Covid-19 – Brasil já tem mais de 3 milhões de casos e pandemia avança para o interior
Por Juacy da Silva
[EcoDebate] O Brasil atingiu duas marcas tristes e vergonhosas. São 3 milhões de casos de pessoas infectadas e mais de 100 mil mortes pelo novo coronavírus.
Esses são os números oficiais que, sabidamente, não representam o tamanho real do problema, pois existe uma enorme subnotificação de dados relativos aos casos de pessoas infectadas, principalmente porque o Brasil é um dos países que menos testes tem aplicado para constatar, rastrear e tratar o número real de pessoas infectadas. Entre os países que testam, tendo como base cada milhão de habitantes, ocupamos a 101a. posição.
Se fossem realizados testes de forma massiva, como tem acontecido em alguns países da Europa e EUA, as estimativas indicam que o número de pessoas infectadas poderia ser de até dez vezes mais, ou seja, mais de 20 ou 30 milhões de casos. E, talvez, o Brasil estivesse ocupando o primeiro lugar neste campeonato macabro, já que no futebol há décadas não consegue.
Por exemplo, mesmo com a subnotificação o Brasil já, de alguns meses até hoje, ocupa o segundo lugar no ranking mundial tanto em número de casos quanto de mortes. Se o Estado de São Paulo, com mais de 575 mil casos, por exemplo, fosse um país estaria ocupando a quinta posição em número de casos de pessoas infectadas e a nona posição em número de mortes pela COVID 19.
Apesar de que no inicio da pandemia, de forma irônica, demonstrando sua insensibilidade, o presidente Bolsonaro dizia que a Covid-19 seria apenas uma “gripezinha” e outras bravatas como “ e daí, todos vão morrer um dia, eu sou messias mas não faço milagres”, ao ser questionado certa feita sobre o crescente número de casos e de mortes respondeu também de forma irônica “não sou coveiro”. Chegou até insinuar que as crianças e pessoas que nadassem em esgoto estariam se tornando imunes à Covid-19.
Saliente ainda a falta de cuidados e a forma desdenhosa como tratava a pandemia, criticando o isolamento e o distanciamento social determinado por governadores e prefeitos, O presidente fazia questão de circular em público, provocando aglomerações, apoiando direta ou indiretamente, inclusive atos anti-democráticos, sempre sem uso de máscara; dando um mau exemplo, até que em um determinado dia foi diagnosticado com a Covid-19 . E teve que ficar isolado por algumas semanas.
Em seu entorno sete ministros e a primeira dama já contraíram o novo coronavírus. E diversos integrantes de sua equipe, que foram aos EUA, acabaram também contraindo o vírus, mas nenhum teve problemas mais sérios, diferente de milhões de brasileiros que sofreram por falta de atendimento.
E têm-se ainda esses mais de 100 mil que acabaram sucumbindo, ante a falta de leitos de UTI, falta de respiradores, falta de insumos, medicamentos e de pessoal técnico para o pronto atendimento, milhares enterrados em valas comuns, sem nenhuma dignidade e sem sequer poderem ser velados pelos seus entes queridos.
Todos os especialistas não se cansam de enfatizar que faltou ao presidente Bolsonaro a capacidade de liderança neste processo, a quem caberia coordenar e articular os esforços com os governos estaduais e municipais, dando maior celeridade `as ações e maximizando os resultados, o que ele não conseguiu fazer, deixando o país perdido e sem rumo, razão pela qual não houve planejamento nem coordenação das ações, aumentando o número de vitimas.
Em meio à pandemia, a única coisa que Bolsonaro fez o tempo todo foi realizar propaganda da cloroquina, medicamento banido como forma de tratamento em diversas países pela sua ineficácia. Descontente com dois ministros da saúde , com formação médica, que se recusaram a alterar os protocolos para que a cloroquina fosse receitada de forma ampla, principalmente pelo SUS, não teve dúvida em demiti-los, colocando em seu lugar um leigo em saúde publica, apesar de ser um general com “expertise” em logística, como ministro interino que já perdura por meses no cargo.
Em meio a essa tristeza do avanço do número de casos que, nas últimas semanas quase todos os dias é superior a 40 mil ou até mais de 53 mil e o número de mortes sempre também acima de mil por dia, o Brasil e os brasileiros assistem, entre um misto de vergonha e revolta, diariamente o noticiário de mais casos de corrupção nos Estados, nos Municípios, surrupiando preciosos recursos orçamentários e financeiros, pelas quadrilhas de colarinho branco que continuam agindo dentro e fora das instituições públicas, verdadeiras máfias que sugam a saúde pública há décadas.
