do abrandamento das consequências penais do porte de drogas para consumo pessoal, a qualificação dessa conduta como infração de natureza penal permite que o aparato estatal seja utilizado na vigilância e marginalização de grupos socialmente subalternizados, os quais são alvo de operações policiais, que resultam em violência, encarceramento e morte de uma população majoritariamente negra.”

A ação pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343 de 2006 (Lei de Drogas), ao considerar crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal, mas não esclarece quanto à quantidade a ser considerada ilícita.

Sem definição clara e objetiva que diferencie usuários e traficantes, qualquer pessoa em posse de quantidade irrisória de droga pode, teoricamente, ser enquadrada como traficante.

Legalização

Muitas entidades civis e movimentos sociais vão além e pedem a legalização do consumo de maconha, como já fizeram a Holanda, Uruguai, citando apenas os dois mais conhecidos – e badalados.

Com a legalização, diferentemente da descriminalização, que deixa de tratar quem fuma como criminoso, mas que pode ser penalizado por sansão administrativa, como prestação de serviços, o ato de fumar maconha deixa de ser crime e passa a ser regulado por lei, amparado pelo Estado.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Stanziola Vieira, a eventual descriminalização pelo STF pode provocar o Congresso Nacional a legislar sobre o tema.

“Seja para maconha ou para outras drogas, precisamos de uma política que respeite o direito das pessoas de usarem as substâncias que bem entenderem, desde que não ofendam a saúde pública”, disse ele em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.

Um pouco de história sobre a maconha

Para começo de conversa, sabe-se que o consumo de cannabis vem de nossos ancestrais. O primeiro registro histórico da cannabis para fins medicinais aconteceu por volta de 2.700 a.C. Está no livro chinês Pen Tsao.

Já no Egito antigo, ela era usada para fabricação de papiros. Foi empregada também, nos primórdios da civilização romana, na fabricação de velas de barcos e também na confecção de vestuários.

A sua utilização e aplicações na Índia estão registradas no livro sagrado Atharvaveda, que além de destacar o uso medicinal, descreve a cannabis como um presente de Shiva para a humanidade.

Criminalização da cannabis

Segundo registros históricos, a primeira proibição do uso da cannabis medicinal e recreativo data de 1800, depois que Napoleão Bonaparte invadiu o Egito, em 1764, e os seus soldados começaram a fazer uso recreativo da erva, tornando-se mais calmos e menos propensos à guerra.

Só que na proibição, Bonaparte justificou justamente o contrário: que ao fumar maconha, seus soldados se tornavam extremamente agressivos. Foi assim que a maconha começou a virar “erva maldita”, por força de decreto napoleônico.

Mesmo com a proibição, a cannabis acabou aportando na Europa, chegando às Américas com os navios colonizadores vindos de Portugal, Espanha – e também das embarcações que vinham da África trazendo pessoas escravizadas.

Com o tempo, a partir de campanhas difamatórias contra a erva, partindo principalmente dos Estados Unidos, que a via entre outros malefícios financeiros prejudicial à indústria de papel/celulose, foram se criando leis que dificultavam o seu consumo.

E proibiram até mesmo o uso medicinal, sob pena de prisão dos médicos que a prescreviam. Foi assim que a sua utilização foi caindo na Europa e nas Américas. Em 1942, a cannabis foi excluída da farmacopeia norte-americana.

Em 1961, na Convenção Única sobre Entorpecentes, a Organização das Nações Unidas (ONU) sugeriu ações coordenadas e universais contra as drogas, incluindo a cannabis, sendo que todas deveriam ser proibidas, combatidas e reprimidas.

Mas nunca conseguiram acabar com o tráfico internacional de drogas, uma das “indústrias” mais lucrativas em todo o mundo.

No Brasil, a sua proibição acontece em 1938, por meio de lei promulgada pelo ditador Getúlio Vargas, a Lei de Fiscalização de Entorpecentes.

Conta-se que o objetivo era reprimir parte da população negra, que fazia uso da planta para fins medicinais e também recreativos, o que tornava esses usuários muitos mais audazes, “provocadores e contumazes desordeiros que subvertiam a ordem social”.

Daí que o ditador Getúlio Vargas decretou que para manter “a paz social no Brasil” se tornou imperioso proibir esse pessoal desordeiro de fumar maconha. E assim tem sido, por força de um decreto ditatorial, até que uma lei revoque essa proibição.

*Fontes:

The Green Hub

Folha de S.Paulo

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Bernardo Rosa, vereador governista, quer que a Prefeitura de Itabira distribua medicamentos à base de maconha mediante receita

 

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