Conhecendo uma garota

Rafael Jasovich*

Após um mês em Pedro Juan Caballero e já mais ambientado na faculdade de Medicina, assistindo as aulas e sempre estudando, fiquei quase sem sair de casa, a não ser para estudar.

Estudava de manhã e meus colegas de moradia todos à tarde. Na pequena caminhada de 2 km para chegar à universidade ia matutando e falando comigo mesmo, calma tudo vai se ajeitar, você vai conseguir.

Sentia-me muito sozinho, carente e não tinha com quem dividir minhas preocupações e minhas angústias.

Na sala de aula escolhia sempre um lugar na frente para aproveitar o que o professor ensinava a 100 alunos todos de jaleco branco, mais mulheres que homens.

Eu observava as colegas, sentia falta de uma companhia feminina, afinal tinha 24 anos solteiro e eu acho que até bem apessoado.

Um mês tinha se passado desde o inicio das aulas e eu continuava solitário. Até que numa terça-feira uma menina linda de viver, que eu olhava sempre com aqueles olhos pidões, mas sem conseguir me aproximar, veio ao meu lado e disparou – “você é de onde?”. Rondônia, respondi de pronto meio atrapalhado pela surpresa.

A conversa fluiu até que bem e fiquei sabendo que se chamava Andréia, era da Bahia e que tinha 20 aninhos. Acho que no inicio fiquei meio vermelho e dei umas gaguejadas, mas ela era bem falante e levava a conversa adiante.

Convidou-me para tomar um café na cantina. Eu pensei: “lá se vai a grana do lanche de hoje”. Que nada, ela pagou os dois cafés e o salgado dela.

Acabou o intervalo e voltamos à sala de aula, ela estava sentada na mesma fileira, mas meio longe de mim. Fiquei observando-a, pele cor de jambo, cabelos longos encaracolados e os  olhos, oh os olhos, puxados, pretos que nem carvão e brilhantes. Alta devia ter 1,70 ou um pouco mais. (eu 1,88 por sorte), magra e linda, nossa que linda.

A gente saia às onze e meia da manha. Eu não almoçava , comia meu salgado do dia e pronto.

Andréia se aproximou de mim, quase encostando e me disse num disparo de palavras rápidas se ia comer na cantina da faculdade.

Comer era uma espécie de demanda reprimida que eu sofria há mais de 20 dias. Dei uma disfarçada e argumentei que ia para casa comer alguma coisa.

Pediu meu celular e anotou seu número de telefone: “manda um oi no meu meu e a gente se fala à tarde” – e abriu um sorriso entre os mais lindos lábios que já tinha visto mostrando dentes super brancos e parelhos, com uma pequena falha entre os dois da frente que era adorável.  Eu já estava apaixonado!

Na caminhada de volta para casa fui matutando e me aconselhando para tomar cuidado e não apresar as coisas; “devagar Daniel”, dizia para mim mesmo.

Não beijava na boca há mais de seis meses, transar então, mais de ano.

Chegando em casa deitei no colchão ainda sem lençóis e com um travesseiro emprestado. Coloquei o celular perto de minha orelha para não perder a tão ansiada ligação ou mensagem de Andréia. Adormeci pensando nela.

Acordei meio assustado com o toque do celular. Era ela, mensagem com uma localização e me chamando para ir a casa dela estudar anatomia. Respondi rapidamente que estava indo.

Andréia morava a poucos quarteirões de minha casa num conjunto de quitinetes. Cheguei em menos de 5 minutos. Bati e ela abriu a porta com um largo sorriso, vestia um shortinho bem curtinho  e uma camisa amarrada na cintura, descalça, uma deusa.

Entrei meio constrangido ainda num ambiente bem acolhedor, uma pequena cozinha de tipo americana, o quarto separado por uma estante com alguns livros e umas peças de artesanato, o banheiro pequeno à direita e um pôster de Che Guevara colado na parede, Bom já tínhamos alguma coisa em comum, sou fã desse grande homem.

Tinha uma pequena mesa onde estava já colocada a apostila de anato (estudantes tinham costume de abreviar) que íamos ler.

Três cadeiras de plástico compunham o ambiente, que claro eu achei maravilhoso. Aliás eu estava achando tudo um sonho. Não conseguia acreditar que uma mulher tão linda se interessasse por mim, auto-estima baixa.

Lemos a apostila, comentamos um pouco sobre a matéria, mas logo passamos a falar de nós. Aliás ela me submeteu a um hábil interrogatório. Quando falei de minha mãe e do esforço que ela fazia para eu estar na faculdade, me emocionei, olhos cheios de água. Ai me surpreendi ainda mais. Ela me fez um cafuné e me deu um beijinho na bochecha.

Ela, Márcia, inteligente captava rapidamente a matéria que estudávamos. Eu fazia esforços para estudar e ao mesmo tempo me distraia por vezes olhando para ela.

Mais tarde anoitecendo Márcia pediu uma pizza pelo telefone e um refrigerante (fiz que não entendi pois no podia participar monetariamente da despesa).

Começamos a comer e eu fazia esforços para não demonstrar minha fome monstruosa (kkkk). Dos oito pedaços comi cinco.

Ela me perguntou, se eu estava liso, respondi: “muito liso”, rindo.

Voltamos a estudar, terminamos a apostilha.

Ficamos nos olhando sem dizer nada. De repente o beijo. Que beijo, que sensação maravilhosa, quanta ternura.

Se a relação era ficar, namorar, ou mais do que isso não me importava mais.

Eu já estava apaixonado.

Não falamos sobre o acontecido, mas eu sabia, sentia que uma forte ligação tinha se estabelecido entre nós.

Tinha observado que as relações amorosas entre os nunca eram duradouras como se a necessidade de afeto durasse o tempo de uma transa.

Será que o nosso seria duradoiro? O tempo senhor da razão.

*Rafael Jasovich é jornalista, advogado, membro da Anistia Internacional. E contista nas horas vagas.

 

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