Consulta Pública do Codema teve vozes cerceadas ao questionar a ampliação de cavas para a continuidade da mineração em Itabira até 2041

Fotos: Carlos Cruz

Muito marketing e pouca ação, os males da Vale em Itabira são

A Consulta Pblica promovida pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), realizada no auditório do Paço Municipal Juscelino Kubitschek na noite dessa segunda-feira (12), foi a primeira realizada pelo órgão ambiental municipal, mas não é a única.

Em 28 de julho de 2018, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) realizou um arremedo de audiência pública, solicitada pelo então presidente da Câmara Municipal, ex-vereador Neidson Freitas (MDB), e transformada em Reunião Pública, para tratar do licenciamento ambiental para a execução das obras de alteamento da barragem do Itabiruçu, que saltou da cota de 836 metros para 850.

Assim como a consulta pública de agora, a reunião da Semad na Câmara teve pouca divulgação, mesmo assim o plenário do Legislativo itabirano ficou cheio, como ocorreu também com a consulta pública de agora, organizada meticulosamente para que os técnicos da Vale apresentassem o projeto de expansão das Minas do Meio e Conceição, além da instalação de duas grandes pilhas de contenção de rejeitos.

Propositalmente, a consulta pública foi realizada em um espaço pequeno e com mais da metade do público formado por empregados da Vale, uniformizados ou à paisana – e o público presente somente pôde se manifestar por meio de perguntas escritas.

Aqueles que se manifestaram verbalmente foram ignorados. E as suas perguntas não foram respondidas, num claro e deliberado cerceamento da liberdade de expressão.

Dinâmica

A consulta pública foi aprovada pelo Codema em 21 de março de 2025. A Secretária Municipal de Meio Ambiente, Elaine Mendes, abriu o evento, explicando como seria a dinâmica do encontro.

A secretária também esclareceu a diferença entre reunião pública e audiência pública, destacando que a consulta organizada pelo Codema não tem caráter deliberativo, mas gera um relatório que será incorporado ao processo de licenciamento ambiental do empreendimento na esfera estadual.

Elaine Mendes detalhou o papel do Codema no processo, ressaltando que o município atua como órgão anuente, responsável por autorizar o uso e ocupação do solo na área de interferência ambiental do empreendimento.

“Além dessa anuência, o projeto ainda precisa de outras autorizações ambientais, como do Igam (Instituto Mineiro de Gestão das Águas), IEF (Instituto Estadual de Florestas) e ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade)”, esclareceu.

Expansão é para continuidade da mineração em Itabira

Quintiliano Guerra disse que a expansão das minas é que vai assegurar a permanência da mineração até 2041

O diretor de Geotecnia da Vale, Quintiliano Guerra, disse que a expansão é necessária e imprescindível para a continuidade da mineração em Itabira.

“Precisamos garantir a sustentabilidade das operações até 2041. Esse projeto nos permite avançar nesse plano, respeitando todas as regulamentações ambientais e sociais”, afirmou Guerra.

Segundo ele, a Vale atualmente emprega cerca de 10 mil trabalhadores, entre próprios e contratados, gerando uma massa salarial anual de R$ 2,3 bilhões, além de contribuir com R$ 255 milhões em royalties para o município, por meio da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).

Como a maior parte da produção de pellets-feed em Itabira é exportada, ficando apenas o sinter-feed para o mercado interno, a Vale quase nada paga de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por força da Lei Kandir, que desde 1996 desonera do imposto os produtos e serviços destinados à exportação.

Entretanto, o município é compensado pelo Estado por conceder esse incentivo fiscal à Vale, com a apuração do Índice do Valor Adicionado Fiscal (VAF), um indicador utilizado para calcular a participação de cada município na distribuição do imposto entre os municípios mineiros.

É “só” mais um incentivo fiscal de Itabira à mineração, uma vez que, desde a criação da estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, a mineradora só começou a pagar tributos ao município com a edição do Imposto Único sobre Minerais (IUM).

O IUM foi promulgado por meio do Decreto-Lei nº 1.038/1969, instituído pelos ministros da Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica, “usando as atribuições que lhes conferem o artigo 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

O IUM foi extinto com a promulgação da Constituição de 1988, mas o incentivo fiscal de Itabira para o “desenvolvimento da Vale” permanece.

Camadas profundas

Segundo o gerente de Planejamento da Vale, Diogo Prata, o projeto de ampliação de cavas das minas permitirá o acesso a camadas profundas de minério sem a necessidade de expandir a área de mineração da empresa em Itabira.

