CPI é criada na Câmara para investigar as causas do desabastecimento e da má qualidade da água consumida em Itabira
Fotos: acervo Vila de Utopia
Carlos Cruz
Após a contaminação por óleo derramado criminosamente pela empresa Minax, Transportes, Construções e Mineração, empreiteira prestadora de serviços à mineradora Vale, instalada ilegalmente no Distrito Industrial sem licença ambiental e alvará de funcionamento, a Câmara Municipal de Itabira aprovou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o ocorrido.
A CPI deve apurar também o porquê da demora em se se fazer a transposição da água do rio Tanque para o abastecimento público e atração de novas indústrias para quebrar a minero dependência que se o município vive há 81 anos.
A aprovação da CPI da Água foi por sete votos, tendo sido proposta pela vereadora Rosilene Félix (MDB), na reunião ordinária dessa terça-feira (21). A efetiva instalação e início dos trabalhos ainda depende da nomeação de seus membros pelo presidente da Câmara, vereador Heraldo Noronha (PTB).
Essa será a segunda CPI a ser instalada nesta legislatura, a primeira foi da Itaurb, da qual não se tem notícias.
“Itabira vive esse problema com a falta de água há muitos anos. Com a CPI vamos buscar a causa (para o desabastecimento), identificar possíveis responsáveis”, justificou a vereadora ao apresentar o requerimento para a instalação da comissão parlamentar de inquérito.
Nascentes destruídas
Não será difícil para os vereadores, caso queiram, entender e identificar a raiz desse problema estrutural que compromete o abastecimento público e impede, historicamente, a diversificação econômica de Itabira.
A crise hídrica atual é só uma manifestação ao extremo de uma situação de precariedade do sistema de captação e abastecimento que se arrasta há anos – e tem origem quando iniciou a mineração em larga escala no território itabirano, com a instalação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942.
Com o avanço da mineração no Cauê, na Serra do Esmeril e em Conceição, gradativamente Itabira foi perdendo as suas fontes de água que existiam na cabeceira da cidade: as fontes do Pará e da Penha, os mananciais do Borrachudo, Camarinha, Bicão, além de outros cursos d´’água superficiais que viraram outorgas da mineração, para o seu exclusivo, assim como também aconteceram com os aquíferos.
A compensação por essas perdas era para ter ocorrido, ainda que com atraso, a partir da aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC), em 2000, com as condicionantes da água.
Alternativas
No entanto, por empenho da mineradora, foram sendo criados paliativos, a exemplo da substituição de redes de distribuição antigas, que estariam causando perdas imensas, além da construção de novos reservatórios.
Mas nada de se buscar fontes alternativas, apontadas na ocasião pela Fundação Christiano Ottoni, da UFMG, que estariam no ribeirão de São José, como também nos rios Santa Bárbara e Tanque.
Entretanto, hidrogeólogos e gerentes da Vale sustentavam que a cidade não precisava buscar essas alternativas, pois com a exaustão das Minas do Meio na metade da década passada, sobraria água de classe especial nas minas de Itabira para abastecer Itabira.
Essa água do aquífero foi prometida como um “grande legado” que ficaria da mineração e que transformaria Itabira em uma das cidades com um maior volume e melhor qualidade desse insumo para o consumo humano e atração de novas indústrias.
“As águas dos aquíferos são reservas estratégicas para Itabira após a exaustão das minas”, afirmou o ex-gerente de Geotecnia e Hidrogeologia da Vale Henry Galbiatti, na edição de agosto de 2004 do jornal Vale Notícias.
“Foi o que ocorreu com muitos municípios mineradores na Espanha, que passaram a contar com esses recursos hídricos após a exaustão de suas minas”, foi o que sustentou também o hidrogeólogo Agostinho Fernandes Sobreiro Neto, em reportagem do mesmo house-organ, dois anos antes, na edição de março de 2002.
“Poucas cidades do mundo dispõem de reservas estratégicas de água como Itabira”, ele disse naquela edição. Segundo Sobreiro, antes de o rebaixamento ter início em 1985, os aquíferos Piracicaba e Cauê dispunham de 338,8 milhões de metros cúbicos de água.
“Desde então, até outubro de 2016, data prevista para exaustão das Minas do Meio, serão bombeados 37,2 milhões de metros cúbicos, correspondentes a 11% das reservas iniciais existentes nos reservatórios subterrâneos do distrito ferrífero”, contabilizou Sobreiro.
Conforme ele explicou, a água subterrânea é um recurso natural renovável. “Com a paralisação do bombeamento nas cavas, o que ocorrerá com a exaustão das minas, terá início a recuperação de seu nível. Com o tempo, as reservas atingirão o mesmo volume existente antes do rebaixamento”, disse ele.
