Democracia sem comparecimento à urna se revela na pandemia em Portugal

Veladimir Romano*

Portugal, no começo deste 2021, teve eleições presidenciais sem contenda do mês de janeiro. E abriu novo período político na vida da nação lusa.

Contudo, no pior momento quando a pandemia anunciada pelas fontes de Saúde [DGS] havia tido forte aumente, com até 37% a mais de óbitos, vítimas do vírus.

Os últimos dois meses de 2020 colocou Portugal no pior lugar do acontecimento sanitário, relacionando mortes por cada cem mil habitantes.

São quase duas mil vítimas mortais semanalmente, subindo em flecha o contencioso acelerado da discussão, alguns aproveitando para politizar essa delicada situação.

Após o número de óbitos subir 60%, as autoridades decidiram voltar ao confinamento, enquanto acontecia eleição eleitoral pela escolha da Presidência.

Foi nesse contexto pandêmico que os portugueses decidiram votar antecipadamente ainda com a política se ressentindo dos efeitos negativos.

Pouca campanha ou nenhuma, serviu melhor a quem se candidatava, com o presidente fazendo pouca campanha, se elegendo por votação mínima.

Aqui se manteve o significado conservador do sistema eleitoral em que muitos já não acreditam, daí números aterradores em abstenção. Mandam mensagens que poucos querem ver, muito menos debater.

Havendo um vencedor antecipado, todas as sondagens apontaram essa indicação, retiraram num primeiro grau, votantes; em outro lado, uma estranha vigilância passiva, candidatos repetindo argumentos e representando uma mesma ideia.

E como sempre a esquerda se perdeu nesses momentos não sabendo unir forças nem discutir estratégias. Mas por incrível que pareça, a direita e até aqueles mais extremados, também nada disseram de novo.

Com isso deram vantagens ao presidente reeleito Marcelo Rebelo de Sousa, com 2,5 milhões de votos. Ele toma posse para novo período presidencial em Portugal no dia 9 próximo. Trata-se pois de um presidente minoritário confrontando uma gigantesca abstenção na ordem dos 60%.

Crônico na escolha, desvalorizou a própria eleição, mantendo-se o sentimento conservador, prevalecendo a opinião apenas da ordem direitista junto ao sentido anti-regionalista.

Pelo último mandato, ainda que o discurso vitorioso mande otimismo, não se vislumbra onde possa vingar tal salvaguarda da remuneração a 100 por cento aos trabalhadores em “lay-off” [do inglês retirar/por de lado].

Ficam por discutir o aumento geral dos salários mais baixos [a Comissão de Bruxelas criou plano contra pobreza estabelecendo salário mínimo paritário para todas as nações da União], além do reforço do sistema de saúde, melhoramento das estruturas de saúde pública.

Como também ficou pendente a discussão sobre proteção em locais de trabalho, maior investimento público, controlo público das empresas em setores estratégicos, fim ao financiamento das parcerias Público-Privadas [onde o privado sempre ganha e o Estado sempre perde].

Também falta definir a redução da tributação dos rendimentos mais baixos, a taxação dos especuladores [que nunca enriquecem a sociedade nem fazem bem na Economia], eliminação dos benefícios fiscais aos mega-lucros.

Ficaram também fora dos debates o apoio aos artistas, como reconhecimento da Cultura como veículo econômico, o aumento das pensões mais baixas [em Portugal se trabalha meio século para o pensionista receber 125 euros/mensais. A União Europeia pede para que as pensões mais baixas comecem calculadas no salário mínimo].

São ainda necessários suplementos de insalubridade aos trabalhadores da saúde, além de aquisição de ambulâncias, melhorias nos hospitais e asilos, permanência de 12 meses ao subsídio de desemprego, contratação de mais pessoal médico, enfermaria, auxiliares, técnicos para escolas, entre mais algumas reivindicações que a sociedade anda pedindo mas pouco ou nunca se resolve.

Mediante aquilo que ficou por fazer desde a primeira eleição, do gosto do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, carregado de boas intenções e bonitas palavras, não chegará para dizer como irá cumprir seu mandato para os 60% que não compareceram às urnas, por certo negando o privilégio democrático de escolher.

A escolha pode não ter sido a mais feliz, aqui, seguindo o pensamento de um dos maiores constitucionalistas nacionais, Pedro Bacelar Vasconcelos, quando afirma «É politicamente grave… são inúmeros os efeitos graves e até perversos a uma escolha feita dentro deste padrão de negação democrática podendo criar uma situação explosiva, sendo a taxa de abstenção acima dos 50%».

A pandemia agravou mais o descontentamento contra a Política, também… E fez nascer o discurso populista espalhando equívocos perigosos capazes de transportar valores contrários ao próprio processo democrático no qual acreditamos, com a abstenção revelando grande frustração. É lamentável que políticos ou até a imprensa não entenda e prefira manter a cabeça no buraco mais arenoso da praia mais próxima.

*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano.

No destaque, o presidente reeleito Marcelo Rebelo de Souza

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