Ou seja, segundo ele, a expansão não vai extrapolar o atual “pit” dessas minas, assegurando que a ampliação não ultrapassará os limites físicos já estabelecidos, sem que seja preciso remover bairros e moradores vizinhos, sem ocupar novos territórios.

Isso difere do que a empresa fez desde o início de suas operações no município, a exemplo da remoção do antigo bairro Explosivo, na década de 1970, com a construção da usina Cauê, da parte alta da Vila Paciência, na década de 1980 e agora com a construção da segunda estrutura de contenção no Pontal, afetando moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista, principalmente.

Ou seja, a empresa pretende acessar camadas mais profundas dessas minas, sem expandir lateralmente para novas regiões, minimizando impactos ambientais e sociais, sem ocupar novos territórios, explicou o gerente da Vale.

Embora não tenha sido dito, e tão cedo pode ser confirmado ou não, o certo é que a expansão dessas minas deve, inclusive, se aproximar de um veio remanescente de hematita que começa em Conceição e termina nas Minas do Meio, um fenômeno geológico por certo somente existente em Itabira.

Impactos ambientais e medidas de controle

A ampliação das cavas envolve desafios ambientais, e especialistas apresentaram as ações de mitigação previstas. A engenheira de minas Dinalva Fonseca, da Arcades, detalhou os estudos realizados sobre compensação ambiental e preservação dos biomas. A Arcades é a mesma empresa contratada pela Vale para dar consultoria à Prefeitura de Itabira no projeto Itabira Sustentável – e que até então muito pouco saiu do papel.

Segundo ela, são pontos que precisam ser mitigados e ou compensados com a revegetação de 315 hectares, assim como a ampliação de uma cortina arbórea com revegetação progressiva entre as minas e a cidade, medida que consta também como condicionante da Licença de Operação Corretiva (LOC), não integralmente executada, como agora se comprova com essa necessidade para diminuir a emissão de poeira e ruídos.

A umectação de taludes e vias internas de acesso às minas também deve ser ampliada. Isso para que os índices de poluição atmosférica não sejam ultrapassados em 10%, levando em consideração os parâmetros do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), sem considerar os limites da resolução número 2 do Codema, que são mais restritivos.

“Os estudos foram feitos com rigor técnico e seguiram metodologias reconhecidas internacionalmente. Todas as ações necessárias para minimizar impactos serão implementadas conforme previsto”, ressaltou a consultora.

O projeto também prevê um Centro de Controle Ambiental, operando 24 horas por dia, sete dias por semana, para garantir o monitoramento da qualidade do ar e outros fatores ambientais, como ruídos e vibrações.

Praticamente não haverá compensações ambientais em Itabira, apenas as que constam na legislação por cortes de árvores nativas e intervenção em área de proteção ambiental, além de um viveiro de mudas, sugerido pela equipe técnica ambiental da Prefeitura.

A maior parte desses investimentos será alocada em outras localidades, como a doação de área ao Parque Nacional Serra do Gandarela, em Rio Acima, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Além disso, a empresa vai alocar R$ 576,1 mil em projetos selecionados pelo ICMBio no Programa Nacional de Conservação do Patrimônio Espeleológico, devido à eliminação de uma cavidade (gruta) na mina Conceição, em Itabira, onde tudo começou e que, oito décadas depois, continua correndo o risco de virar uma cidade fantasma após a exaustão mineral.

Recursos hídricos

Leonardo Reis, conselheiro do Codema pela Cáritas Diocesana, fez várias intervenções e é o autor do pedido que resultou nessa consulta pública

Outra questão levantada foi sobre o rebaixamento de aquíferos, necessário para as operações minerárias no complexo Conceição. Segundo os técnicos da Vale, esse rebaixamento não afetará os cursos d’água a jusante, o rio de Peixe e o córrego da Água Santa, pois receberão descargas com as águas desse rebaixamento.

Perguntado, ficou sem resposta se esse rebaixamento pode afetar a água termal do Poço da Água Santa, o que não ocorreu com o rebaixamento do aquífero com o avanço das Minas do Meio tempos atrás.

De acordo com o conselheiro do Codema, Leonardo Reis, representante da Cáritas Diocesana, 75% das outorgas existentes no município são direcionadas para as operações da Vale, enquanto apenas 16% ficam para a população.