A explosão que aconteceu há dois dias no porto de Beirute, que causou mortes que podem chegar a mais de 300 pessoas e a, talvez, 10 mil feridos, é de longe muito menor do que as mais de 1.500 mortes que tem acontecido todos os dias, nas últimos semanas pelo coronavírus no Brasil. E a mais de 53 mil de novos casos em alguns dias. Só nos últimos doze dias foram mais de 10 mil mortes e mais de 500 mil novos casos, um drama que nem é notado e nem causa pesar em nossas autoridades.
Todavia, nossas autoridades, como soe acontecer, de forma super rápida demonstraram, corretamente, diga-se de passagem, a sua solidariedade ao povo libanês; enquanto o total das mortes por covid no Brasil até agora representam mais de 300 explosões da mesma magnitude que quase destruiu Beirute.
O Japão esta relembrando os 75 anos do lançamento da bomba atômica que, em 1945, destruiu a cidade de Hiroshima, matando 140 mil pessoas. Isso enquanto no Brasil, de março até o inicio de agosto deste ano de 2020, já registra mais de 100 mil mortes pela Covid-19, até o fim do ano essa doença terá ceifado mais vidas do que a bomba de Hiroshima. Mas essas mortes não despertam solidariedade por parte de inúmeras autoridades, que continuam agindo como se nada estivesse acontecendo de tão grave em nosso país.
Só se fala em reformas, eleições municipais, crise fiscal, equilíbrio das contas públicas, fake news e outros assuntos correlatos. Enquanto isso, pouca atenção é dedicada à maior pandemia que está varrendo o mundo e destruindo milhares de vidas. Além disso, nada é dito sobre como ficará o SUS, já falido, no pós Covid-19.
A situação da crise sanitária no Brasil, a maior desde a gripe espanhola em 1918, há mais de um século, que já era grave, gravíssima antes mesmo da chegada da Covid-19, piorou extremamente, apesar da suplementação dos recursos orçamentários e financeiros colocados à disposição da saúde pública e deverá, assim permanecer ou até mesmo piorar no pós-pandemia.
Há poucos dias um médico sanitarista, que já foi presidente da Avisa, disse em uma entrevista a um canal de televisão, de forma clara e objetiva de que mesmo que a Covid-19 seja controlada e combatida com o surgimento de uma vacina, o que deve ocorrer talvez no primeiro semestre d2021, a degradação ambiental, principalmente o desmatamento da Amazônia, que segue a passos largos (a boiada continua passando) e as queimadas, contribuirão para que milhões de vírus que convivem com animais silvestres acabem afetando o ser humano. Ou seja, o pior ainda está por vir.
O binômio Covid-19 e a degradação ambiental, incluindo o aumento acelerado do desmatamento da Amazônia e do Cerrado, as queimadas que já estão ocorrendo no Pantanal e nesses dois outros biomas referidos, onde mais de 120 mil hectares já foram destruídos e ainda está longe de serem dominadas, bem como as queimadas na Amazônia que deverão ser superior a mais de 4, 5 ou mais vezes do que a destruição do Pantanal, estão afetando a qualidade do ar tanto no Pantanal e áreas de seu entorno, quanto na Amazônia Legal e no Centro-Oeste em geral. É o que está tornando o ar irrespirável, como já está acontecendo em Rondonópolis, Cuiabá, Corumbá, Campo Grande e região, quanto em outras regiões mais distantes.
Apesar dos “esforços” dos governos federal e estaduais, incluindo a atuação das Forcas Armadas, através da GLO e do Conselho da Amazônia, presidido pelo vice-presidente da República, tanto em 2019 em relação a 2018, quanto 2020 em relação a 2019, tanto o desmatamento quando as queimadas aumentaram de forma acelerada.
Entre agosto de 2019 e junho de 2020 foram desmatados na Amazônia Legal nada menos do que 754 mil hectares. Entre 2008 e 2019 a área desmatada de forma ilegal na Amazônia e no Cerrado foi de 2,4 milhões de hectares e o desmatamento legal foi ainda maior, atingindo uma área de mais de 3,8 milhões de ha.