Procrastinação
Com esses argumentos, a Vale procurou dissuadir as autoridades itabiranas de que não haveria a necessidade investir na transposição de água do rio Tanque, pois sobraria a água dos aquíferos, resolvendo em definitivo o problema da falta desse insumo para consumo humano e atração de novas indústrias.
Com o tempo, a Vale se “esqueceu” da promessa desse legado com a série de mudanças de gestores locais – e as autoridades municipais boquifecharam-se, aceitando a posição da empresa.
Isso com a conivência e complacência dos órgãos ambientais estaduais, ao sustentarem que as condicionantes da água da LOC estavam cumpridas com os “puxadinhos” que o Saae fez nos últimos anos com recursos da Vale para “melhorar os sistemas de captação, tratamento e distribuição na cidade”.
Não resolveram o problema, tanto que a administração passada, sem cobrar da Vale por admitir, erroneamente, que as condicionantes da LOC estavam cumpridas com “os puxadinhos”, apresentou a proposta de se fazer uma parceria público-privada (PPP) para enfim realizar a transposição da água do rio Tanque.
Além de pretender privatizar a captação, por meio dessa PPP, o governo passado dizia que o investimento privado no projeto seria pago ao longo dos anos, com o aumento de 25% na tarifa cobrada pelo Saae e paga pelo usuário itabirano.
Saiba mais aqui:
Saae quer terceirizar a transposição de água do rio Tanque e quem paga a conta é o consumidor
Dívida da Vale
Desde essa ocasião, este site sustentou que as condicionantes da LOC não foram cumpridas. E que a obrigação de bancar esse investimento é da mineradora que destruiu as fontes naturais superficiais existentes na cidade – e também por deter o quase monopólio das outorgas na cidade.
Foi o que entendeu também a promotora Giuliana Talamoni Fonoff, curadora do Meio Ambiente na Comarca de Itabira, quando, em 2020, com base no Código das Águas (Decreto Federal 24.643, de 10 de julho de 1934) instaurou inquérito para apurar as responsabilidades da mineradora.
Pesou também o fato de a Vale não poder mais disponibilizar a água dos aquíferos por ter que depositar rejeitos e estéril nas cavas exauridas das Minas do Meio, com as restrições na disposição desses materiais em barragens.
Além disso, em Itabira ocorre, historicamente, uma inversão do que está no Código das Águas, que prioriza, em situações de escassez, o abastecimento público seguido da dessedentação de animas, para só depois atender à demanda da agricultura e da indústria, o que inclui a mineração.
É o que dispõe também a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH). Entretanto, essa legislação federal não tem validade para Itabira.
Na cidade, água de classe especial é usada para lavar minério de ferro (concentração) e para “apagar” poeira da mineração, enquanto a população consome água turva de mananciais poluídos, com caro tratamento que agora é colocado em xeque depois que o Saae serviu à população água contaminada por óleo.
Transposição urgente
Pois é para solucionar de vez esse histórico problema de desabastecimento que, para não ser condenada na justiça, a Vale aceitou assinar o TAC do Rio Tanque. É o que deveria ter ocorrido pelo menos desde 2000, após a aprovação da LOC.
Com o TAC assinado, ainda há um longo caminho a percorrer até que a transposição seja concretizada e “resolvido de vez o crônico problema de desabastecimento de água na cidade”.
“A Vale nos disse, em abril deste ano, que não teria como executar as obras no prazo requerido pelo prefeito (2024), daí que prevalece o cronograma inicial”, disse à reportagem deste site a promotora Giuliana Talamoni Fonoff.
Portanto, 2026 é a data prevista para a conclusão das obras necessárias para o cumprimento integral do TAC do rio Tanque. Com isso, muito pouco cabe ao prefeito fazer, a não ser continuar pressionando para reduzir esse prazo.
Gestão que os vereadores da CPI da Água também podem fazer junto à mineradora, como também nos órgãos ambientais estaduais, como meio de apressar a necessária outorga do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), como também no sentido de agilizar a licença ambiental para que ocorra a transposição.
Para saber mais sobre a transposição do rio Tanque, acesse:
Água do rio Tanque só deve começar a jorrar nas torneiras de Itabira em 2026, diz promotora
E para saber mais sobre a promessa do legado dos aquíferos, acesse:
Com a disposição de rejeitos nas Minas do Meio, Itabira pode perder o legado da água dos aquíferos
Privatizada, a Vale virou o..cão. E essa história dos aquíferos é..criminosa. As soluções existem, mas a ganância impede a implementação delas. Tutu Caramujo tinha razão, afinal?
…. Quando o povo é subalterno e de caráter ruim como é em Itabira, só colherão coisa ruim. A câmara Municipal é absurdamente ignorante… Salva um vereador que pensa, o Bernardo Rosa da social democracia de centro. A única mulher é tão obtusa que melhor seria não ter mulher.