Ele ressaltou a necessidade de priorizar o consumo humano sobre o uso industrial, conforme estabelecido pela Política Nacional de Recursos Hídricos, que em Itabira, historicamente, foi invertida.

A empresa reafirmou o compromisso, firmado por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de Minas Gerais, de fornecer um reforço hídrico de 160 litros por segundo, que pode até ser aumentado com as águas desses novos rebaixamentos, até que se conclua a transposição de água do rio Tanque, o que não deve ocorrer antes de 2027.

Segundo o gerente de geotecnia da Vale, Miguel Paganin, o aumento da vazão de bombeamento faz parte do plano de extração mineral. Ele salientou que a água retirada do aquífero será devolvida ao meio ambiente em pontos estratégicos.

Marcelo Paganin, gerente da Vale, assegurou que rebaixamento de aquíferos não vai afetar abastecimento em Itabira

“Com esse aumento de vazão, teremos uma maior reserva técnica. Isso significa que, caso haja falhas operacionais (no fornecimento desse reforço hídrico a Itabira, como tem ocorrido recorrentemente), como problemas em bombas ou circuitos elétricos, conseguiremos manter o abastecimento sem interrupções”, assegurou Paganin.

Impactos de vizinhança

Moradores da Vila Amélia expressaram preocupações sobre a mudança de acesso ao bairro e os impactos causados pelo trânsito de equipamentos.

De acordo com técnicos da Vale, a ampliação das cavas não afetará a estrada 105, que será realocada com o trecho que sai da estação João Paulo, no bairro Campestre, deixando de passar pelos bairros Vila Amélia, Alto Pereira e Areão, por força não da ampliação das minas, mas de condicionante federal, com a antecipação da concessão ferroviária da Estrada de Ferro Vitória a Minas.

Segundo a mineradora, para isso não haverá remoção de moradores. “O novo traçado da ferrovia oferecerá um fluxo mais seguro.” E para o trecho ferroviário a ser desativado, segundo negocia o prefeito Marco Antônio Lage (PSB) com a Vale e moradores, servirá para abrir mais uma rua e abrigar parques lineares e temáticos, com áreas verdes e de lazer.

Outros impactos de vizinhança levantados por moradores dizem respeito ao aumento de ruídos (poluição sonora) e vibrações causadas por caminhões e máquinas. “Temos um sistema de monitoramento ambiental para avaliar e mitigar esses impactos. Medidas como controle de velocidade dos veículos serão tomadas, além de ampliar a cortina arbórea”, explicou.

Produção de minério

A ampliação das cavas e a instalação de duas novas pilhas de rejeito/estéril, como já destacado, não visam ampliar a produção de minério em Itabira, mas sim assegurar uma produção de 25 milhões de toneladas anuais (MTa), metade da capacidade produtiva do complexo minerador local.

Segundo o gerente de Planejamento de Minas, Diogo Prata, essa redução ocorre devido ao empobrecimento do minério de ferro restante nas minas de Itabira, assim como pelo fato de os recursos minerais ainda disponíveis se encontrarem em camadas mais profundas, o que dificulta sua extração.

No ano passado, a produção em Itabira foi de 28 milhões MTa. Neste ano, a expectativa é que não ultrapasse 25 milhões MTa, e, assim sucessivamente, a produção local deve continuar caindo até o fim inexorável, bem como a arrecadação de royalties pela Prefeitura.

 

 

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4 Comentários

  1. Quintiliano Guerra, Diogo Prata, Dinalva Fonseca, Miguel Paganini, são Itabiranos?
    Isso não importa, o que de fato importa é que são contra Itabira, são pobres vips a lamber botas do patrão.
    Que horror, quando era a CVRD os seus empregados eram um tanto mais civilizados, agora é essa baixaria lutando contra Itabira.

  2. Agradeço o apoio de Cristina, Carlos ,Graça Lima, assim como outros que também pensam no futuro de Itabira. Eu já esperava os pronunciamentos da VALE, desde os tempos do CODEMA as reações frente às cobranças. Segundo a Empresa tudo será estudado e trabalhado. Vamos lembrar que condicionantes da LOC de 2000 ainda estão sem cumprimento. A água que Itabira “iria ter em abundância ” não pode ser utilizada, contaminação. Brumadinho possuía laudo internacional, vejam o que ocorreu. Itabira Sustentável continua no papel. Fizemos a nossa parte,quando a população e os nossos representantes acordarem, será tarde.

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