Outro aspecto grave deste binômio é a situação da falta de saneamento básico que afeta mais de 100 milhões de pessoas, que não tem água tratada e nem coleta e tratamento de esgoto e nem coleta regular de lixo urbano, acarretando o aumento de doenças e de pressão sobre um sistema público de saúde já totalmente falido.
Além desses aspectos, o Brasil está longe de cumprir as metas a que se comprometeu junto ao ACORDO DE PARIS, seja relativamente ao desmatamento e `as queimadas quanto `a emissão de gases que provocam o efeito estufa e está mais do que comprovado por diversas estudos e manifestações de pesquisadores e cientistas que os efeitos que advirão das mudanças climáticas, incluindo o aquecimento global, serão muito piores do que todas as pandemias que já ocorreram, inclusive o CORONAVÍRUS que ainda não acabou, como imaginam diversas pessoas e governantes.
Além da demanda por atendimento médico hospitalar devido à Covid-19, os casos de problemas respiratórios, principalmente em crianças e idosos, têm aumentado assustadoramente, nas cidades e áreas atingidas pela fumaça das queimadas que “viajam” centenas de km, colocando o sistema de saúde pública em colapso e o aumentando o número de casos e de mortes decorrentes de problemas respiratórios.
Segundo depoimento desse mesmo médico, o deficit de leitos hospitalares, principalmente de UTIs era superior a 40% tendo como comparação o ano de 2008 e mesmo com o aumento dos leitos de UTI para atendimento da COVID 19, não existe nada certo de que a situação possa melhorar após a COVID 19.
Isso pela falta de pessoal especializado, como também pela falta de medicamentos e, principalmente, pela falta de recursos orçamentários e financeiros, premidos tanto pela corrupção quanto pelo teto dos gastos. Afinal, para os doutos entendidos em finanças públicas do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais, o “equilíbrio fiscal” é mais importante do que a vida , do que o sofrimento e do que a morte das pessoas.
Se o Brasil tivesse um sistema público de saúde melhor equipado e em condições de atender de forma rápida e efetiva `as pessoas que ao contraírem a Covid-19 precisaram desses cuidados em UTIs e respiradores, com certeza milhares dessas mortes teriam sido evitadas. Foram o que se chama de “mortes desnecessárias” ou “mortes evitáveis”. Enfim, tudo isso não deixa de ser uma negligência e desrespeito à dignidade das pessoas, quando o direito a vida lhes foi negado pelo Estado.
Afinal, para diversos governantes que pensam desta forma, as pessoas tornam-se apenas números, estatísticas. Esses governantes não conseguem ver as histórias de vida, as famílias destruídas como está acontecendo em consequência desta pandemia, com o aumento da fome e da miséria, o aumento do número de famílias que estão morando na rua, embaixo de viadutos, de marquises, nas praças públicas, implorando a caridade por um prato de comida. Isso enquanto os marajás da República nos três poderes, e nos estados e municípios, continuam ostentando e ampliam seus privilégios.
Alguns estudiosos e pesquisadores continuam afirmando que a Covid-19 deverá permanecer ativa em todos os países, em alguns mais e em outros um pouco menos, e uma segunda ou terceira onda não estão descartadas,. É o que já está acontecendo em alguns países da Europa e da Ásia. Com toda certeza o número de casos no mundo deverá ser superior a 25 ou 30 milhões e de mortes mais de 1,5 milhão ou até dois milhões, antes que alguma vacina esteja à disposição de forma universal para imunizar a população, como ocorre com outras viroses.
No caso brasileiro imagino que até o surgimento da vacina e da imunização ampla da população poderemos ter mais de 20 milhões de casos de pessoas infectadas, tendo em vista que esses 3 milhões que deveremos atingir dentro de dois dias, representam uma grande sub-notificação.
Como todos os estudos e pesquisas têm indicado, o número de mortes poderá ser superior a 150 mil ou até chegar a 200 mil vidas ceifadas desnecessariamente. Isso caso as pessoas não se previnam e as autoridades e organismos públicos continuem insensíveis, ineficientes, ineficazes e sem efetividade como ocorre no momento, com a burocracia e a corrupção aumentando o sofrimento e as mortes de tanta gente.
*Juacy da Silva, é professor universitário, titular e aposentado UFMT, sociólogo e mestre em Sociologia. Colaborador de alguns veículos de comunicação social. Email profjuacy@yahoo.com.br Twitter@profjuacy
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 11/08/2020